The Economist: Bem-vindos à Grã-Bretália, o Reino Unido após Liz Truss

Reino Unido se tornou um país com instabilidade política e baixo crescimento, subordinado aos mercados de ações

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Por The Economist

Nota do editor: Em 20 de outubro, Liz Truss se demitiu do posto de líder do Partido Conservador e portanto deixará o cargo de premiê. O partido organizará uma nova disputa por sua liderança, a terceira em três anos, para eleger seu sucessor, dentro de sete dias.

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Em 2012, Liz Truss e Kwasi Kwarteng, dois dos autores de um panfleto chamado “Britannia Unchained”, usaram a Itália como alerta. Máquina pública inchada, baixo crescimento e baixa produtividade: os problemas da Itália e de outros países do sul da Europa também estavam presentes no Reino Unido. Dez anos depois, em sua atabalhoada tentativa de forjar um caminho diferente, Truss e Kwarteng ajudaram a tornar essa comparação inescapável. O Reino Unido é assolado ainda por um crescimento decepcionante e desigualdades regionais. Mas agora também é castigado pela instabilidade política e está à mercê dos mercados de ações. Bem-vindos à Grã-Bretália.

A comparação entre os dois países não é exata. Entre 2009 e 2019, o índice de produtividade no Reino Unido foi o mais baixo entre o G7, mas o da Itália foi muito pior. O Reino Unido é mais jovem e tem uma economia mais competitiva. Os problemas da Itália decorrem, em parte, de pertencer ao clube europeu; os do Reino Unido, por estar fora. Comparar as taxas de rentabilidade das obrigações de ambos os países é ilusório. O Reino Unido tem uma dívida menor, uma moeda própria e seu próprio banco central; o mercado considera que a chance de calote é muito menor no Reino Unido que na Itália.

Mas apesar do conceito de Grã-Bretália não ser uma verdade estatística, ele expressa uma realidade. O Reino Unido se aproximou muito da Itália nos anos recentes de três maneiras.

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Liz Truss discursa como primeira-ministra do Reino Unido na Assembleia Geral das Nações Unidas, em imagem de 21 de setembro. Após dois meses de governo, britânica renunciou ao cargo Foto: Dave Sanders / NYT

A primeira — e mais óbvia — é a instabilidade política; que costumava definir a Itália e infectou completamente o Reino Unido. Desde o fim do governo de coalizão, em maio de 2015, o Reino Unido teve quatro primeiros-ministros (David Cameron, Theresa May, Boris Johnson e Truss), assim como a Itália. Os países tendem a permanecer nesse mesmo passo no futuro próximo. Giorgia Meloni deverá se tornar primeira-ministra em Roma; e o futuro de Truss não poderia ser mais precário. Longevidade ministerial agora é contada em meses: desde julho, o Reino Unido teve quatro chanceleres do Tesouro; a secretária de Interior se demitiu esta semana depois de apenas 43 dias no cargo. A confiança na política declinou conforme o caos aumentou: 50% dos britânicos confiavam no governo em 2010, e menos de 40% confiam atualmente. O lapso com a Itália nessa medida encolheu de 17% para 4%.

Em segundo lugar, assim como a Itália se tornou a brincadeira dos mercados de ações durante a crise na zona do euro, agora, da mesma maneira, eles visivelmente controlam o Reino Unido. Os conservadores passaram os últimos seis anos perseguindo o sonho de uma soberania britânica aprimorada, mas, em vez disso, perderam o controle. Silvio Berlusconi foi removido do poder em 2011 depois de desrespeitar Bruxelas e Berlim; Kwarteng foi demitido do cargo de chanceler do Tesouro por causa da reação do mercado ao seu pacote de cortes de impostos não financiados. Os corretores de ações são os árbitros das políticas de governo do Reino Unido neste momento. Jeremy Hunt, o novo chanceler do Tesouro, extirpou a maioria dos cortes de impostos e decidiu, corretamente, redefinir o esquema do governo de garantia de custo da energia a partir de abril de 2023. A decisão que ele tem de tomar para suprir o buraco remanescente nas finanças públicas está sendo projetada com os mercados em mente.

