Opinião | Netanyahu escolheu Donald Trump. Presidente Biden, não se deixe enganar

Ao repetir para o público que o Hamas e a Autoridade Palestina são a mesma coisa, Netanyahu ameaça empurrar Israel para conflito exaustivo; leia a coluna de Thomas Friedman

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Por Thomas Friedman (The New York Times)

Se você acompanha o jogo de casa, certamente notou que as duas mais importantes autoridades de defesa no gabinete de guerra de Binyamin Netanyahu — o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o ex-chefe do Estado-Maior Benny Gantz — alertaram na semana passada que o primeiro-ministro está levando Israel na direção de um abismo desastroso ao recusar-se a apresentar algum plano para palestinos não pertencentes ao Hamas governarem a Faixa de Gaza e em vez disso parece estar considerando uma ocupação israelense de longo prazo do território. Gantz disse que sairá do governo se nenhum plano for apresentado até 8 de junho.

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Veja o que importa para os Estados Unidos na fala desses ministros: Netanyahu tornou-se um ator radical, minando interesses americanos e aliados árabes críticos e beneficiando o Irã permanentemente.

Olhe para as políticas escolhidas por Netanyahu e diga-me francamente que ele não deixou Israel ser completamente superado estrategicamente pelo Irã. Usando seu aliados Hamas e Hezbollah, o Irã fez Israel encolher desde 7 de outubro — forçando dezenas de milhares de israelenses a se afastar das fronteiras sudoeste e norte e isolando o país na arena internacional — enquanto Teerã se aproxima de emergir como uma potência nuclear e a maior força imperialista na região (dado que os iranianos já controlam efetivamente quatro Estados árabes) e se situa na posição de menor isolamento em anos. Tudo isso ocorreu durante o governo de Bibi.

Primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu fala com a imprensa em Tel-Aviv.  Foto: Abir Sultan/Associated Press

Mas agora Netanyahu ocupa-se de fazer algo ainda mais perigoso para o futuro de Israel — e para os EUA. Está repetindo incessantemente ao público israelense que não existe nenhuma diferença entre o Hamas, um grupo inspirado pela Irmandade Muçulmana, dedicado a erradicar o Estado judaico e instalar um Estado islâmico no seu lugar, e a secular Autoridade Palestina, liderada pelo Fatah na Cisjordânia, que adota os termos estabelecidos pelos Acordos de Oslo em meados dos anos 90 no sentido de uma solução de dois Estados e colabora com Israel há três décadas para conter a violência na Cisjordânia.

A Autoridade Palestina tem inúmeras falhas, algumas criadas ou exacerbadas pelos violentos colonos israelenses. Mas há uma razão para Netanyahu ter entrado em pânico toda vez que o líder da AP, Mahmoud Abbas, dizia de fato: “OK, Bibi, você quer dirigir a Cisjordânia sozinho? Aqui estão as chaves”. Porque Netanyahu conhece muito bem a intensidade com que a Autoridade Palestina coopera com o Exército de Israel e o serviço de segurança Shin Bet para manter o controle da Cisjordânia — e sabe quanto dinheiro custaria para Israel ter de manter sozinho a segurança, a assistência de saúde, o sistema bancário e a educação na Cisjordânia.

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Mas já que os parceiros de coalizão de extrema direita do primeiro-ministro querem anexar Gaza — e seus votos podem mantê-lo na função e fora da cadeia se ele for condenado pelas acusações de corrupção pelas quais é processado — Bibi repete sua narrativa de que o Hamas e o Fatah são a mesma coisa.

(Esta é a dinâmica mais importante em operação neste momento, e a decisão do Tribunal Penal Internacional de solicitar mandados de prisão contra Netanyahu, Gallant e líderes do Hamas por acusações de crimes de guerra só faz fortalecer Bibi domesticamente e desvia a atenção deste fato.)

Pior, israelenses demais estão acreditando no argumento insano de Netanyahu e pouquíssimos líderes da oposição — incluindo Gantz e Gadi Eisenkot — estão se posicionando contra e rejeitando-o claramente. É um desastre à espreita: Bibi está convencendo os israelenses a desistir de qualquer alternativa legítima ao governo do Hamas; o que a alegação de que o Hamas e o Fatah são a mesma coisa implica.

E Netanyahu está fazendo tudo isso a mando dos ministros supremacistas judeus em seu gabinete, a quem ele concedeu poderes inéditos: o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro de Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir.

