Biden busca acordos para baratear energia nos EUA e reatar alianças no Oriente Médio

Presidente desembarca na região com um olho nos objetivos estratégicos externos dos EUA e outro em suas vulnerabilidades domésticas

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Por Redação

JERUSALÉM - O presidente americano Joe Biden iniciou nesta quarta-feira, 13, em Israel a primeira viagem de seu governo ao Oriente Médio. Na agenda, tem como objetivo tentar desacelerar o programa nuclear do Irã, impulsionar o fluxo de petróleo para as bombas americanas e reformular o relacionamento com a Arábia Saudita, sem respaldar um príncipe herdeiro acusado de flagrantes abusos dos direitos humanos.

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Todos os três esforços estão repletos de perigos políticos para um presidente que conhece bem a região, mas retorna pela primeira vez em seis anos com muito menos influência para moldar os eventos.

A negociação de 18 meses do seu governo para restaurar o acordo nuclear de 2015 com o Irã foi paralisada, frustrando o esforço diplomático que levaria Teerã a enviar para o exterior a maior parte do combustível nuclear. Armazenado no país, agora ele sendo produzido a níveis próximos aos utilizados para a fabricação de uma bomba.

Presidente dos EUA Joe Biden em cerimônia de abertura no aeroporto de Lod, próximo a Tel Aviv, nesta quarta-feira, 13. Incursão pelo Oriente Médio tem como principal objetivo um acordo em torno do petróleo Foto: Ammar Awad / Reuters

Embora nenhum acordo explícito deva ser anunciado sobre o aumento da produção de petróleo saudita – pelo temor de que pareça impróprio –, existe a expectativa de que isso ocorra em um ou dois meses, dizem as autoridades americanas.

Funcionários do governo sabem que receberão duras críticas de dentro do próprio partido quando surgirem as fotos do encontro do presidente com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, acusado pela CIA de ter autorizado o assassinato do dissidente Jamal Khashoggi, jornalista do Washington Post, em 2018.

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Há dois anos, Biden havia prometido transformar a Arábia Saudita em “pária” no cenário internacional devido ao crime. Entretanto, agora, o presidente americano – que muitas vezes classificou o momento geopolítico atual como uma disputa entre democracia e autocracia, impedindo a participação de países como Cuba e Venezuela na recente Cúpula das Américas com o argumento de que os governos exerciam práticas repressivas – se reaproxima dos sauditas com a justificativa de que se trata de um ‘exercício de realismo’.

“Meu objetivo era reorientar - mas não romper - o relacionamento”, escreveu Biden em um artigo de opinião no The Washington Post no fim de semana. “Os recursos energéticos sauditas são vitais para mitigar o impacto sobre o abastecimento global da guerra da Rússia na Ucrânia”, disse ele, em seu único reconhecimento da realidade de que a estratégia do príncipe Mohammed – esperar até que os EUA precisem da Arábia Saudita novamente – estava valendo a pena.

China e Guerra da Ucrânia são objetivos secundários da viagem

Há também um elemento de manobra de superpotência para a viagem. Quando assumiu o cargo de presidente, Biden deixou claro que queria direcionar o foco americano para se concentrar na China – um reflexo de sua crença de que Washington desperdiçou os últimos 20 anos por não se concentrar em um verdadeiro concorrente de mesmo nível. Na viagem, ele também busca, em parte, conter as incursões da China na região.

Na semana passada, Riad e Washington assinaram discretamente um memorando de entendimento para cooperar na construção de uma rede celular 5G de próxima geração na Arábia Saudita. A proposta deixa de lado a Huawei, campeã de 5G da China.

Além disso, outro elemento em segundo plano é a guerra na Ucrânia. Os assessores de Biden deixaram claro um descontentamento quando o governo israelense, há alguns meses, insistiu em adotar uma posição amplamente neutra sobre a guerra, insistindo que era a única maneira de seu primeiro-ministro, Naftali Bennett, manter uma linha aberta com o presidente russo, Vladimir Putin.

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Biden em desembarque no aeroporto de Ben Gurion, próximo a Jerusalém, nesta quarta-feira, 13 Foto: Doug Mills / NYT

Na segunda-feira, o conselheiro de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan, revelou pela primeira vez que as agências de inteligência concluíram que o Irã – o principal adversário de Israel – estava planejando ajudar a Rússia em sua batalha contra a Ucrânia.

