O presidente Jair Bolsonaro fará ofensiva no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na próxima semana, para legitimar um governo de transição na Venezuela. A estratégia do Brasil de liderar abertamente o movimento internacional pela queda do presidente Nicolás Maduro foi discutida nesta quinta-feira por Bolsonaro e pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em reuniões ao longo do dia, no Palácio do Planalto e no Itamaraty, com opositores venezuelanos e representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Bolsonaro, porém, rechaçou pedidos de sanções econômicas, intervenção militar e instalação de um governo paralelo no território nacional.
Em nota divulgada à noite, o Itamaraty indicou que deve apoiar um governo interino do opositor Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela. “A reunião teve por objetivo analisar a situação da Venezuela decorrente da ilegitimidade do exercício da presidência por Nicolás Maduro e da manifestação do presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, de sua disposição para assumir a presidência da Venezuela interinamente, seguindo a Constituição venezuelana”, ressaltou o comunicado.
No encontro no Planalto, Bolsonaro aproveitou para atacar os antecessores. “Tudo nós faremos para que a democracia seja restabelecida, que vocês possam viver em liberdade”, afirmou, em vídeo divulgado pela Secretaria de Comunicação. “Nós nos sentimos de uma maneira bastante constrangida”, ressaltou. “Sabemos como esse desgoverno chegou ao poder, inclusive com a ajuda de presidentes que o Brasil já teve, como Lula e Dilma, e isso nos torna responsáveis pela situação que vocês em parte.”
Auxiliares de Bolsonaro relataram que o presidente fez questão de ressaltar que a “força” que tem dado ao movimento contra Maduro é de caráter humanitário. “Nosso objetivo é dar apoio político porque estamos preocupados com a população venezuelana”, disse o presidente, segundo assessores. “Estamos juntos nessa causa de vocês.”
Na reunião, Miguel Ángel Martín, presidente do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela em exílio, disse a Bolsonaro que as manifestações do brasileiro eram “palavras de esperança” pelo restabelecimento da democracia no país. Já Gustavo Cinose, assessor da OEA, afirmou que Bolsonaro expressou com “contundência” seu apoio para “finalizar” o sofrimento do povo venezuelano contra o “ditador” Maduro.
No fim do dia, em vídeo gravado ao lado de Martín e Cinosi, Bolsonaro disse que fará de "tudo" para restabelecer a democracia na Venezuela. "Então a gente pede a Deus, em primeiro lugar, e depois nós faremos, sim, continuaremos fazendo, tudo o possível para restabelecer aí a ordem, a democracia e a liberdade. (...) A gente pede ao povo da Venezuela resistência, muita fé e eu acredito que a solução virá brevemente", declarou Bolsonaro.
Foi num encontro com os ministros mais próximos que Bolsonaro decidiu, na terça-feira, recorrer a organismos e fóruns internacionais para tratar a questão da Venezuela, informaram duas fontes do Planalto. Além de Davos, o governo adotará um discurso contra Maduro na OEA e na ONU. A princípio, Bolsonaro participará, no dia 23, na cidade suíça, de um encontro intitulado “Diálogo sobre a crise humanitária na Venezuela”.
Bolsonaro e sua equipe definiram que a melhor estratégia é buscar parceiros especialmente na América do Sul com discurso sintonizado contra a Venezuela. Isso ficou claro no encontro do presidente brasileiro com o argentino Maurício Macri no Itamaraty na quarta-feira. Ao lado de Bolsonaro, Macri chamou Maduro de “ditador” e disse que as eleições que reelegeram o venezuelano foram um “escárnio” com a democracia. Um ministro do governo brasileiro afirmou à reportagem que Bolsonaro adotou um discurso “light” para não ofuscar as palavras de Macri, mas está disposto a “liderar” a “derrubada” de Maduro.
Bolsonaro também decidiu que não responderá diretamente a ataques de Maduro, que chegou a compará-lo a Adolf Hitler. Na avaliação do presidente brasileiro e sua equipe, Maduro busca um contraponto para se fortalecer no debate político do continente. É um jogo de xadrez, observou um auxiliar de Bolsonaro. O Planalto está consciente de que nem os Estados Unidos cortaram totalmente relações comerciais com Caracas, um exportador de petróleo. Por sua vez, os venezuelanos são responsáveis por toda a energia elétrica consumida em Roraima.
Campanha.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, participou da reunião da tarde no Itamaraty com o ministro Ernesto Araújo e opositores venezuelanos. Desde 2017, a família Bolsonaro mantém ligações com grupos de adversários de Maduro, como o Rumbo Libertad, que esteve nos encontros. Roderick Navarro, um dos líderes do grupo, recebeu apoio do então deputado Jair Bolsonaro nos últimos anos.
Ao final de cerca de dez horas de reuniões no Itamaraty, o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma e o deputado oposicionista Julio Borges relataram à imprensa que pediram ao governo brasileiro que reconheça um governo de transição por parte do presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, que se declarou substituto de Maduro. Também pediram que os órgãos de investigação do Brasil mirem nas movimentações financeiras e “criminosas” de Maduro.
“Pedimos que Bolsonaro pressione e castigue o ditador”, disse Julio Borges. “Queremos um capítulo final para a máfia e o crime organizado de Maduro”, completou. Tanto Borges quanto Ledezma fizeram contorcionismo para responder se Bolsonaro estava disposto a adotar sanções econômicas. “Não são sanções contra a Venezuela, mas contra a camarilha que saqueia o país”, disse Ledezma. / COLABORARAM MARIANA HAUBERT E DANIEL WETERMAN
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