O presidente americano Joe Biden autorizou o primeiro uso de mísseis de longo alcance fornecidos pelos Estados Unidos pela Ucrânia para ataques dentro da Rússia, informaram autoridades americanas neste domingo, 17. As armas provavelmente serão usadas inicialmente contra tropas da Rússia e da Coreia do Norte para defender as forças ucranianas na região de Kursk, no oeste da Rússia, disseram as autoridades.
A decisão de Biden representa uma mudança significativa na política dos Estados Unidos. Tal escolha dividiu opiniões entre os assessores do atual presidente e ocorre dois meses antes de o presidente eleito Donald Trump, que prometeu limitar o apoio à Ucrânia, assumir a Casa Branca.
Autorizar os ucranianos usarem os mísseis de longo alcance, conhecidos como Sistemas de Mísseis Táticos do Exército (ATACMS, na sigla em inglês), foi uma resposta à decisão surpresa da Rússia de trazer tropas norte-coreanas para o campo de guerra, disseram as autoridades.
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Biden começou a aliviar as restrições ao uso de armas fornecidas pelos EUA em solo russo depois que a Rússia lançou um ataque transfronteiriço em maio na direção de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia.
Para ajudar os ucranianos a defender Kharkiv, Biden permitiu o uso do sistema de foguetes HIMARS, com alcance de cerca de 80 km, contra forças russas diretamente além da fronteira. No entanto, não autorizou o uso dos ATACMS, que têm alcance de cerca de 300 km, para a defesa de Kharkiv.
Embora as autoridades digam que a mudança não deve alterar fundamentalmente o curso da guerra, um dos objetivos dessa política é enviar uma mensagem aos norte-coreanos de que suas tropas estão vulneráveis e não devem enviar mais reforços.
Decisão gera temor de retaliação russa
As autoridades afirmaram que, embora os ucranianos provavelmente utilizem os mísseis inicialmente contra tropas russas e norte-coreanas que ameaçam suas forças em Kursk, Biden pode autorizá-los a usar as armas em outros locais.
Alguns oficiais americanos temem que o uso dos mísseis pela Ucrânia além da fronteira possa levar o presidente russo Vladimir Putin a retaliar com força contra os EUA e seus parceiros da coalizão. Outros, porém, consideram esses temores exagerados.
O exército russo está lançando um ataque massivo, com cerca de 50 mil soldados, incluindo tropas norte-coreanas, contra posições ucranianas fortificadas em Kursk, com o objetivo de retomar todo o território russo capturado pelos ucranianos em agosto.
Os ucranianos poderiam usar os mísseis ATACMS para atingir concentrações de tropas russas e norte-coreanas, equipamentos militares estratégicos, depósitos de munição e linhas de suprimento no interior da Rússia, o que ajudaria a enfraquecer a eficácia do ataque conjunto russo-norte-coreano.
Desde a invasão russa em fevereiro de 2022, o fornecimento de ATACMS à Ucrânia tem sido um tema sensível. Alguns oficiais do Pentágono se opuseram a essa ideia devido à escassez de suprimentos do exército dos EUA. Outros temiam que Putin ampliasse o conflito.
Aqueles que defendem uma postura mais agressiva em relação à Rússia afirmam que Biden e seus conselheiros têm sido intimidados pela retórica hostil de Putin, prejudicando os ucranianos no campo de batalha. Já os defensores da abordagem cautelosa de Biden argumentam que ela evitou uma resposta violenta da Rússia.
Em agosto, os ucranianos realizaram um ataque transfronteiriço na região de Kursk, capturando território russo. Desde então, os EUA têm se preocupado com o estado das forças armadas ucranianas, pressionadas por ataques simultâneos da Rússia no leste, em Kharkiv e agora em Kursk.
O deslocamento de mais de 10 mil integrantes das tropas norte-coreanas e a resposta de Biden ocorrem enquanto Trump se prepara para assumir o cargo, com a promessa de encerrar rapidamente o conflito. No entanto, o vice-presidente eleito, J.D. Vance, propôs um plano que permitiria à Rússia manter os territórios ucranianos que ocupou.
Os ucranianos esperam usar o território russo que ocupam em Kursk como moeda de troca para negociações futuras. Se o ataque russo for bem-sucedido, Kiev pode não ter mais territórios russos para oferecer.
O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, há muito busca autorização dos EUA e aliados para usar mísseis de longo alcance contra alvos russos. Apesar do apoio limitado do Reino Unido e da França, Biden tem sido mais cauteloso.
Alguns conselheiros alertaram que Putin poderia retaliar contra bases americanas e europeias em resposta ao uso de ATACMS em solo russo. Mas Biden foi convencido a autorizar o uso diante da audácia da Rússia em mobilizar tropas norte-coreanas e do risco de derrota ucraniana em Kursk.
Embora autoridades americanas acreditem que a decisão não mudará o curso da guerra, Biden avaliou que os benefícios — atingir alvos estratégicos e enviar uma mensagem à Coreia do Norte — superam os riscos de escalada.
Biden enfrentou um dilema parecido no ano passado, quando as agências de inteligência dos EUA descobriram que os norte-coreanos planejavam fornecer mísseis balísticos de longo alcance à Rússia.
Naquela ocasião, Biden concordou em fornecer centenas de ATACMS à Ucrânia, mas com a condição de serem usados exclusivamente no território soberano ucraniano, incluindo a Crimeia ocupada pela Rússia.
Desde então, os ucranianos usaram muitos desses mísseis em uma campanha concertada contra alvos militares russos na Crimeia e no Mar Negro. Como resultado, não está claro quantos desses mísseis restam no arsenal ucraniano para serem usados na região de Kursk.
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