BRASÍLIA - O resultado do primeiro turno da eleição na Argentina, com o peronista Sergio Massa chegando à frente do libertário Javier Milei com uma vantagem de seis pontos porcentuais, surpreendeu fontes do Planalto, do Itamaraty e do PT.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva evitou comentar a disputa da noite deste domingo, 22, e decidiu observar o quadro político no país vizinho, ao menos por enquanto. Havia no radar do governo a previsão de que Lula publicasse nas redes sociais. A ideia era falar em tom protocolar, sem exibir uma preferência na disputa. O Itamaraty publicaria uma nota, que também foi suspensa.
Dentro do governo, no entanto, a avaliação é a de que o cenário mais provável no segundo turno ainda é uma derrota de Massa. Fontes do Planalto e do Itamaraty entendem que a terceira colocada, Patricia Bullrich, de centro-direita, tem mais proximidade com Javier Milei, e seus votos tendem a migrar para ele.
‘Cenário 2018′
É o que nos bastidores tem sido apelidado de um “cenário de 2018″ – quando no segundo turno os votos da centro-direita no Brasil foram fundamentais para levar Jair Bolsonaro ao poder. Naquela ocasião, no entanto, Bolsonaro chegou no primeiro turno à frente do petista Fernando Haddad, hoje ministro da Fazenda.
Diplomatas argentinos, no entanto, ponderam que a coalizão de Bullrich, a Juntos por el Cambio, do ex-presidente Mauricio Macri, eleitores e componentes de grupos distintos, como o PRO (Proposta Republicana) e da União Cívica Radical, esta mais ao centro que o grupo de Bullrich e Macri.
Ainda é incerto o quão o presidente irá se envolver na eleição. Embora o PT negue ter recomendado publicitários aos peronistas, Lula prometeu ajuda a Massa, segundo o candidato relatou, e despachou estrategistas de sua campanha e de confiança do PT a Buenos Aires. Ainda, agiu em prol do país na obtenção de empréstimos e recursos do banco regional CAF.
Milei e Trump
Um integrante do governo, da área econômica, afirma que nem todos na Esplanada estavam suficientemente alerta para a “hecatombe” que seria uma vitória de Milei, com a possibilidade de Donald Trump retornar à Casa Branca no ano que vem. Esse cenário mudaria o jogo de forças políticas nas Américas, e poderia afetar os projetos de política exterior do atual governo.
Um diplomata da ativa disse, reservadamente, que na Argentina seria necessário recorrer a canais alternativos, usar contatos entre parlamentares e no empresariado, para contornar a falta de relação entre os mandatários. Outros embaixadores ponderaram que já houve uma divergência explícita, como durante o governo Bolsonaro, e que a relação bilateral se manteve, por ser diversa e relevante para os dois países.
Outro, no entanto, disse que seria de esperar por mais moderação e pragmatismo por parte de Milei. É o que a Embaixada do Brasil em Buenos Aires ouviu de Diana Mondino, pré-indicada como futura chanceler de Milei, caso ele vença o segundo turno. O governo espera que ele deixe o tom de campanha de lado. “Ele segue um script de falar mal da esquerda, mas isso é da boca para fora”, disse um assessor de Lula.
A surpresa peronista
A liderança de Sergio Massa, candidato governista e da esquerda, apoiado por Lula, foi classificada como “surpreendente” e “impressionante”, por diplomatas que acompanhavam a apuração. Diante de um cenário embolado mostrado nas pesquisas de opinião, o governo trabalhava com a realização do segundo turno, mas com uma liderança de Javier Milei.
Para um marqueteiro ligado ao PT, cuja equipe atua na campanha de Massa, o segundo turno será uma nova eleição”, totalmente diferente do enfrentamento no primeiro turno. A chave, para ele, será apostar em questões de costumes, que não são bem recebidas na sociedade argentina e Milei defende, e deixar de lado a questão econômica, uma fragilidade do atual governo e, por consequência, de Massa. A inflação atingiu 138% neste ano.
“O risco são os eleitores de Patrícia, que devem ir na sua maioria para Milei”, avaliou um publicitário ligado ao PT, influente em campanhas de Lula.
PT e Foro de SP apoiam Massa
Ao longo da jornada eleitoral na Argentina, alguns petistas se manifestaram nas redes, após ícones do bolsonarismo viajarem a Buenos Aires para apoiar Milei. Entre eles, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o ex-chanceler Ernesto Araújo.
O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, expôs o clima de celebração no Planalto. Nas redes sociais, Pimenta precipitou-se e celebrou a primeira colocação do ministro da Economia e candidato peronista Sergio Massa.
“Uma forte resposta do povo Argentino nas urnas hoje”, escreveu Pimenta. “Parabéns, amigo Sergio Massa! Viva o povo argentino.”
A dirigente do PT Monica Valente, integrante do Diretório Nacional do partido de Lula, também acompanhou a apuração in loco. De Buenos Aires, ela saudou a liderança de Massa, mas em nome do Foro de São Paulo, organização de partidos de esquerda latino-americanos da qual é secretária-executiva.
“Do Foro de São Paulo, saudamos com alegria os resultados da eleição argentina”, escreveu Valente, com uma foto de Massa e a inscrição “a democracia avança ao segundo turno”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.