WASHINGTON - Autoridades militares dos Estados Unidos confirmaram na tarde deste sábado, 4, que abateram um balão chinês acusado por Washington de realizar atividades de espionagem. O episódio se dá em meio à controvérsia ligada a um suposto balão espião da China que o Pentágono detectou sobrevoando o território americano dois dias atrás.
O Ministério das Relações Exteriores da China declarou seu “forte descontentamento e protesto” após a derrubada de seu balão pelos Estados Unidos. Em um comunicado, o ministério disse que a China disse repetidamente a Washington que o balão era uma aeronave civil que inadvertidamente sobrevoou os Estados Unidos e sua presença foi “totalmente acidental”.
O ministério também afirmou que as autoridades em Washington disseram que o balão não representava nenhuma ameaça militar. “Nestas circunstâncias, os Estados Unidos insistirem em usar a força armada é claramente uma reação excessiva que viola gravemente a convenção internacional”, disse o comunicado. “A China defenderá resolutamente os direitos e interesses legítimos da empresa envolvida e retém o direito de responder posteriormente.”
Momentos antes do balão ser abatido, a agência de aviação federal havia anunciado o fechamento de ao menos três aeroportos na região, interrompendo voos civis no espaço aéreo no entorno desses terminais, citando um “esforço de segurança nacional”. O suposto balão espião fora detectado pelo Pentágono sobrevoando o território americano dois dias atrás.
Os aeroportos atingidos pela medida ficam na costa leste, próximos ao litoral do estado da Carolina do Sul. Em comunicado, a FAA alertou que os militares podem agir se aeronaves violarem as restrições ou não atenderem a ordem de se afastar.
Entenda o caso do balão chinês
Mais cedo neste sábado, o presidente Joe Biden afirmou que o país “vai se encarregar” do caso. Foi a primeira vez que o democrata se pronunciou sobre o incidente, que levou a uma nova escalada de tensões entre EUA e a China, culminando com o adiamento de uma viagem a Pequim do secretário de Estado, Antony Blinken, originalmente marcada para este fim de semana.
Washington afirma que o objeto seria um instrumento de espionagem, enquanto Pequim diz ser um equipamento de pesquisas, sobretudo meteorológicas, que saiu da rota.
Biden deu a declaração ao responder a um repórter que questionava se o Exército pretendia derrubar o balão de alta atitude, que o governo diz ter claramente violado a soberania dos EUA ao adentrar o território americano. Militares haviam considerado derrubar o artefato, mas decidiram não fazê-lo devido ao risco de os destroços atingirem a população em solo. O artefato teria o tamanho de três ônibus.
O democrata não especificou, no entanto, quais os planos para o balão —segundo o serviço de previsão meteorológica AccuWeather, o objeto está a caminho do oceano Atlântico e deve sair do espaço aéreo americano na noite do sábado.
Cancelamento de viagem
Na sexta, 3, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, adiou uma viagem diplomática planejada para a China no domingo, enquanto o governo dos EUA avalia uma resposta mais ampla à descoberta de um balão chinês de alta altitude sobrevoando o Estado de Montana, em locais que abrigam cerca de 150 silos de mísseis balísticos intercontinentais.
A decisão abrupta ocorreu apesar da alegação da China de que o balão era um satélite de pesquisa meteorológica que havia saído do curso por causa de fortes ventos. Os EUA descreveram o balão como um satélite de vigilância.
A decisão veio poucas horas antes de Blinken partir de Washington para Pequim e marcou um novo golpe nas já tensas relações EUA-China. Blinken e o presidente Joe Biden determinaram que era melhor não prosseguir com a viagem neste momento - muito em função das pressões políticas de republicanos e democratas após a descoberta do suposto balão espião.
As tão esperadas reuniões de Blinken com altos funcionários chineses foram vistas em ambos os países como uma forma de encontrar terreno comum em meio a grandes divergências sobre Taiwan, direitos humanos, reivindicações da China no Mar da China Meridional, Coreia do Norte, guerra da Rússia na Ucrânia, política comercial e mudanças climáticas.
Embora a viagem, que foi acertada em novembro pelo presidente Joe Biden e pelo presidente chinês Xi Jinping em uma cúpula na Indonésia, não tenha sido formalmente anunciada, autoridades de Pequim e Washington vinham falando nos últimos dias sobre a chegada iminente de Blinken. As reuniões deveriam começar no domingo e terminar na segunda-feira.
