Quando cheguei ao pequeno apartamento em Teerã para entrevistar Shirin Ebadi, ela usava o hijab. Shirin é advogada e a primeira muçulmana a ganhar o prêmio Nobel da Paz por sua luta em defesa da liberdade e dos direitos civis para as iranianas sob o regime dos aiatolás, instaurado após a Revolução Islâmica de 1979. Perguntei a ela por que se cobria em casa - nas ruas, o uso do véu era imposto mesmo às estrangeiras, avisadas a cobrir-se quando o avião ingressa no espaço aéreo do Irã, obrigatoriedade contra a qual ela lutava. “Por que me cubro? Porque não luto para não usar o véu, mas pelo direito de escolha, ainda que seja escolher usá-lo.”
Por muito tempo, mulheres no Oriente rechaçaram a ideia do feminismo por associá-lo a valores ocidentais e demandas como o uso da pílula e da minissaia. Mas o direito de escolha universaliza a bandeira da igualdade.
Fui à casa de Shirin em um táxi dirigido por uma iraniana que havia sido obrigada a se casar aos 12 aos com alguém que não escolheu, fingiu-se louca para que o marido tomasse a iniciativa de pedir o divórcio (por lei, exclusiva aos homens), economizou dinheiro por dez anos, comprou os filhos de volta e, quando a encontrei, sustentava a casa com o trabalho em uma cooperativa de taxistas mulheres que fundara, reunindo 900 motoristas nas ruas de Teerã.
No Afeganistão, conheci a médica Massouda Jalal; primeira mulher candidata à presidência, a deputada Fawzia Kofi; a editora da primeira revista feminina, Shukria Barakzai; a comandante do primeiro batalhão feminino do Exército afegão, Fahima Misbaha, que aos 36 anos estava prestes a se casar por amor com um cadete dez anos mais jovem, de outra etnia e patente inferior à sua na hierarquia militar, quebrando de uma vez todos os tabus da sociedade local.
A inclusão de mulheres no Exército afegão garantiu o acesso às casas onde a tradição impedia a presença de homens, vilarejos estes mais suscetíveis ao extremismo religioso dos taleban. A ação feminina reduziu a capacidade de recrutamento e ataques dos terroristas, segundo o general aposentado John Allen, ex-comandante da Força Internacional de Assistência à Segurança no país que mais tarde fez parte da coalizão de combate contra o grupo jihadista Estado Islâmico (EI). “Nenhuma sociedade conseguiu transitar do conflito para o desenvolvimento sem que as mulheres fizessem parte central dela”, disse em um simpósio sobre a participação feminina em prevenção e resolução de conflitos, promovido pelo Council on Foreign Relations em Washington.
Alguns dos dados apresentados no simpósio: a participação de mulheres em processos de paz aumenta em 35% as chances de um acordo durar pelo menos 15 anos, três vezes além da média; a de organizações civis que incluem grupos de mulheres reduz em 64% as chances de um acordo de paz naufragar. A igualdade de gênero está associada à propensão menor de conflitos entre Estados e guerras civis. Se incluídas em ações de prevenção e em esforços para combater o radicalismo e o extremismo violento, o resultado tende a ser mais positivo e duradouro.
Não exatamente porque a mulher seja menos propensa à violência ou às guerras, afinal acreditar nisso seria também uma forma de sexismo – 40% das forças curdas de orientação marxista que lutam nas trincheiras do Iraque e Síria contra o Estado Islâmico são mulheres; na outra ponta, a ascensão da extrema-direita que incita o ódio contra imigrantes, refugiados e minorias na Europa tem sido largamente liderada por mulheres, como Marine Le Pen, na França.
A representatividade de gênero nas mesas de negociações altera seus resultados positivamente porque engloba as experiências, a visão, as possibilidades e as escolhas trazidas por uma parcela da população amplamente ignorada.
Entre 1992 e 2001, período que viu conflitos tão sangrentos quanto a primeira Guerra do Golfo e o genocídio em Ruanda, as mulheres somaram menos de 4% entre signatários de acordos de paz e tiveram apenas 9% de representatividade nas negociações. Esse período compreendeu ainda o início da segunda guerra civil na Libéria.
Quatro anos depois, sete mulheres, entre elas Leymah Gbowee - que mais tarde ganhou o Nobel da Paz - iniciaram protestos não violentos que evoluíram para uma greve geral de sexo, cuja repercussão acabou por convencer o presidente Charles Taylor a recebê-las em um encontro do qual saíram com o rascunho de um acordo de paz. A ação abriu caminho para a eleição, mais tarde, de uma mulher como presidente do país pela primeira vez. E inspirou ações semelhantes em Guatemala, Togo e outros países.
As mulheres ainda são apenas 3% das forças de paz da ONU. E recebem 0,4% da ajuda destinada a Estados vulneráveis para prevenção e resolução de conflitos, segundo dados mais recentes, de 2013. Mais de 60 países e organismos como ONU, Otan e União Africana comprometeram-se a garantir igualdade de gênero em seus quadros e negociações de conflitos, mas a promessa não se concretizou.
“Ponha as mulheres na mesa (de negociações) e notará que mais questões e perspectivas são trazidas à luz”, escreveu esta semana a ministra de Relações Exteriores da Suécia, Margot Wallström, que propõe uma agenda feminista na política externa. “Feminismo é um dos componentes da visão moderna em política global.”
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