Brasil, Argentina e Paraguai pressionam Uruguai por negociar acordo sem o Mercosul

Países condenaram negociações conduzidas por Montevidéu sem a participação do bloco sul-americano e ameaçaram tomar medidas judiciais e comerciais contra o vizinho

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Foto do author Renato Vasconcelos

SÃO PAULO ― Brasil, Argentina e Paraguai emitiram uma nota conjunta de advertência ao Uruguai nesta quarta-feira, 30, afirmando que podem tomar medidas judiciais e comerciais contra o país da banda Oriental, caso Montevidéu prossiga com negociações comerciais e tarifárias sem a participação dos demais integrantes do Mercosul.

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A nota conjunta, assinada pelos coordenadores nacionais dos três países no grupo do Mercado Comum do Mercosul, alega que a advertência sobre as possíveis medidas é uma resposta a ações do governo uruguaio para negociar individualmente acordos comerciais com dimensão tarifária e a possível apresentação de um pedido de adesão do país ao Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP), tratado de livre-comércio que agrega países da Ásia, Oceania e América, incluindo potências como Austrália, Canadá e Japão.

Na visão dos países que assinam a nota, a ação do Uruguai representaria um descumprimento flagrante do Tratado de Assunção, que funda o bloco sul-americano, e o artigo 1° da Resolução Mercosul CMC 32/00, que “reafirma o compromisso dos Estados Partes do Mercosul de negociar de forma conjunta acordos de natureza comercial com terceiros países ou blocos de países extra-zona nos quais se outorguem preferências tarifárias”.

“A cláusula do Mercosul aponta que acordos comerciais extrabloco firmados pelos países-membro precisam ser negociados conjuntamente, e ela tem que ser uma decisão consensual. Em caso de adesão a um novo tratado, o Uruguai estaria violando [as regras do Mercosul]”, explicou Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais na Escola Superior de Publicidade e Marketing de São Paulo (ESPM-SP). “Esse tipo de violação criaria uma grave crise do ponto de vista técnico e da própria natureza do bloco, o que poderia levar a uma rediscussão forte, com potencial de mudanças substanciais dentro do bloco”, acrescentou.

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A manifestação dos demais países fundadores do bloco vem um dia antes da data prevista pelo governo uruguaio para apresentação do pedido de adesão ao Acordo Transpacífico ― o presidente Luis Lacalle Pou havia antecipado a líderes da coalizão de governo, em 18 de novembro, que formalizaria a solicitação de entrada no acordo ―, e uma semana antes da reunião de cúpula do Mercosul, na qual o Uruguai passará a Presidência rotativa do bloco para a Argentina.

Lacalle Pou se manifestou sobre a nota e afirmou que o Uruguai está “assistido pelo direito internacional” e que entregará seu pedido de adesão ao tratado conforme o previsto. O ministro das Relações Exteriores uruguaio, Francisco Bustillo, está visitando a Nova Zelândia, na viagem pela Oceania que deve ser o marco da apresentação do pedido de adesão.

“Vamos fazê-lo, nos sentimos plenamente no direito de fazê-lo, bem como entendemos, ainda que não compartilhemos, a reclamação dos três países”, disse presidente em uma coletiva de imprensa em Montevidéu.

Segundo o presidente, as autoridades uruguaias foram “muito frontais no mano a mano” com os demais países-membros do Mercosul em conversas anteriores e anunciou que “esses temas” estarão na mesa durante a cúpula do Mercosul, que acontecerá em Montevidéu na próxima semana.

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“[A cúpula] vai ser divertida e vamos falar sobre esses assuntos porque estamos assistidos pelo direito internacional. Estamos assistidos por eventos recentes de decisões que não são tomadas por consenso, como por exemplo a primeira redução de tarifas acertada entre Brasil e Argentina”, apontou.

Lacalle Pou afirmou que nota conjunta de Brasil, Argentina e Paraguai não mudam planos do Uruguai para ingressar no Acordo Transpacífico. Foto: Javier Calvelo/ adhocFOTOS via AP - 01/03/2020

Peso diplomático e possíveis repercussões

Especialistas apontam que a nota indica um reposicionamento da política regional, especialmente do Brasil, que passa por um momento de transição no governo federal. “A concordância de Brasil, Argentina e Paraguai mostram uma mudança substancial [no rumo da política regional], uma vez que os outros países também sofrem pressões para fazer negociações individuais”, afirmou Denilde.

De acordo com a professora Flávia Loss, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o peso diplomático da nota é um fator a ser considerado, embora ela seja vaga quanto às medidas que os demais países tomariam contra o Uruguai.

“[A nota] mostra a insatisfação dos membros com a postura do Uruguai e que as negociações internas no bloco falharam. O problema veio a público. Mostra um pouco da falta de rumo do Mercosul, que sente a falta de uma direção política comum”, disse.

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Flávia aponta que não há precedentes para expulsão ou sequer suspensão de um país-membro do Mercosul por violação de uma regra comercial. As suspensões do Paraguai, em 2012, e da Venezuela, em 2016, aconteceram por descumprimentos do Protocolo de Ushuaia, que versa sobre o compromisso democrático na região. “Os países-membros provavelmente utilizariam medidas já previstas nas regras do Mercosul. Uma alternativa seria a criação de um tribunal ad hoc para acompanhar esse caso específico, mas não há precedentes para esse caso”.

O Estadão questionou o Itamaraty sobre a participação da equipe de transição na elaboração da nota conjunta divulgada nesta quarta-feira e sobre qual o entendimento da diplomacia brasileira em relação às medidas que poderiam ser tomadas em caso de entrada do Uruguai CPTPP. Não houve resposta até o fechamento desta matéria./ Com informações da EFE