PUBLICIDADE

Bombeiros da Califórnia estão treinando a IA para detectar incêndios florestais

Estado da Califórnia está investindo no treinamento de um robô para escanear o horizonte em busca de incêndios, mas encontram dificuldades

PUBLICIDADE

Por Thomas Fuller

Por anos, os bombeiros da Califórnia confiaram em uma vasta rede de mais de mil câmeras instaladas em cumes de montanhas para detectar incêndios florestais. Operadores olhavam para telas de computadores 24 horas por dia em busca de colunas ou nuvens de fumaça.

PUBLICIDADE

Neste verão (Hemisfério Norte), com a temporada de incêndios florestais já em pleno curso, a principal agência de combate a incêndios da Califórnia está tentando uma nova abordagem: treinar um programa de inteligência artificial para fazer esse trabalho.

A ideia é aproveitar uma das maiores forças da Califórnia — conhecimento em inteligência artificial — e acioná-la para evitar que pequenos incêndios se tornem catástrofes semelhantes às ocorridas nas últimas décadas no Estado, que mataram centenas de moradores e destruíram milhares de residências.

Monitores de incêndios florestais da Universidade da Califórnia, em San Diego, mostram um incêndio em julho no Topanga Canyon, em Los Angeles, em 26 de julho de 2023. Foto: Ariana Drehsler / NYT

Autoridades envolvidas no programa piloto afirmam que estão felizes com os resultados preliminares. Durante aproximadamente 40% do tempo em atividade, o software de inteligência artificial foi capaz de alertar os bombeiros a respeito de ocorrências de fumaça antes das autoridades receberem telefonemas de emergência de cidadãos.

“A ferramenta sem dúvida melhorou os tempos de resposta”, afirmou Phillip SeLegue, chefe da equipe de inteligência do Departamento de Manejo Florestal e Proteção contra Incêndios da Califórnia, a principal agência de combate ao fogo do Estado, mais conhecida Cal Fire. Em cerca de duas dúzias de casos, afirmou SeLegue, a inteligência artificial identificou incêndios que nunca eram denunciados pelo telefone de emergência. Os incêndios foram apagados enquanto ainda eram pequenos e controláveis.

Depois de um inverno excepcionalmente úmido, a temporada de incêndios na Califórnia não foi tão destrutiva — até aqui — quanto em anos anteriores. O Cal Fire registrou 4.792 incêndios florestais em 2023, menos do que a média nos cinco anos recentes, de 5.422, até o período equivalente do ano. Talvez mais importante, a quantidade de hectares queimada este ano equivale a um quinto da média quinquenal, de 328.632,26 he.

O programa piloto de inteligência artificial, iniciado no fim de junho cobrindo seis centros de comando do Cal Fire, será ampliado para atender todas as 21 regiões a partir de setembro.

Publicidade

Mas há ressalvas ao aparente sucesso do programa. O sistema só é capaz de detectar incêndios visíveis por câmeras, e no atual estágio humanos ainda são necessários para garantir que o programa de inteligência artificial está ou não identificando fumaça apropriadamente.

Engenheiros da empresa que criou o software, a DigitalPath, de Chico, Califórnia, monitoram o sistema continuamente e verificam analogicamente todos os incidentes que a inteligência artificial identifica como incêndio. Mesmo o que parece uma tarefa simples — ensinar um computador a reconhecer fumaça — tem se mostrado um árduo processo, atualmente longe de ser concluído, afirmam engenheiros. Há muitos falsos positivos.

“Você nem imagina quanta coisa parece fumaça”, afirmou Ethan Higgins, um dos principais arquitetos do software.

Neblina. Uma tênue névoa na encosta de uma montanha. Poeira que sobe do trator de um agricultor. Vapor que sai de usinas geotérmicas. O clarão do sol nascente contra a câmera. Tudo isso já enganou o computador fazendo-o pensar que havia incêndio.

Uma parede mostra uma visão detalhada de uma câmera na Universidade da Califórnia, em San Diego, em 26 de julho de 2023.  Foto: Ariana Drehsler / NYT

PUBLICIDADE

Engenheiros e bombeiros estão dedicando dias a fio treinando o programa de inteligência artificial para entender o que é — e o que não é — incêndio.

