Em meio a crise pós-eleitoral na Venezuela, com a ditadura de Nicolás Maduro declarando vitória nas eleições presidenciais do domingo, 28, o governo Luiz Inácio Lula da Silva adotou um tom mais brando ao se manifestar, sem mencionar as denúncias de fraude, após horas de silêncio.
A declaração vai na contramão de vizinhos sul-americanos, que cobram transparência no processo, com a Argentina, de Javier Milei, ameaçando não reconhecer a vitória do chavismo. O Chile, do esquerdista Gabriel Boric, foi na mesma linha.
“O governo brasileiro saúda o caráter pacífico da jornada eleitoral de ontem na Venezuela e acompanha com atenção o processo de apuração. Reafirma ainda o princípio fundamental da soberania popular, a ser observado por meio da verificação imparcial dos resultados”, diz o Itamaraty por meio de nota.
“Aguarda, nesse contexto, a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”, conclui o breve comunicado, que não menciona as denúncias de fraude eleitoral.
Desde o fechamento das urnas, há indícios de fraude eleitoral no país vizinho. A oposição diz não ter tido acesso a 70% das atas eleitorais do país. As sessões ficaram abertas até depois do horário em áreas predominantemente chavistas e, em áreas opositoras, houve relatos de intimidação e criação de empecilhos para o exercício do voto.
Escalado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ser os ‘olhos de Lula’ na votação, o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, evitou endossar desde já a tese da oposição de que houve fraude no pleito do país vizinho. Ao mesmo tempo, cobrou a autoridade eleitoral local, o CNE, a cumprir o combinado e publicar as atas das eleições.
“Como em toda eleição, tem que haver transparência, o CNE ficou de fornecer as atas que embasam o resultado anunciado. Também não vou endossar nenhuma narrativa de que houve fraude. É uma situação complexa e nós queremos apoiar a normalização do processo politico venezuelano”, disse Amorim ao Estadão.
Desde que voltou ao poder, há um ano e meio, o governo Lula tem adotado um tom moderado e passado a mão na cabeça da ditadura chavista apesar da contínua perseguição a opositores e ao cerceamento do direito de voto dos venezuelanos.
Apesar de o ditador Nicolás Maduro ser um aliado de décadas do presidente Lula, existe um incômodo no governo brasileiro com a falta de transparência no processo eleitoral da Venezuela.
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A posição do governo é praticamente única na região. Dos vizinhos sul-americanos, apenas a Bolívia, a Guiana e o Suriname não demonstraram preocupação com a demora na apuração e as suspeitas em torno da votação. Até governos de esquerda como o de Gabriel Boric no Chile, e o de Gustavo Petro na Colômbia, fizeram cobranças mais duras que as do Brasil contra Maduro.
Com a volta do PT ao governo em 2023, as relações entre Brasil e Venezuela foram retomadas. Nos anos de Jair Bolsonaro, o Itamaraty de Ernesto Araújo reconheceu o governo de Juan Guaidó como representante legítimo da Venezuela e rompeu completamente relações com o chavismo.
Sob Mauro Vieira e Celso Amorim, a diplomacia brasileira trabalhou para reconstruir pontes com Maduro e reestabelecer relações bilaterais, com o argumento de que empresas brasileiras tinham dívidas de cerca de US$ 1,27 bilhão com a ditadura chavista. O Brasil enviou a Caracas a embaixadora Glivânia Maria de Oliveira e recebeu em Brasília o embaixador Manuel Vadell.
Nos primeiros meses de governo, Lula também emprestou apoio diplomático e político a Maduro, a quem recebeu com honras de chefe de Estado no Planalto em maio do ano passado, durante uma reunião com chefes de Estado sul-americanos para relançar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul). O respaldo foi mal visto por outros presidentes da região, principalmente o chileno Gabriel Boric, de centro-esquerda, e o uruguaio Luis Lacalle Pou, de centro-direita, que reclamaram publicamente da reabilitação dada pelo petista ao líder chavista.
Ainda em 2023, o Brasil, ao lado de Colômbia, dos Estados Unidos e da União Europeia, patrocinou um acordo entre a oposição e o chavismo para a realização de eleições justas e livres na Venezuela em troca da retirada de sanções. Os chamados acordos de Barbados foram progressivamente colocados em xeque por Maduro, que proibiu a líder da oposição María Corina Machado de disputar a eleição e criou dificuldades para a inscrição de outros nomes na disputa, além de tornar praticamente impossível para que eleitores de fora da Venezuela - a maioria opositora - votassem.
No fim do ano passado, em busca de um subterfúgio para mobilizar sua base eleitoral de olho na eleição, o ditador chavista organizou um plebiscito para anexar uma parte da Guiana reivindicada pela Venezuela. As ameaças envolveram também um aumento da tensão militar na reunião, já que Maduro ameaçou uma mobilização de tropas.
A diplomacia brasileira mais uma vez evitou condenar de forma assertiva a agressão chavista. Após semanas de tensão, com intermediação de Lula e do presidente colombiano Gustavo Petro, a Venezuela e a Guiana se comprometeram em uma cúpula no Caribe a resolver a disputa sem violência.
De modo geral, o Brasil evitou criticar os abusos de Maduro até praticamente março deste ano, quando o Itamaraty divulgou uma nota condenando a proibição da inscrição de Corina Yoris para substituir Maria Corina.
Desde então, Maduro passou a ver Lula e o governo com suspeita. Nos últimos dias, ironizou o petista, dizendo que ele devia “tomar chá de camomila” para se acalmar após o ditador alertar para um banho de sangue no caso de perder a eleição. O chavista também criticou o sistema eleitoral brasileiro, o que fez com que o Tribunal Superior Eleitoral suspendesse o envio de uma missão ao país.
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