ENVIADA ESPECIAL AO RIO - O primeiro pronunciamento do presidente argentino Javier Milei na reunião do G-20 no Rio nesta segunda-feira, 18, não poderia contrariar mais a visão do atual governo brasileiro. Em uma sessão plenária na qual todos os presentes tinham aderido a um pacto proposto por Brasília para países e organizações trabalharem contra a fome no mundo, Milei afirmou que o tema não é papel do Estado e defendeu que só o capitalismo e o setor privado podem tirar as pessoas da pobreza. Foi pouquíssimo aplaudido. Mas, ainda assim, a diplomacia brasileira comemorou.
É que integrantes do Itamaraty temiam que Milei “dinamitasse” o G-20 logo na sua abertura, mostrando discordância total com as pautas negociadas pelo Brasil, ao longo de todo o ano, com os demais países. Mas isso não aconteceu.
O Brasil e países europeus têm trabalhado, nos bastidores, para convencer a Argentina a manter críticas públicas e em discursos, mas, no final, aceitar assinar a declaração de líderes “em nome do consenso”. É justamente o roteiro do que aconteceu nesta manhã desta segunda-feira, 18, no debate sobre o fome.
Ainda não se sabe, no entanto, se Milei seguirá neste ritmo ao longo do restante do fórum. Milei tem ameaçado constranger o Brasil e não aceitar uma declaração final conjunta com os países do grupo.
Diante desse cenário, a leitura de diplomatas é de que ele poderia ter rompido todas as pontes já com seu primeiro pronunciamento, o que não aconteceu. A defesa do neoliberalismo, argumentam negociadores brasileiros, segue um roteiro previsível, mas não atrapalha o andamento da cúpula.
Os brasileiros também comemoram que, a despeito das críticas, a Argentina aderiu, ainda que de última hora, à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. O pacto é considerado pelo Itamaraty e pelo Planalto o principal feito brasileiro no G-20.
Estratégia de negociação
A taxação de grandes fortunas e o endosso à igualdade de gênero são dois dos temas que afastam a Argentina de assinar a declaração final do G-20.
Depois de bloquear uma declaração ministerial em outubro do grupo de Empoderamento Feminino no G-20, agora a delegação de Milei negocia para amenizar os termos usados no rascunho do comunicado final dos líderes. Os temas de gênero serão mantidos, mas o teor deve ser desidratado.
Nos bastidores, diplomatas dizem que “tudo depende do espírito” do argentino nesta cúpula.
Outra saída seria fazer um comunicado fragmentado, como já ocorreu nos anos de presidência do americano Donald Trump, onde o país aponta os trechos sobre os quais se opõe. Este, no entanto, seria considerado um fracasso diplomático.
Os europeus querem usar como mecanismo de convencimento os frequentes avais a empréstimos internacionais dados à Argentina, com quem possuem laços econômicos. Em linha com o esforço de Lula, o presidente francês Emmanuel Macron tenta convencer Milei.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.