Brasil sentirá impacto da nova Estratégia de Segurança Nacional dos EUA; leia artigo

Novas diretrizes buscam aumentar influência americana e formar coalizões internacionais para minar China

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Por Gunther Rudzit e Leonardo Trevisan

Dois eventos recentes têm potencial de impactar diretamente interesses brasileiros, principalmente as áreas militar e comercial -- a guerra da Ucrânia e a nova National Security Strategy -- por isso, precisam ser analisados por quem faz negócios aqui com qualquer parte do mundo e, principalmente, pelo vencedor das eleições presidenciais.

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Do ponto de vista militar, nossas relações sempre foram muito próximas dos EUA e países europeus, tanto em termos doutrinários quanto de equipamento. Hoje, há dois programas de reequipamento que são considerados estratégicos pelas nossas Forças, o do submarino pela Marinha e do caça pela Força Aérea.

O desenvolvimento do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) em parceria com a França estabelecido em 2008, teve como objetivo a transferência de tecnologia para a fabricação de submarinos convencionais. Esta é a base para o desenvolvimento nacional do submarino de propulsão nuclear, considerado um sistema dissuasivo fundamental para nossos interesses e integridade do mar territorial e zona econômica exclusiva. Nesse tema, aliás, merece atenção o cancelamento de compra pela Austrália dos submarinos franceses no ano passado, substituídos pela oferta americana. E, apesar da muita dura reação diplomática de Paris, a substituição seguiu em frente.

Imagem mostra dois aviões da FAB durante voo Foto: Estadão

Já o programa FX2, de reequipamento e modernização da frota de aeronaves militares supersônicas da FAB – Força Aérea Brasileira, estabelecido em 2006, teve como objetivo o desenvolvimento conjunto de tecnologia e a aquisição de uma aeronave de quarta geração multifunção. A escolha do JAS 39 Gripen da sueca Saab se deu em grande parte por não ser de um país membro da OTAN, a aliança militar liderada pelos Estados Unidos, e não ter restrições de exportações por não conter sistemas de empresas americanas. Só que, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, a Suécia decidiu entrar para a aliança atlântica. E, as regras da OTAN para transferência de tecnologia são bem diferentes das seguidas pela ex-neutra Suécia.

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Fora estes dois principais projetos, as Forças Armadas brasileiras já adquiriram equipamentos, sistemas, e têm um intensivo programa de intercâmbio com as forças norte americanas.

Ainda na área militar, os aprendizados da guerra na Ucrânia deverão gerar reformas em muitas forças armadas do mundo. O Brasil não poderá ficar fora desta lista. Todos observaram o desastre militar que foi a invasão russa e o papel fundamental que o equipamento e assessoramento ocidental teve até agora para a sobrevivência ucraniana, bem como na posterior contraofensiva. É obrigatório, portanto, perceber que a tecnologia militar ocidental, passou a ser fonte de informação essencial para o planejamento de qualquer força armada moderna. Ficar sem esta conexão será o mesmo que ficar fadado a se preparar para uma guerra do passado.

Por outro lado, o governo americano lançou a sua National Security Strategy, que delineia sua visão de mundo e ações que deverão ser tomadas. O documento diz que o mundo passa por dois desafios, a competição entre grandes potências para moldar uma nova ordem internacional e ameaças comuns transnacionais. Apesar de afirmar que um não se sobrepõe ao outro, deixa claro que o segundo necessita de cooperação, o que se torna difícil em um momento de competição de grandes potências.

Esta competição, segundo a visão da Casa Branca, é caracterizada como sendo entre democracias e autocracias, com os EUA liderando o primeiro grupo e a China o segundo. Para enfrentar esta realidade, a estratégia delineia três linhas: 1) investir na fonte de poder e influência dos EUA; 2) construir coalizões a fim de moldar o ambiente internacional; 3) fortalecer as forças armadas.

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Para conseguir competir com a China, será necessário investir em inovação e capacidade industrial em solo americano, sendo os setores importantes: de semicondutores, computação avançada, biotecnologia, energia limpa e telecomunicação. Além do mais, há a defesa da revisão das regras do comércio internacional, por isto, os EUA buscarão reunir aliados e parceiros para conseguir combater práticas anticompetitivas e garantir altos padrões trabalhistas e ambientais.

Com a prática do “friendshoring”, ou seja, a busca pelos fornecedores e parceiros amigáveis, e, se possível, mais próximos geograficamente, esta nova NSS fará com que as empresas ocidentais reavaliem seus futuros investimentos, mesmo em países próximos. Relações diplomáticas muito próximas dos governos autoritários podem impedir o investimento em alguns Estados. Tanto que no dia 5 de outubro, ao anunciar como questão de segurança nacional o programa de nacionalização de produção de semicondutores, o presidente Biden foi bem explícito: o míssil antitanque Javelin, tão eficaz contra os tanques russos na Ucrânia, tem um microchip chinês e “isto vai acabar”.

O exemplo é bom porque nos diz respeito diretamente. Em 10 de agosto o Exército brasileiro recebeu autorização para comprar 222 desses mísseis, assim como 33 Unidades de Comando de Lançamento e mísseis de treinamento. O Departamento de Estado aprovou a venda (avaliada em US$ 75 milhões), parada há meses, mas que ainda depende da aprovação do Congresso americano. E a compra do Javelin não é caso isolado. Como o discurso do presidente Biden evidencia, Congresso e Executivo americanos observam as “escolhas” de qualquer país para “fazer andar” investimentos ou vendas de produtos, mais ou menos sensíveis, no mundo reconfigurado pós-Ucrânia.

Assim, as áreas militar e comercial são os dois setores que mais rapidamente estão e serão afetados pelas transformações na política internacional. E, novamente, o vencedor – seja quem for - das eleições presidenciais, terá que tomar decisões que impactam nelas, uma vez que, dependendo da postura de política externa adotada, pode colocar em risco interesses militares e comerciais brasileiros.

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*Gunther Rudzit e Leonardo Trevisan são professores de Relações Internacionais da ESPM.

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