“Eu não acho que esse robô vai tirar meu emprego algum dia”, afirmou Andrew Emerick, chefe de operações da região norte atendida pelo do Cal Fire. Emerick, operador experiente do sistema de câmeras, citou como exemplo incêndios provocados deliberadamente em zonas rurais: vitivinicultores queimando galhos depois da poda do outono ou produtores de arroz queimando palha depois da colheita.

Emerick conhece a região e entende contextos — essas queimas não são incêndios que precisam ser controlados com auxílio de caminhões e aeronaves. Mas ele duvida que o programa de inteligência artificial entenderá essas nuances algum dia.

Publicidade

“O que nós fazemos exigirá algum tipo de intervenção humana, de alguém experiente para dizer, ‘Ei, nós temos de fazer algo sobre isso’, ou ‘Não, nós não temos de responder’”, afirmou ele.

Durante dois dias em julho, quando o teste do programa de inteligência artificial estava em operação havia apenas duas semanas, o sistema detectou incêndios com variados graus de exatidão. Uma câmera instalada no topo de uma colina treinou observando um incêndio no Cânion Topanga, a oeste de Los Angeles, que lançou uma coluna grossa de fumaça.

A IA emoldurou o incêndio com um quadrado vermelho e calculou uma probabilidade de 71% da ocorrência ser realmente um incêndio. Questionado a respeito do motivo da IA ter definido uma probabilidade de veracidade tão baixa para um incêndio aparentemente tão óbvio, o geofísico Neal Driscoll, da Universidade da Califórnia, San Diego, um dos líderes do projeto de IA, respondeu que o sistema ainda se encontra nas fases iniciais.

Operadores ensinam constantemente o programa de inteligência artificial a identificar incêndios. No principal centro de monitoramento no sul da Califórnia, um edifício baixo no limite das instalações da Base Aérea da Reserva March, autoridades do Cal Fire assistiam de suas mesas uma enorme tela que lembra parte de uma sala de guerra hollywoodiana. O programa de IA chamou a atenção dos presentes para uma imagem do Pico Onyx, nas Montanhas de San Bernardino. A IA colocou uma moldura vermelha em torno de uma coluna de fumaça na foto.

“Pode ser uma lixeira em chamas, pode ser um carro em chamas ou pode ser vegetação em chamas”, afirmou SeLegue, do Cal Fire. Com alguns cliques no mouse, o operador confirmou ao programa de inteligência artificial que a imagem era realmente de fumaça de incêndio.

“Nós estamos alimentando a lógica do sistema”, afirmou SeLegue.

Funcionários da Cal Fire na Operations Southern California em Riverside, Califórnia, em 27 de julho de 2023.  Foto: Ariana Drehsler / NYT

O sistema de inteligência artificial vasculha bilhões de megapixels por minuto, imagens geradas por uma rede de câmeras que cobre aproximadamente 90% do território californiano suscetível a incêndios, de acordo com Driscoll. As imagens das câmeras são parte de um projeto conhecido como AlertCalifornia e podem ser visualizadas pelo público em um website administrado pela Universidade da Califórnia, San Diego.

Publicidade

SeLegue afirmou que o sistema de câmeras com inteligência artificial é apenas um entre vários modos de alertar o Cal Fire a respeito de incêndios. Além das chamadas de moradores pelo telefone de emergência, pilotos de avião que sobrevoam o Estado já avisaram torres de controle aéreo a respeito de incêndios.

E em 2019, o Cal Fire conseguiu acesso a uma ferramenta de detecção muito mais sistemática. As Forças Armadas dos Estados Unidos ofereceram sua altamente secreta rede de satélites-espiões, assim como drones e outras aeronaves, para alertar a agência estadual quando incêndios forem detectados.

Em razão da natureza secreta dos dados de inteligência, as informações são “higienizadas”, de acordo com SeLegue, e chegam com um atraso de 10 a 12 minutos. A parceria, batizada como Fireguard, foi estabelecida após o mortífero incêndio florestal de 2018, quando os militares perceberam que souberam do fogo antes do Cal Fire.

A missão do Cal Fire é apagar 95% dos incêndios enquanto eles tenham menos de 4 hectares. O programa de inteligência artificial ajudará a agência a cumprir a meta, afirmou Driscoll. “O sucesso deste projeto será ninguém mais ouvir falar em incêndios”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.