THE NEW YORK TIMES - O embargo da União Europeia sobre a maioria das importações de petróleo russo poderá ocasionar um novo abalo na economia mundial, impulsionando um realinhamento do comércio global de energia que enfraquecerá a Rússia economicamente, conferirá a China e Índia poder de barganha e enriquecerá países produtores, como Arábia Saudita.
Europa, Estados Unidos e grande parte do restante do mundo poderiam sofrer porque os preços do petróleo, que têm se elevado constantemente há meses, poderiam aumentar ainda mais à medida que a Europa compra energia de fornecedores mais distantes geograficamente. Empresas europeias terão de vasculhar o mundo em busca dos tipos de petróleo que suas refinarias são capazes de processar com a mesma facilidade que processam o petróleo russo. Poderia haver até escassez ocasional de certos combustíveis, como diesel, que é crucial para abastecer caminhões e equipamentos agrícolas.
De fato, a Europa está trocando um fornecedor imprevisível — a Rússia — por exportadores instáveis no Oriente Médio.
A busca europeia por novos fornecedores de petróleo e a busca russa para encontrar novos compradores para seu petróleo não pouparão nenhuma parte do mundo, afirmam especialistas no setor de energia. Mas prever o impacto sobre cada país ou empresa é difícil, porque governantes, executivos da indústria da energia e negociantes responderão de maneiras variadas.
China e Índia poderiam estar protegidas de parte do problema da alta de preços do petróleo porque a Rússia está oferecendo descontos a elas. Nos dois meses recentes, a Rússia se tornou o segundo maior fornecedor da Índia, superando outros grandes produtores, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. A Índia possui várias refinarias enormes, capazes de lucrar muito transformando petróleo russo em diesel e outros combustíveis com alta demanda em todo o mundo.
Em última instância, os líderes ocidentais estão buscando enfraquecer a capacidade do presidente Vladimir Putin de espalhar o caos na Ucrânia e em outros lugares ao negar a ele bilhões de dólares em vendas de energia. Eles esperam que suas manobras forcem produtores de petróleo russos a fechar poços, porque o país não têm muitos locais para armazenar petróleo enquanto busca novos compradores. Mas esse esforço é arriscado e pode fracassar. Se os preços do petróleo aumentarem substancialmente, a receita total da Rússia gerada pelo insumo pode não cair tanto.
Outros produtores de petróleo, como a Arábia Saudita e empresas ocidentais como Exxon Mobil, BP, Shell e Chevron, deverão prosperar — simplesmente porque os preços do petróleo estão mais altos. O lado negativo é que consumidores de todo o mundo terão de pagar mais pelo litro do combustível e por mercadorias transportadas em caminhões e trens.
“É um tremendo acontecimento, verdadeiramente histórico”, afirmou Robert McNally, conselheiro em energia do ex-presidente George W. Bush. “Isso vai remodelar não apenas relações comerciais, mas relações políticas e geopolíticas também.”
Autoridades da UE ainda não revelaram todos os detalhes de seus esforços para aniquilar as exportações russas de petróleo, mas afirmaram que essas medidas entrarão em vigor gradualmente, ao longo de meses. Esse ritmo é destinado a dar tempo aos europeus para se preparar, mas também dará à Rússia e seus parceiros tempo para encontrar maneiras de contorná-las. É difícil prever quem se adaptará melhor à nova realidade.
Gradual
De acordo com o que autoridades europeias afirmaram até aqui, a UE banirá importações por meio de navios-tanque de petróleo bruto e combustíveis refinados, como diesel, que representam dois terços do que o continente compra da Rússia. O banimento será aplicado gradualmente, ao longo de seis meses em relação ao petróleo e de oito meses em relação ao diesel e outros combustíveis refinados.
Além disso, Alemanha e Polônia prometeram parar de importar petróleo da Rússia por meio de oleodutos, o que significa que os europeus poderão reduzir as importações da Rússia em 3,3 milhões de barris ao dia até o fim deste ano.
E a UE afirmou que empresas europeias não serão mais autorizadas a fazer seguros para navios-tanque que transportem petróleo russo para qualquer lugar. Esse banimento também será aplicado gradualmente, ao longo de vários meses. Em razão de muitas das maiores seguradoras do mundo terem base na Europa, essa manobra poderá elevar significativamente o custo de transporte da energia russa, apesar de seguradoras chinesas, indianas e da própria Rússia poderem agora assumir parte desses contratos.
Antes da invasão à Ucrânia, cerca de metade das exportações de petróleo da Rússia tinha a Europa como destino, representando US$ 10 bilhões em transações mensalmente. Vendas de petróleo russo para membros da UE diminuíram pouco nos meses mais recentes, e as exportações para EUA e Reino Unido foram eliminadas.
Alguns analistas do setor de energia afirmaram que o novo esforço europeu poderia ajudar a desvincular a Europa da energia russa e limitar a influência política de Putin sobre países ocidentais.
“Há muitas repercussões geopolíticas”, afirmou Meghan O’Sullivan, diretora para geopolítica do projeto de energia da Faculdade de Governo John F. Kennedy, da Universidade Harvard. “O banimento envolverá os EUA mais profundamente na economia global da energia e fortalecerá os laços entre Rússia e China no setor da energia.”