Enquanto o Pentágono minimizou o valor potencial do balão para adquirir inteligência, a reação pública dos funcionários do governo Biden destacou como as relações com Pequim se tornaram frágeis e delicadas, mesmo por causa de um balão.
Balão espião existe?
O outrora humilde balão é uma das muitas tecnologias que as forças militares da China aproveitaram como uma ferramenta potencial em sua rivalidade com os Estados Unidos e outras potências. Outras máquinas avançadas incluem drones e veículos hipersônicos que podem manobrar em altas velocidades na atmosfera.
Em estudos e artigos de jornais, os especialistas do Exército Popular de Libertação da China acompanharam os esforços dos EUA, França e outros países para usar balões avançados de alta altitude para coleta de informações e para coordenar operações no campo de batalha. Segundo eles, novos materiais e tecnologias tornaram os balões mais resistentes, manobráveis e de maior alcance do que as gerações anteriores de balões.
Desde 2001 a China usa balões para investigações e finalidades de espionagem. O Ministério da Defesa de Taiwan disse que no início de 2022, a China lançou balões sobre a ilha. “Os avanços tecnológicos abriram uma nova porta para o uso de balões”, afirmou um artigo do Liberation Army Daily – o principal jornal militar da China – no ano passado. Outro artigo no mesmo jornal observou que os dirigíveis nas camadas superiores da atmosfera também podem se tornar como “mil olhos” ajudando a monitorar o espaço sideral.
O balão supostamente enviado para os EUA pode ser usado para coletar informações sobre sistemas de defesa aérea ou condições atmosféricas, disse Su Tzu-yun, analista do Instituto de Defesa Nacional e Pesquisa de Segurança em Taipei.
As forças americanas teriam poucos problemas para seguir o balão agora, mesmo em altitudes muito mais altas do que as vistas sobre Taiwan, disse ele. “Basicamente, eles são muito óbvios e, devido ao seu grande volume, são facilmente rastreados pelo radar”, disse Su.
O que é o balão e como ele é operado?
Um balão espião é apenas isso - um balão usado para fins de vigilância. “Claramente, eles estão tentando voar com isso – este balão sobre locais sensíveis - para coletar informações”, disse o oficial de defesa dos EUA na quinta-feira.
Um balão espião pode ter uma ou várias câmeras suspensas sob um balão que flutua acima de uma determinada área, carregado por correntes de vento. O equipamento acoplado aos balões pode incluir radar e ser movido a energia solar.
Os balões normalmente operam a 24 mil metros - 37 mil metros (80.000-120.000 pés), bem acima de onde voa o tráfego aéreo comercial - os aviões quase nunca voam acima de 12 mil metros.
E os balões espiões não são novidade: durante a Guerra Civil Americana, a União até usou balões de ar quente para rastrear os movimentos das tropas confederadas. Durante a 1ª Guerra, a seção fotográfica do Serviço Aéreo do Exército dos EUA usou balões para realizar vigilância e fornecer imagens aéreas.
E na década de 50, a Força Aérea dos EUA lançou o Projeto Genetrix, que descreveu como sua primeira “operação de inteligência de balão de grande escala, não tripulada e de alta altitude”, projetada para tirar fotos sobre “a massa terrestre do bloco soviético”.
A atividade de vigilância de balões continuou nos últimos anos, de acordo com autoridades dos EUA. “Instâncias desse tipo de atividade de balão foram observadas anteriormente nos últimos anos”, disse o secretário de imprensa do Pentágono, general de brigada Patrick Ryder, sem dar mais detalhes.
Por que um balão e não um satélite?
“Nas últimas décadas, os satélites eram o protocolo, o estado da arte da espionagem”, disse ao jornal britânico The Guardian John Blaxland, professor de segurança internacional e estudos de inteligência na Australian National University e autor do livro Revealing Secrets. “Mas agora que lasers ou armas cinéticas estão sendo inventados para atingir satélites, há um ressurgimento do interesse por balões”.
Eles não oferecem o mesmo nível de vigilância persistente que os satélites, mas são mais fáceis de recuperar e muito mais baratos de lançar. Para enviar um satélite ao espaço, você precisa de um lançador espacial – um equipamento que normalmente custa centenas de milhões de dólares.
