Em meio ao agravamento da crise política na Venezuela e às vésperas da eleição da Assembleia Constituinte, marcada para domingo, o Brasil enviou de volta a Caracas o embaixador Ruy Pereira. Ele havia sido chamado ao País em setembro, em resposta à convocação do diplomata venezuelano pelo governo de Nicolás Maduro, que protestava contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
O retorno de Pereira a Caracas havia sido antecipado ao Estado em 2 de maio pelo ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes. “Acho importante ter um embaixador, com status de embaixador, porque a Venezuela pode vir a ser um grande problema diplomático brasileiro e é um grande país sul-americano”, disse o chanceler na ocasião.
Aloysio Nunes acrescentou que seria importante para o governo ter um representante capaz de circular no governo e na oposição, como é o caso do diplomata. O retorno demorou porque Ruy Pereira coordenou a campanha pela eleição da jurista Flávia Piovesan para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Esse processo terminou no mês passado.
A crise na Venezuela preocupa o governo brasileiro por suas repercussões no País, com o qual tem uma fronteira de 2.200 km. Reflexos já podem ser vistos no aumento do número de imigrantes em Roraima. Há preocupação, também, com o risco de armas, que hoje estão em mãos de milicianos chavistas, serem trazidas para o Brasil.
O governo de Michel Temer tem condenado publicamente o rompimento da ordem democrática, a existência de presos políticos, a violência na repressão aos protestos, o desrespeito à Assembleia Nacional e a realização da Assembleia Constituinte. Pereira voltou a Caracas no início do mês, incumbido de retomar canais de comunicação com governo e oposição. O trabalho não é fácil, pois o governo Maduro não reconhece o governo Temer como legítimo.
Até hoje, a Venezuela não tem embaixador no Brasil. A seu favor, Pereira conta com o fato de haver chegado àquele país durante o governo Dilma e estabelecido contatos naquela época.
Nesta quinta-feira, o portal DefesaNet divulgou uma suposta mensagem de Pereira, que teria sido enviada por engano a um grupo de diplomatas do Mercosul no WhatsApp. “Autoexplicativo. Segue tel entre hoje e amanhã. Yañez me receberá hoje às 16 horas. Renovei o canal com Jaua, que estava presente hoje pela manhã na Casa Amarela. Moncada disse que me receberá ‘nos próximos dias’; foi cortês e simpático quando nos cumprimentamos.”
A reportagem levanta a suspeita que o embaixador estaria fazendo um trabalho duplo, ao se aproximar dos chavistas. Alexander Yañez é o vice-ministro para América Latina e Caribe da chancelaria venezuelana. Elias Jaua é ex-chanceler e hoje preside a comissão para a Constituinte. Samuel Moncada é o atual chanceler.
Questionado, o Itamaraty não comentou se a mensagem é verdadeira. Fontes diplomáticas avaliam que, sendo legítima ou não, o que a mensagem revela é apenas um embaixador cumprindo as orientações que lhe foram transmitidas.
Uma das primeiras providências tomadas pelo Brasil ao assumir a presidência temporária do Mercosul, na semana passada, foi retomar o processo de consultas à Venezuela, que poderá resultar em sua suspensão total do bloco, com base na cláusula democrática prevista no Protocolo de Ushuaia.
A consulta foi um convite para que governo e oposição da Venezuela comparecerem a uma reunião em Brasília em busca de um entendimento. Maduro tem até segunda-feira para responder. Se ele não aceitar, segue o processo. Há consenso no sentido de aplicar a punição máxima, que é a suspensão total.
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