Brasil evita se indispor com parceiros comerciais ao não apoiar investigações contra Irã e Rússia

País se absteve de duas resoluções no Conselho de Direitos Humanos da ONU que investigam violações no Irã e na invasão russa da Ucrânia; analista diz que posição expressa perda de protagonismo da ONU

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Foto do author Luiz Henrique Gomes

A decisão do Brasil de se abster em duas resoluções do Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas que investigam violações no Irã e na invasão russa da Ucrânia demonstra a prioridade do País em não se indispor com dois parceiros comerciais importantes, avalia o pesquisador e professor de relações internacionais Roberto Uebel. Segundo eles, a posição da diplomacia brasileira também expressa uma perda de protagonismo da ONU como espaço para se resolver questões internacionais.

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Aprovadas por maioria de votos, as resoluções estendem duas investigações da ONU de violações de direitos humanos causadas pelos governos de Teerã e Moscou, parceiros comerciais do Brasil no Brics. Outros membros do bloco, como a África do Sul, Índia e Emirados Árabes Unidos (no caso do Irã) também se abstiveram. A China foi mais enfática e votou contra os dois documentos.

Para Roberto Uebel, pesquisador e professor de relações internacionais da ESPM, a posição do Brasil nas duas questões demonstra uma tentativa do País construir um pragmatismo na relação às duas nações. “Mostra que o País não quer se indispor, para não causar um distanciamento de dois parceiros comerciais importantes”, disse.

Imagem mostra reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU nesta quinta-feira, 4. Conselho votou por estender investigação de violações no Irã e na invasão da Ucrânia  Foto: Salvatore Di Nolfi / EFE

No caso do Irã, o CDH investiga violações cometidas contra mulheres, crianças e minorias étnicas e religiosas depois da morte da jovem Mahsa Amini em 2022. O embaixador brasileiro na ONU, Tovar da Silva Nunes, reconheceu e criticou as violações, mas expressou confiança de que Teerã vai “fortalecer os esforços para melhorar a situação” e se absteve com base “no diálogo construtivo”.

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“Encorajamos o Irã a seguir aumentando seu envolvimento com mecanismos de direitos humanos num espírito de cooperação e abertura”, declarou Nunes.

De acordo com Uebel, o discurso do embaixador brasileiro expressa um “apoio crítico”, mas mal calculado. “A fala do representante brasileiro enfatiza que o Brasil condena qualquer violação de direitos de mulheres, mas o País prefere a abstenção por acreditar que o Irã vai cooperar nessa matéria. É um cálculo político que eu avalio como equivocado. O Irã dificilmente irá repensar essas práticas”, afirmou.

Com relação à resolução que investiga as práticas da Rússia na Ucrânia, o representante brasileiro em Genebra também reconheceu a existência de violações, mas classificou o texto de “desequilibrado” e disse que poderia impedir o diálogo entre os dois lados em guerra.

“Permanecemos descontentes com o texto diante de nós. A resolução é desequilibrada e coloca o fardo das violações dos direitos humanos apenas em um lado do conflito, não deixando espaço suficiente para o diálogo que poderia criar condições para prevenir violações de direitos humanos e construir uma paz duradoura na região”, afirmou o chefe da missão brasileira em Genebra.

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Uebel avalia que neste caso o posicionamento brasileiro expressa tanto o pragmatismo com a Rússia quanto envia uma mensagem crítica à Kiev. “É um recado para que a Ucrânia também dialogue para a guerra chegar ao fim”, disse. “Neste caso, o Brasil está esgotado com essa questão. Desde o início, a diplomacia brasileira preza pelo diálogo, e inclusive já se colocou à disposição para mediar, mas hoje entende que a Ucrânia precisa estar disposta a esse diálogo, e ela não está por suas questões territoriais”, avaliou.

Perda de protagonismo da ONU

As abstenções no CDH também exprimem uma perda do protagonismo da ONU como fórum multilateral, afirma o analista. Com o surgimento do Brics e do G-20, por exemplo, o Brasil passa a acreditar – como externou o embaixador brasileiro na resolução do Irã – no diálogo em outras instâncias além das Nações Unidas.

A ONU tem sido ineficaz para a resolução de conflitos, a exemplo da Ucrânia e da guerra de Israel contra o Hamas, o que também contribui para esse movimento.

Segundo Uebel, o descumprimento de resoluções da ONU externam um enfraquecimento dos Estados no papel das relações internacionais. “Você tem outros atores, que são empresas, brancos internacionais, sociedade civil, que estão discutindo e podem ter peso nestas questões”, disse. “Se você quer construir uma relação internacional forte, é preciso ter reformas e o engajamento maior desses outros atores em questões relativas aos direitos humanos, por exemplo.”

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