Os balões também podem varrer mais território de uma altitude mais baixa e passar mais tempo sobre uma determinada área porque se movem mais lentamente do que os satélites, de acordo com um relatório de 2009 do Air Command and Staff College da Força Aérea dos EUA.
Craig Singleton, especialista em China da Fundação para Defesa das Democracias, disse à agência Reuters que esses balões foram amplamente usados pelos EUA e pela União Soviética durante a Guerra Fria e eram um método de coleta de inteligência de baixo custo.
Por que as autoridades não derrubaram o balão?
Os líderes militares desaconselharam fortemente a “ação cinética” - ou atirar no balão - por preocupação com a segurança dos civis no solo que poderiam ser feridos pelos destroços, disse o oficial de defesa.
“Estávamos analisando se havia uma opção ontem sobre algumas áreas pouco povoadas em Montana. Mas simplesmente não conseguimos reduzir o risco o suficiente para nos sentirmos à vontade para recomendar derrubá-lo”, disse o funcionário, acrescentando que o balão não representava uma ameaça física nem uma ameaça substancial de inteligência.
“Temos observado o balão por vários meios, incluindo aeronaves tripuladas”, disse o oficial, acrescentando que os militares têm “autoridade suficiente” para “fazer tudo o que for necessário para proteger o povo americano”, autoridade que inclui legislação capacitação para usar a força contra aeronaves não tripuladas.
É sabido que os EUA e a China espionam uns aos outros, e o alto funcionário americano disse que as capacidades do balão não parecem ser “além” dos satélites chineses existentes e outras ferramentas.
Por que a China está fazendo isso?
O professor Steve Tsang, diretor do Instituto da China na Universidade SOAS de Londres, disse que, dado o acesso da China a tecnologia avançada, qualquer balão espião provavelmente teria mais “valor simbólico, mostrando que os chineses são capazes de enviar algo para o ar para inspecionar as instalações militares dos EUA.”
“E eles estão fazendo isso porque, por décadas, os EUA enviaram aviões espiões ao longo da costa chinesa e, às vezes, sobre o espaço aéreo chinês para monitorar os chineses de maneiras que eles não podiam fazer muito”, disse ele. “Agora eles podem, então eles fazem.”
Ao jornal britânico The Guardian, John Blaxland, professor de segurança internacional e estudos de inteligência na Australian National University, disse achar improvável que os chineses não esperassem ser pegos. “Ser pego provavelmente era o objetivo, com dois resultados em mente. A primeira razão pela qual o balão foi lançado foi para constranger os EUA. Ainda melhor se capturasse alguma inteligência ao longo do caminho”, disse Blaxland.
“É difícil imaginar como eles poderiam ter pensado que não seria detectado. O espaço aéreo americano é estudado de perto pelas autoridades da aviação civil dos EUA, pela Força Aérea dos EUA, pela Força Espacial dos EUA, pelas redes meteorológicas – é um espaço aéreo extremamente escrutinado”, diz ele.
A segunda razão é tornar os EUA cientes do fato de que a China tem mantido secretamente sua tecnologia e a replicado. “As agências de segurança chinesas são mestres no comportamento de imitação. Eles são muito, muito bons em estabelecer o que é tecnologia e depois tentar replicá-la”, disse Blaxland ao Guardian.
É algo como “qualquer coisa que você pode fazer, podemos fazer melhor” e é “apenas a ponta do iceberg”, diz Blaxland. A espionagem da China acontece “em escala industrial”, com pequenos pedaços de inteligência reunidos e transmitidos de inúmeras maneiras. Juntos, eles formam imagens detalhadas.
O analista de segurança com base em Cingapura, Alexander Neill, disse à Reuters que, embora o balão provavelmente forneça um novo ponto de tensão para os laços China-EUA, provavelmente teve um valor de inteligência limitado em comparação com outros elementos que as forças militares modernizadoras da China têm à sua disposição.
“A China tem sua própria constelação de satélites espiões e militares que são muito mais importantes e eficazes em termos de observação dos EUA, é justo supor que o ganho de inteligência não é enorme”, diz Neill, que é um membro adjunto no grupo Pacific Forum do Havaí. /WP, AP, NYT e AFP
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