Na Argentina, deputados da oposição peronista abandonaram a sessão que discute a chamada “Lei Ônibus”, o pacote com reformas políticas e econômicas considerado prioritário para o presidente Javier Milei. Mesmo com a retirada do bloco, o presidente da Câmara, Martín Menem, decidiu dar continuidade aos debates. No entanto, horas depois, com iniciativa do líder do bloco LLA, Oscar Zago, os deputados concordaram com um quarto intervalo até às 10h desta sexta-feira, 2. “Como já passa das 00h30, gostaria de pedir um adiamento para amanhã às 10h”, disse ele.
A coalizão União Pela Pátria - que governou o país até dezembro - e a Frente de Esquerda queriam que a sessão fosse interrompida em meio ao confronto entre manifestantes e as forças de segurança no entorno do Congresso que ocorreu mais cedo. O pedido foi rejeitado e os deputados do grupo decidiram abandonar o plenário na noite desta quinta-feira, 1.
Mais cedo, a oposição fez duras críticas à ministra da Segurança Patricia Bullrich e ao que chamou de “excessos” da operação policial montada na véspera para evitar que manifestantes bloqueassem vias no entorno do Congresso. Houve confronto e pelo menos quatro mulheres foram detidas.
“É um perigo dar uma reforma penitenciária - com as características que alguns querem dar - a uma pessoa que é mais perigosa que macaco com navalha”, disse Eduardo Toniolli em referência a Bullrich. O deputado faz parte da coalizão Juntos Pela Pátria, que governou o país até dezembro.
Patricia Bullrich, por outro lado, afirma que às forças de segurança atuaram em conformidade com o protocolo de segurança. “Foi uma manifestação ordeira até que eles decidiram - e decidiram a propósito, porque tinha espaço suficiente na praça - ocupar a rua e impedir que as pessoas voltassem para casa”, disse em entrevista coletiva na noite de quarta-feira.
Na mesma linha de Eduardo Toniolli, outros parlamentares do grupo político de Alberto Fernández e Cristina Kirchner aproveitaram o episódio para criticar a reforma penal incluída na “Lei Ônibus”. “Se essa reforma for aprovada, as mulheres que detidas teriam uma pena apenas quatro meses menor do que alguém que comete abuso sexual”, disse Leopoldo Moreau, também do União Pela Pátria. “Queremos matar a democracia?”, questionou.
Hoje, os grupos de esquerda e movimentos sociais voltaram a se reunir em frente ao Congresso, apesar da onda de calor que atinge Buenos Aires, onde os termômetros marcaram 37 ºC. De novo, houve confronto com a polícia.
Bate-boca e microfone cortado
O segundo dia da maratona de votação também foi marcado por debates acaloradas dentro do Congresso.
Em meio a uma discussão sobre privilégios, a deputada Cecilia Moreau, também do União Pela Pátria, protagonizou um bate-boca com o presidente da Câmara, Martín Menem (sobrinho do ex-presidente Carlos Menem). A peronista foi interrompida ao sugerir que ele deveria “cumprir o seu papel”. Ao que o presidente da Câmara respondeu: “deputada, não me diga o que fazer”. Na discussão que se seguiu, Menem chegou a cortar o microfone de Moreau enquanto pedia, sob gritos e protestos, que os parlamentares mantivessem os bons modos e não insultassem uns aos outros.
Enquanto os deputados seguem em debate, ainda há dúvida sobre o que será de fato votado. Os partidos peronista e de esquerda cobram que as bancadas devem receber o texto impresso, com as alterações feitas na véspera. Inicialmente, a “Lei Ônibus” era composta 664 artigos, que já haviam sido reduzidos para 524 durante a fase de comissões. Ontem, em meio à intensa negociação, o governo abriu mão de mais medidas restando 385 (pouco mais da metade do original).
“A cada minuto que passa e não temos as alterações impressas em nosso nas bancadas, aumenta o sentimento de obscurantismo”, cobrou o líder da bancada peronista Germán Martínez.
“Se vamos discutir esse texto, queremos ele impresso”, reforçou Christian Castillo, da Frente de Esquerda.
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A Liberdade Avança, partido de Milei, tem apenas 38 dos 257 deputados e espera contar com a chamada oposição dialoguista (composta por partidos posicionados entre o centro e a direita) para passar a reforma. Se aprovado, o texto seguirá para o Senado onde o governo tem sete dos 72 senadores e, por isso, precisará do mesmo apoio da Câmara.
Em meio à intensa negociação, o governo já retirou um capítulo fiscal do projeto, com o qual buscava assegurar o déficit zero nas contas argentinas. No entanto, manteve o pedido de contrair a dívida externa sem passar pelo Congresso, conforme exigido atualmente.
Mesmo com as concessões feitas pelo governo, alguns pontos ainda são motivo de intensa disputa, especialmente os que dizem respeito a aumentar os poderes do Executivo e privatizar cerca de 40 estatais.
‘Que termine a novela’
Mais cedo, o presidente Javier Milei se reuniu com os ministros do governo e deixou claro que não está disposto e continuar cedendo. “Se perde ou se ganha. A lei não será mais mexida. Que votem e terminem essa novela”, disse o libertário segundo relatos da emissora argentina Todo Notícias.
As projeções apontam que o governo deve ter apoio suficiente para aprovar de forma geral a “Lei Ônibus”, no entanto, pontos considerados importantes para a Casa Rosada podem não passar já que a votação se dará artigo por artigo. Mesmo diante desse risco, a percepção do governo é de que já foram feitas concessões demais e o pacote perderia o sentido se o Executivo continuasse abrindo mão./Com informações de AP
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