GENEBRA - O governo brasileiro decidiu se abster em uma resolução votada nesta sexta-feira, 24, na ONU criticando as violações aos direitos humanos no Irã e renovando o mandato de uma relatora com o objetivo de fiscalizar a situação em Teerã. A resolução foi aprovada por 22 votos a favor e 12 contra, com 13 abstenções, entre elas a do Brasil.
A resolução contou com votos favoráveis dos EUA, Alemanha e Reino Unido, países que tiveram papel central no acordo nuclear com o Irã, assinado em 2015. No que se refere aos direitos humanos, porém, esses governos mantiveram uma posição crítica.
A posição adotada pelo Brasil é a mesma que o governo já havia tomado em 2010 quando a então presidente Dilma Rousseff optou por se abster em votação similar. Na época, a decisão do Itamaraty levou a Comissão de Relações Exteriores do Senado, presidida por Aloysio Nunes, a convocar uma audiência pública para exigir uma explicação da parte da chancelaria. Agora, como chanceler, Nunes segue a mesma política.
Em 2010, quem também criticou a posição do então governo foi José Serra, que até o mês passado foi o ministro de Relações Exteriores de Temer. Na época, ele alertou para o fato de que Dilma "nunca disse uma palavrinha áspera contra aquela ditadura fascista e feroz". O Irã era governado por Mahmoud Ahmadinejad e, desde então, passou a adotar um tom mais conciliador. Mas, em termos de direitos humanos, ativistas e mesmo a ONU alertam que a situação pouco mudou.
Em sua explicação de voto, nesta sexta, o Itamaraty indicou que "reconhece os esforços" do governo do Irã em relação aos direitos humanos e aprovação de leis internacionais. Para o governo Temer, isso representou passos positivos, tais como a publicação de leis sobre os direitos dos cidadãos.
De acordo com o Brasil, o país optou pela abstenção, apesar das preocupações legítimas em relação aos direitos humanos. Ao explicar seu voto, o governo indicou que "sabe das dificuldades" em implementar novas leis de proteção aos direitos humanos e "espera que o Irã supere os obstáculos".
A embaixadora brasileira em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevedo, disse que reconhecia os "passos em boa direção" no que se refere às reformas sobre a punição capital e indicou que o Brasil espera que isso signifique o fim da pena de morte em determinados casos.
Ao se abster, o governo também indica que "levou em consideração a vontade política do Irã em se engajar" com os instrumentos internacionais de direitos humanos. Segundo a embaixadora, o voto brasileiro deve ser visto como um "estímulo para que o Irã permaneça no bom caminho" e "espera avanços mais significativos em direitos humanos".
Ainda assim, o governo afirmou que continua preocupado com as alegações de violações no país. O Brasil ainda se disse preocupado com a situação das mulheres, da liberdade de expressão e de minorias religiosas.De acordo com a embaixadora, a abstenção do País não deve ser interpretada como um questionamento em relação à relatora para as violações no Irã.
Momentos depois de o Brasil falar, o governo do Reino Unido tomou a palavra para alertar que o Conselho da ONU "não é o lugar para reconhecer esforços", e sim para lidar com violações de direitos humanos.
O governo do Irã criticou a aprovação da resolução, enquanto que a Venezuela alertou que a resolução era um "instrumento de potências para atingir seus objetivos geopolíticos".
Reações. Para entidades de direitos humanos, a posição brasileira não se justifica. "Há um descompasso entre a abstenção do Brasil e a justificativa dada em Genebra. O Brasil pede para que governo persa mantenha diálogo com a relatora da ONU para o Irã mas não vota a favor da manutenção deste mesmo posto", afirmou Juana Kweitel, diretora executiva da Conectas Direitos Humanos. "O governo Temer deixou na mão dos demais membros do Conselho a responsabilidade por preservar um dos poucos fluxos de informações críveis sobre violações que acontecem no Irã."
Junto com outras três ONGs, a Conectas Direitos Humanos enviou uma carta ao Itamaraty pedindo que o Brasil votasse a favor da renovação do mandato na ONU para investigar violações no Irã.
Para Iradj Roberto Eghrari, representante da Comunidade Bahá'i do Brasil, o voto "coloca o País em uma absoluta incoerência". "O governo diz que está acompanhando e diz que existem problemas, mas como pretende solucionar sem um instrumento reconhecido que é a relatoria da ONU? O Brasil fica na contra-mão", disse Eghrari.
De acordo com o representante, o voto brasileiro vai "contra os valores defendidos pela diplomacia" do País por décadas. Na avaliação de Eghrari, o Brasil não trata de direitos humanos com o Irã nem no campo multilateral e nem em suas relações bilaterais.
Ele também critica a justificativa dada pelo governo de que o Irã está no "caminho certo" ao adotar uma carta de direitos dos cidadãos. "Essa carta é uma camuflagem das violações, já que nem se reconhecem as minorias religiosas", disse Eghrari. "Falta mais pesquisa por parte da diplomacia brasileira sobre o que significa essa carta."
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