WASHINGTON - O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, vai reavaliar as relações com a Arábia Saudita após esta se aliar à Rússia no corte da produção de petróleo e frustrar os planos dos EUA e da União Europeia de manter o preço do combustível baixo. A medida, tomada no âmbito da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep+), pode aumentar os preços da gasolina nos postos americanos pouco antes das eleições de meio de mandato – afetando a popularidade de Biden e dos Democratas.
Segundo o coordenador de comunicações estratégicas do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, a reavaliação vai considerar “se a relação (entre os dois países) está onde precisa estar e se está servindo aos interesses de segurança nacional”. “À luz dos desenvolvimentos recentes e da decisão da Opep+ sobre a produção de petróleo, o presidente acredita que devemos rever (a relação)”, declarou Kirby em uma conferência de vídeo.
O funcionário também sinalizou que o governo está aberto a propostas de retaliação feitas por líderes democratas no Congresso americano, que ficaram indignados com a decisão da Opep+ na semana passada. Entre elas, estão a restrição da cooperação de segurança com a Arábia Saudita – que inclui, por exemplo, a venda de armas – e a retirada da imunidade legal dos membros da Opep+, permitindo que eles sejam processados por violações das leis americanas antitruste. “Biden está disposto a discutir a relação com a Arábia Saudita com membros do Congresso”, declarou.
As declarações do funcionário da Casa Branca aconteceram um dia depois que o senador democrata e atual presidente da Comissão de Relações Exteriores, Bob Menendez, atacou a Arábia Saudita por apoiar a Rússia na guerra da Ucrânia. Menendez sugeriu que todos os aspectos das relações bilaterais com a Arábia Saudita sejam congelados.
Outro senador democrata, Richard Durbin, declarou nesta terça-feira, 11, que a Arábia Saudita claramente quer que a Rússia vença a guerra. “Vamos ser muito sinceros sobre isso: é Putin e Arábia Saudita contra os Estados Unidos”, declarou à CNN.
Mudanças de posição do governo Biden
O posicionamento de Biden, incluindo a consideração de medidas de retaliação contra a Arábia Saudita, representa uma mudança significativa no seu governo. O presidente americano buscou melhorar as relações com os sauditas e chegou a se encontrar em julho com o príncipe Mohammed bin Salman, mas a decisão da Opep+ causou uma profunda raiva na Casa Branca e o fez recuar.
Ainda assim, não está claro até que ponto Biden está disposto a retaliar a Arábia Saudita, se as declarações públicas eram apenas um “aviso” ao país ou se trata-se de um esforço para acalmar os críticos que o culpam de ser “brando”. Nenhuma equipe especial de assessores foi estabelecida para conduzir uma revisão formal das relações bilaterais até o momento, assim como nenhum prazo para a conclusão foi fixado.
Além disso, autoridades veteranas de política externa alertaram o presidente contra ações drásticas. “Os EUA deveriam buscar um novo pacto estratégico com a Arábia Saudita em vez de um divórcio”, declarou o ex-diplomata do Oriente Médio e agora conselheiro de Relações Exteriores, Martin Indyk.
“Precisamos de uma liderança saudita mais responsável quando se trata de produção de petróleo e comportamento regional. Eles precisam de um entendimento de segurança dos EUA mais confiável para lidar com as ameaças que enfrentam. Nós dois devemos dar um passo atrás”, acrescentou.
Outro especialista, Aaron David Miller, membro sênior do think thank Carnegie para Paz Internacional, considera que Biden precisa pesar as possíveis desvantagens de uma ruptura com a Arábia Saudita, vista como aliada vital para os EUA no Oriente Médio e na oposição contra o Irã. “Biden terá que decidir se o objetivo é punir a Arábia Saudita para evitar críticas internas ou se é para tentar alterar o comportamento do príncipe Mohammed bin Salman”, disse.
Visita de Biden em julho
O presidente americano foi alvo de duras críticas por visitar a Arábia Saudita em julho e cumprimentar o príncipe bin Salman com um soquinho. O gesto foi visto como uma traição à promessa de campanha de transformar o reino saudita em um “pária” internacional devido ao assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, que, segundo a CIA, contou com a autorização de bin Salman. Khashoggi era colunista do jornal Washington Post e foi assassinado e desmembrado em 2018.
A reaproximação com a Arábia Saudita aconteceu no momento em que os EUA se mobilizaram para tentar isolar a Rússia no mercado de petróleo. Biden cedeu aos assessores que argumentaram que o movimento fortaleceria os mercados para reduzir os preços da gasolina antes das eleições de meio de mandato. Na visita a Jeddah, ele teria acordado com os sauditas um aumento da produção de petróleo a partir deste mês, segundo autoridades da Casa Branca. Nenhum anúncio oficial foi feito na ocasião.
A decisão da Arábia Saudita, no entanto, foi o oposto do que as autoridades dos EUA esperavam. Ela desafiou os interesses americanos e significou um golpe contra Biden, que passou a receber críticas até mesmo de partidários democratas. Na Câmara dos EUA, três democratas exigiram a remoção de tropas e de sistemas defensivos dos EUA instalados na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos.
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