Segundo Sullivan, o país está se prepara para entregar à Rússia centenas de drones, alguns capazes de executar ataques. “Nossas informações indicam que o governo iraniano está se preparando para fornecer à Rússia até várias centenas drones, incluindo com capacidade para armas, em um cronograma acelerado”, declarou.

“Nossas informações indicam ainda que o Irã está se preparando para treinar forças russas para usar esses drones com sessões de treinamento inicial programadas para começar no início de julho”, acrescentou.

Sullivan advertiu ainda que não está claro se o Irã já entregou algum desses drones à Rússia, mas disse que “este é apenas um exemplo de como a Rússia está olhando para países como o Irã para obter capacidades que também estão sendo usadas” em ataques à Arábia Saudita.

O principal motivo de Sullivan ao revelar a operação iraniana foi alertar Teerã e Moscou de que os EUA estão observando. Poderia ser visto também como uma mensagem para que o governo israelense demonstre um apoio mais vigoroso à Ucrânia, já que entre os compromissos de Biden no país estava prevista uma demonstração das novas capacidades israelenses de usar armas a laser contra drones e mísseis.

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Casa Branca diz que motivo principal da viagem é “questão de segurança nacional”

Para consumo público, a Casa Branca argumentou que a decisão de Biden de ir à Arábia Saudita foi motivada por uma série de questões de segurança nacional, não apenas pelo petróleo. Mas o petróleo é de fato o motivo mais urgente para a viagem, com os elevados preços da commodity.

Com medo de parecer estar sacrificando uma posição de princípios sobre direitos humanos em troca de energia mais barata, o presidente não planeja anunciar nenhum acordo de petróleo durante sua parada em Jeddah. Mas os dois lados têm um entendimento de que a Arábia Saudita aumentará a produção assim que o atual acordo de cotas expirar em setembro, bem a tempo da campanha eleitoral de meio de mandato, de acordo com atuais e ex-funcionários americanos.

Martin Indyk, ex-diplomata do Oriente Médio dos presidentes Bill Clinton e Barack Obama, disse que os valores exatos ainda são incertos, mas que a Arábia Saudita deve aumentar a produção em cerca de 750 mil barris por dia e os Emirados Árabes Unidos seguirão o exemplo com uma produção de 500 mil barris adicionais por dia, para um total de 1,25 milhão. O quanto isso pressionaria os preços nas bombas americanas não está claro, e pode não ser rápido ou profundo o suficiente para mudar o humor do público antes de novembro.

Imagem projetada mostra o rei saudita Salman (direita) e o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman após uma para militar em Mecca, na Arábia Saudita, no dia 3 deste mês. EUA se reaproxima do reino dois anos depois de Biden prometer transformá-lo em "pária" Foto: Amr Nabil / AP

“Esse será o tipo de acordo que justifica a viagem, mas como eles não vão anunciá-lo, deixa o presidente em uma situação em que ele tem que justificá-la em outros termos”, disse Indyk. “Ele (Biden) deveria abraçá-lo (acordo).”

Em vez disso, Biden tentou argumentar que não está visitando a Arábia Saudita, mas se encontrando com vários líderes da região na forma do Conselho de Cooperação do Golfo, um grupo de seis estados liderados pela Arábia Saudita, bem como os líderes de três outras nações árabes, Egito, Iraque e Jordânia.

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Mas os funcionários da Casa Branca estão resignados com o fato de que Biden não será capaz de evitar completamente o príncipe Mohammed e a foto entre eles. Para o príncipe herdeiro, a imagem será inestimável, pois ele busca reabilitar sua imagem internacional.

Alguns analistas disseram que só isso pode ser suficiente para os sauditas.

“Acho que as chances de os sauditas tentarem envergonhar o presidente nesta viagem são relativamente baixas, porque acho que isso prejudicaria precisamente os tipos de coisas estratégicas que eles estão tentando fazer”, disse Jon B. Alterman, vice-presidente sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington. “Os incentivos para a cooperação são altos.” /NYT

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