“Temos de voltar para Gaza agora! Estamos voltando para a Terra Santa!”, afirmou Ben-Gvir durante uma marcha em celebração ao Dia da Independência de Israel, na semana passada, sem ser repreendido por Netanyahu. “Devemos encorajar a emigração. Encorajar a emigração voluntária dos moradores de Gaza.”

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Ele não está só. O novo secretário militar de Netanyahu, segundo relatos, traçou seu próprio plano — sem colaboração do ministro da Defesa nem do chefe do Estado-Maior — para Israel estabelecer um governo militar permanente em Gaza.

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Gallant — ex-comandante do equivalente israelense dos Navy SEALs e a única pessoa com coragem política, seriedade e peso na liderança do partido Likud, de Netanyahu — ficou tão alarmado que, na semana passada, sem permissão do primeiro-ministro, pronunciou um discurso afirmando que pede a Netanyahu desde outubro um plano a respeito de quem controlará Gaza quando o Hamas for desmantelado, mas que não recebeu “nenhuma resposta”.

Sem um plano, acrescentou Gallant, “sobram apenas duas opções negativas: o governo do Hamas em Gaza ou o governo militar de Israel em Gaza. (…) O ‘dia seguinte ao Hamas’ só chegará se entidades palestinas assumirem o controle de Gaza, acompanhadas de atores internacionais, estabelecendo uma alternativa ao governo do Hamas”.

Gallant não mencionou a participação da Autoridade Palestina, mas também não descartou. Netanyahu, porém, deixou sua posição clara: “Gaza nunca será um Hamastão nem um Fatahstão”, disse ele no inverno passado (Hemisfério Norte). O Fatah é o partido do presidente Abbas.

A agora constante repetição por parte de Netanyahu da afirmação de que a Autoridade Palestina é a mesma coisa que o Hamas está fazendo alguns questionarem se estamos fazendo uma leitura equivocada de Netanyahu, afirmou Victor Friedman (não é meu parente), um psicólogo organizacional israelense.

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“A aquiescência de Netanyahu em relação à extrema direita — Smotrich e Ben-Gvir — tem geralmente sido vista como motivada por sua necessidade de manter sua coalizão unida e a si mesmo fora da cadeia”, disse-me Friedman. “Agora parece que ele vendeu voluntariamente sua alma para a extrema direita. Uma explicação para isso é que a extrema direita projeta sobre ele uma imagem messiânica, que corresponde à sua própria ideia de ter sido chamado para salvar Israel e o povo judeu. Ele tem um plano para o dia seguinte em Gaza que é muito claro para qualquer pessoa que esteja atenta: ‘Vitória total’ — e eventualmente a volta dos assentamentos judaicos por lá. Israel está a caminho de voltar a ocupar Gaza.”

Se isso acontecer, Israel se tornará pária internacional, e instituições judaicas de todo o planeta se dividirão entre judeus que sentem necessidade de defender Israel — certos ou errados — e aqueles que, assim como seus filhos, considerarão o país indefensável.

Lamentavelmente, Netanyahu não levou Israel para esse atual beco sem saída sozinho. Por anos, seu projeto de assentamentos coloniais e políticas sobre o Irã tinham apoio do AIPAC, o lobby pró-Israel nos EUA; da Conferência dos Presidentes das Grandes Organizações Judaico-Americanas; do Comitê Judaico-Americano; e de republicanos e democratas irrefletidos.

E, infelizmente, eu acho que o presidente Joe Biden não compreende plenamente seu “velho amigo” Bibi, cujo atual governo é o primeiro a declarar formalmente a anexação da Cisjordânia como um objetivo e tentou de fato retirar os poderes da Suprema Corte para impedir esse movimento.

Netanyahu recebe Joe Biden em Israel, Tel-Aviv, 18 de outubro de 2023.  Foto: Evan Vucci/Associated Press

Minha regra: não escute o que Bibi lhe diz privadamente em inglês. Atente apenas para o que ele diz publicamente em hebraico. Por meses, a equipe de Biden suplicou para Netanyahu articular uma visão para Gaza que envolvesse controle palestino e árabe sobre o enclave e um processo de longo prazo para o estabelecimento de um Estado palestino desmilitarizado — para que os EUA não sejam facilitadores de uma ocupação israelense em Gaza, além da Cisjordânia — e para pavimentar o caminho para um acordo de segurança entre Washington e a Arábia Saudita capaz também de produzir a normalização das relações entre Israel e os sauditas.

