É fácil dar asas à nossa imaginação quando falamos sobre os objetos voadores não identificados que passaram a aparecer com frequência sobre a América do Norte. Pelo menos um dos objetos, segundo relatos, era cilíndrico, remetendo assustadoramente a visitantes imaginados no passado. “O cilindro era artificial — oco — com uma tampa em forma de rosca!”, escreveu HG Wells em “A guerra dos mundos”. “Algo dentro do cilindro estava desrosqueando a tampa!”
Talvez os marcianos realmente estejam chegando.
“Cutuquem com baionetas. Se encontrarem pouca resistência, empurrem mais.”
Alternativamente, talvez os óvnis que foram derrubados sobre o Alasca, o Canadá e o Lago Huron emergiram de algum lugar na China, da mesma forma que o grande balão que foi derrubado em 4 de fevereiro na costa da Carolina do Sul. Ainda não sabemos de muita coisa, e a Casa Branca está sendo apropriadamente cuidadosa em não tirar conclusões precipitadas. Talvez tenham sido os russos — ou algo completamente inocente. Mas pensemos através das lentes da hipótese Made in China.
Por que motivo Pequim faria algo assim? A resposta mais provável irrompe na forma de uma antiga máxima leninista: “Cutuquem com baionetas. Se encontrarem pouca resistência, empurrem mais.”
Novo campo de batalha
Balões (se é isso realmente o que a aeronave misteriosa é, uma questão que permanece não confirmada) dificilmente parecem tão ameaçadores quanto baionetas. Mas conforme noticiou o NY Times na semana passada, Pequim lançou balões sobre mais de 40 países. Balões são capazes de registrar imagens próximas e outros dados de reconhecimento que satélites não conseguem. E são capazes de operar em uma zona conhecida como “espaço próximo”, entre 20 e 100 quilômetros de altitude, que os militares chineses classificam como “um novo campo de batalha na guerra moderna”.
Os balões também poderiam expor lapsos no que o Pentágono chama de “consciência de campo”. Eles não se movimentam conforme padrões previsíveis, como os satélites, e são capazes de evitar radares mais facilmente do que a maioria das aeronaves. Eles ajudam um adversário a encontrar pontos cegos não apenas em termos de como detectamos ameaças à segurança nacional mas também em relação à maneira que as concebemos.
A questão é crucial — e esquecida facilmente demais. Em outubro de 2000, um destróier americano de bilhões de dólares, o USS Cole, quase foi afundado no Porto de Áden, no Iêmen, por um pequeno barco de fibra de vidro carregado com explosivos potentes. Menos de um ano depois, quase 3 mil pessoas foram mortas nos atentados de 11 de Setembro, quando 19 sequestradores transformaram aviões comerciais em gigantescos mísseis de cruzeiro.
Ambos os casos são exemplos de agressões eficazes de baixa tecnologia. Mais importante, são também estudos de caso sobre como a falta de imaginação prejudica nossas próprias defesas. Nós tendemos a pensar que nossos adversários podem agir contra nós da maneira que nós agiríamos contra eles: usando as tecnologias mais avançadas ao nosso dispor. Mas parte da doutrina militar chinesa tem como base a ideia de Sha Shou Jian, ou o “bastão do assassino” — um poder inferior que se vale de armas capazes de surpreender e derrotar uma arma superior. Nessa perspectiva, balões operando no espaço próximo atendem ao paradigma. E há a possibilidade de Pequim operar dessa maneira porque já escapou impune de atitudes muito piores.
Se mandar balões de vigilância para dentro do espaço aéreo dos EUA é algo ousado, o que dizer sobre o estabelecimento de uma rede de delegacias de polícia clandestinas em várias cidades do mundo, incluindo Nova York, para vigiar e às vezes intimidar chineses que vivem no exterior? E sobre roubar informações pessoais de até 22 milhões de funcionários do governo federal dos EUA no ataque hacker revelado em 2015? E o que dizer sobre o aplicativo de propriedade chinesa TikTok, que o presidente Joe Biden baniu tardiamente de todos os dispositivos do governo americano por causa de sua possível aplicação em vasculhar dados pessoais dos usuários?
Um padrão familiar
Qualquer pessoa — ou país — que gaste décadas espionando descaradamente e roubando sem enfrentar consequências reais provavelmente espionará e roubará ainda mais. Nessa perspectiva, também, os balões são apenas parte de um padrão familiar de Pequim.
Finalmente, há a política chinesa de insulto ambíguo mas provavelmente calculado. As autoridades chinesas saudaram Barack Obama e sua equipe com uma série de pequenas desfeitas durante sua última visita presidencial à China, em 2016. O chefe da diplomacia chinesa, Yang Jiechi, passou um extenso sermão no secretário de Estado americano, Antony Blinken, durante seu primeiro encontro, em 2021. O balão que sobrevoou Montana e outros Estados apareceu pouco antes de Blinken decolar para Pequim em um esforço para remendar as relações.
Talvez haja explicações para cada episódio que se revelem acidentes de sincronização ou mal entendidos triviais. Mas novamente: esse padrão faz sentido.
Há uma conclusão na máxima leninista sobre investigar com baionetas. Ela conclui: “Se encontrar aço, retire-se”. Vladimir Putin encontrou pouco aço em Washington e nas capitais europeias depois que invadiu a Geórgia, tomou a Crimeia e obliterou grande parte da Síria. Pequim encontrou pouco aço quando cutucou por todo lado, do campo cibernético ao Mar do Sul da China.
Isso tem de mudar. Anunciar uma venda multibilionária de armas para Taiwan é um um início. Alternativamente, se os óvnis realmente forem de Marte, eles poderão ao menos dar oportunidade para os países deixarem suas diferenças de lado. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
- É colunista da seção de Opinião do Times desde abril de 2017. Ele ganhou um Prêmio Pulitzer como comentarista do Wall Street Journal em 2013 e anteriormente foi editor-chefe do Jerusalem Post.
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