Outra esperança dos líderes ocidentais é que suas manobras rebaixem a posição da Rússia na indústria global de energia. A ideia é que, apesar de seus esforços para encontrar novos compradores na China, na Índia e em outras partes, a exportação total de petróleo da Rússia caia em quantidade. Como resultado, os produtores russos terão de fechar poços, que eles não conseguirão reativar facilmente por causa da dificuldade na extração e no processamento do petróleo nos inóspitos campos árticos.
Ainda assim, a nova política europeia é fruto de concessões mútuas entre países que conseguem substituir facilmente a energia russa e países, como a Hungria, que não são capazes de romper facilmente sua dependência em relação a Moscou — ou não estão dispostos a fazê-lo. É por isso que 800 mil barris diários de petróleo russo que são enviados para a Europa por oleodutos foram excluídos do embargo neste momento.
Os europeus também decidiram aplicar gradualmente restrições sobre seguros para transporte marítimo de petróleo por causa da importância da indústria de frete marítimo para Grécia e Chipre.
Concessões desse tipo poderiam minar a eficácia do novo esforço europeu, alertaram alguns especialistas no setor de energia.
“Por que esperar seis meses?”, perguntou David Goldwyn, que atuou como autoridade graduada para energia no Departamento de Estado dos EUA durante o governo de Barack Obama. “Da maneira que as sanções estão configuradas neste momento, a única coisa que vai acontecer é vermos fluir mais petróleo russo e derivados para outros destinos”, afirmou ele. Mas Goldwyn acrescentou que este “é um primeiro passo necessário”.
Apesar do embargo ao petróleo, a Europa tende a continuar dependente do gás natural russo por algum tempo, possivelmente anos. Isso poderia preservar algo da influência de Putin, especialmente se a demanda por gás saltar durante um inverno gelado. Líderes europeus têm menos alternativas para substituir o gás russo porque os outros grandes fornecedores mundiais do combustível — EUA, Austrália e Catar — não são capazes de expandir suas exportações substancialmente.
Um curinga do Ocidente é a crescente popularidade dos carros elétricos e das fontes renováveis de energia. Preços mais altos de petróleo e gás poderiam encorajar indivíduos, empresas e autoridades eleitas na Europa e em outras regiões a se afastar dos carros movidos a combustão e usinas de energia alimentadas por combustíveis fósseis.
A Rússia também tem cartas na manga capazes de minar a eficácia do embargo europeu.
Opep
A China é um mercado crescente para a Rússia. Conectada principalmente por oleodutos com capacidade quase esgotada, a China aumentou seus transportes marítimos de petróleo russo nos meses mais recentes.
A Arábia Saudita e o Irã podem perder com as vendas russas acrescidas para a China, e vendedores do Oriente Médio foram forçados a reduzir seus preços para competir com os pesados descontos do petróleo russo.
O’Sullivan afirmou que a relação entre Rússia, Arábia Saudita e outros membros da aliança Opep+ poderia ficar mais complicada “conforme Moscou e Riad competirem para construir e manter suas fatias de mercado na China”.
Na quinta-feira, Arábia Saudita, Rússia e seus parceiros na Opep+ afirmaram que aumentarão a produção em 648 mil barris ao dia, uma elevação 50% superior ao aumento de 400 mil barris ao dia que os países acordaram no ano passado. Mas os membros do cartel com frequência ficam aquém das metas de aumento de produção almejadas.
Mesmo que os laços comerciais no setor de energia estejam confusos, grandes produtores de petróleo, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, têm se beneficiado, de maneira geral, da guerra na Europa. Muitas empresas europeias estão agora ávidas para comprar mais petróleo do Oriente Médio. A receita das exportações sauditas de petróleo estão crescendo e poderão atingir um recorde este ano, de acordo com análise da Middle East Petroleum and Economic Publications, que acompanha a indústria, elevando o superávit comercial do reino para mais de US$ 250 bilhões.
A Índia é outra beneficiária, porque possui grandes refinarias capazes de processar o petróleo russo e transformá-lo em diesel — e parte desse combustível pode acabar na Europa mesmo que a matéria-prima tenha se originado na Rússia.
“A Índia está se tornando o polo de refinaria de facto para a Europa”, afirmaram analistas do banco de investimentos RBC Capital Markets em um relatório recente.
Mas comprar diesel da Índia elevará os preços na Europa, porque é mais caro transportar pelo mar combustível da Índia do que obtê-lo por oleodutos ligados diretamente às refinarias russas. “A consequência indesejada é que a Europa está, efetivamente, importando inflação para seus próprios cidadãos”, afirmaram os analistas do RBC.
A Índia está comprando cerca de 600 mil barris ao dia da Rússia, contra 90 mil durante o ano passado, quando a Rússia era um fornecedor relativamente menor. Agora, a Rússia é o segundo maior fornecedor dos indianos, depois do Iraque.
Mas a Índia pode ter dificuldade em continuar comprando da Rússia se as restrições da UE sobre seguradoras europeias cobrirem transportes marítimos de petróleo russo elevarem demais os custos.
“A Índia será vencedora”, afirmou Helima Croft, chefe de estratégia para commodities do RBC, “enquanto não for atingida por sanções secundárias”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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