Assim como os italianos se inquietam com “lo spread” entre obrigações do governo e títulos da dívida, os britânicos também aprenderam em um curso intensivo a maneira que os juros pagos pelas obrigações do governo afetam de tudo, desde o preço de suas hipotecas até a segurança de suas pensões. Na Itália, instituições como a presidência e o banco central atuam há muito como baluartes contra os políticos. E o mesmo ocorre atualmente no Reino Unido. Ao encerrar sua compra de emergência de obrigações, em 14 de outubro, o Banco da Inglaterra forçou o governo a reverter o curso mais rapidamente. Não há espaço para Hunt discordar do Escritório para Responsabilidade Orçamentária, uma entidade independente de auditoria fiscal. Essas instituições frearam parlamentares eleitos anteriormente, mas agora as correntes apertam com mais força e mais visivelmente.

Em terceiro lugar, o problema do baixo crescimento no Reino Unido fincou raízes mais profundas. Estabilidade política é precondição para o crescimento, não simplesmente algo bom de se ter. Governos italianos têm dificuldades para fazer qualquer coisa; e o mesmo foi verdadeiro para os breves governos britânicos. Quando mudanças de líderes e governos estão constantemente à espreita, pantomimas e personalidades substituem políticas. Johnson foi apelidado de “Borisconi” por alguns; e por insistir em permanecer na cena política, poderá tornar essa comparação ainda mais acurada.

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E apesar de disciplina fiscal poder acalmar os mercados de ações, em si ela não melhora o crescimento. Hunt apressava-se para equilibrar as contas como parte de um plano fiscal a médio prazo a ser revelado em 31 de outubro. Poupar dinheiro gastando menos em infraestrutura beneficiaria os dividendos sobre as obrigações do governo, mas não ajudará a economia a crescer. Não há espaço para gastos excessivos em serviços públicos. É melhor desativar gradualmente o mecanismo do “triple lock”, a fórmula generosa para aumentar o valor das pensões para pelo Estado, e levantar dinheiro de maneiras mais sensatas: cortando o status de “não domiciliados”, por exemplo, ou aumentando impostos sobre heranças. Uma elevação no índice de imposto de renda seria melhor do que reinstituir um aumento nas contribuições previdenciárias, que recairia somente sobre os trabalhadores.

Por agora, as coisas estão ficando cada vez mais britalianas. Parlamentares tory estão desarticulados — o que ficou evidente em uma caótica votação sobre fracking e nos rumores sobre mais demissões — e se consumiram novamente em discussões a respeito de quanto sua primeira-ministra poderia durar. Truss transformou-se no equivalente humano de Larry, o gato que mora no Número 10 da Downing Street: vivendo na casa do governo sem empunhar nenhum tipo poder. Se, ou melhor, quando os parlamentares tory decidirem tirá-la de lá, eles precisarão encontrar eles mesmos um sucessor, em ver de terceirizar a função para os membros do Partido Conservador. As chances de suas facções beligerantes se incendiarem em torno de uma figura unificadora são baixas.

Cruzamento espaguete

O argumento por uma eleição-geral antecipada, como resultado, fica cada vez mais forte. É improvável acontecer: afinal, por que os parlamentares tory votariam a favor de sua própria queda? A ideia de que faltaria legitimidade a Truss ou qualquer outro sucessor é equivocada em um sistema parlamentarista. Mas se o Parlamento for incapaz de produzir um governo que funcione, é hora de ouvir os eleitores. Este momento está se aproximando.

Organizar eleições não resolveu os problemas da Itália. Mas há razão para mais esperança no Reino Unido, onde a instabilidade política é uma doença que afeta um único partido. Os tories [como são chamados os membros do Partido Conservador no Reino Unido] tornaram-se quase ingovernáveis em razão da corrosão do Brexit e da considerável exaustão de seus 12 anos no poder. Truss foi correta em identificar o baixo crescimento como o maior problema do Reino Unido. Mas crescimento não depende apenas de planos fantásticos e grandes explosões, mas de governo estável, políticas sensatas e unidade política. Em sua atual encarnação, os tories não são capazes de provê-lo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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