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Netanyahu disse não a isso tudo. Mas demonstrou toda sua gratidão a Biden fazendo sua maioria parlamentar conceder a Elise Stefanik, uma congressista picareta do Partido Republicano, sem nenhum tipo de experiência em política externa — e um dos seres que rastejam tentando virar vice na chapa de Donald Trump — a honra extraordinária de discursar domingo na Knesset, onde ela criticou duramente o presidente americano e louvou o ex-presidente.

E quem é esse gênio militar que todos obsequiam? Vejamos: em 2015, a equipe de Barack Obama estabeleceu um acordo militar com o Irã que impôs inspeções e restrições à República Islâmica — cortar seu estoque de urânio enriquecido para uma pequena quantidade, com até 3,67% de pureza, longe dos 90% necessários para a fabricação de uma bomba atômica. Então, mesmo se tentasse não cumprir o pacto, o Irã precisaria de pelo menos um ano para produzir material físsil suficiente para uma arma, o que daria muito tempo para impedi-lo. Netanyahu se opôs amargamente ao acordo, ainda que graduadas autoridades militares e de inteligência israelenses fossem favoráveis, o que Bibi manteve oculto do público de Israel e dos EUA.

Depois que Trump chegou ao poder, Netanyahu fez lobby pesado para o então presidente rasgar o acordo, o que o americano fez — irresponsavelmente — em maio de 2018. Netanyahu aparentemente contava com o fato de que, se o Irã rompesse o pacto e começasse a enriquecer urânio em nível militar, Trump destruiria as instalações militares iranianas. Teerã saiu do acordo, mas nem Trump nem Biden se mostraram preparados para lançar um ataque contra o Irã.

O resultado? Conforme noticiou a Reuters no mês passado, “O Irã está enriquecendo urânio atualmente a até 60% de pureza e tem quantidade suficiente para que o material seja usado em duas armas nucleares caso seja mais enriquecido, segundo a definição teórica da Agência Internacional de Energia Atômica. Isso significa que o tempo que o Irã precisa para fabricar urânio em nível militar é mínimo — provavelmente semanas ou dias”.

Trata-se de um dos maiores fiascos de segurança nacional dos EUA e de Israel de todos os tempos.

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E ao longo da década passada foi Netanyahu — o “Sr. Segurança” — que facilitou a transferência de mais de US$ 1 bilhão do Qatar para o Hamas para fortalecer o grupo em Gaza e usou sua voz para deslegitimar a Autoridade Palestina. Assim ele poderia dizer ao mundo que Israel não tem nenhum parceiro palestino e portanto deve ocupar a Cisjordânia eternamente.

E agora ele está propagando entre os israelenses a fantasia de que existem palestinos notáveis que se apresentarão para governar Gaza em nome de Israel e desafiarão as únicas duas entidades palestinas de governo com alguma legitimidade: o Hamas e o Fatah. Para quem acredita nisso, eu tenho uma ponte para vender em Gaza. Isso levará Israel, o maior aliado dos EUA no Oriente Médio, a um conflito infinitamente confuso e exaustivo.

O Hamas não é a Autoridade Palestina. O Hamas é uma entidade militante islamista que promove assassinatos em massa, uma organização que prejudicou os palestinos mais do que qualquer outra. Se Israel se comprometesse em trabalhar com uma Autoridade Palestina reformada para governar Gaza, congelasse a construção de assentamentos coloniais e se comprometesse a desenvolver uma parceria com um Estado palestino no futuro, tudo mudaria. Isso daria a Israel a legitimidade global que o país precisa para desmantelar o Hamas, organizar uma força árabe-palestina que governaria Gaza para não dar lugar nem a Israel nem ao Hamas e abriria caminho para uma normalização entre Israel e Arábia Saudita.

Nada disso seria fácil e não implicaria em alguma garantia de sucesso nem para o primeiro-ministro israelense mais bem intencionado. Mas sem ao menos uma tentativa — e outra e mais uma — a sobrevivência de Israel a longo prazo fica em risco. Infelizmente, Israel é liderado hoje por um homem interessado apenas em sua própria sobrevivência a curto prazo. E ele está se saindo bem com isso. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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