THE NEW YORK TIMES - Passava pouco da 0h de um sábado. Uma chuva leve começava a cair na praça quase vazia perto da igreja. Evaldo Alves Feitosa estava virando seu último hambúrguer da noite quando ouviu tiros do lado de fora de sua lanchonete.
“Achei que fosse um foguete de uma festa no clube ali”, disse Feitosa. Ao olhar para fora, viu Danilo Cavalcante entrando num carro prateado e saindo em alta velocidade.
Para trás ficou Valter Júnior Moreira dos Reis, caído numa poça de sangue após levar seis tiros. “Foi a última vez que vi Danilo”, disse Feitosa. “Ele desapareceu.”
Cavalcante foi alvo de uma caçada intensa no interior da Pensilvânia, onde centenas de policiais vasculharam o terreno arborizado e as terras agrícolas por quase duas semanas até que ocorresse a captura do brasileiro nesta quarta-feira,13. A polícia buscava por Cavalcante desde que ele escapou da prisão do condado de Chester, em 31 de agosto.
Ele estava detido lá pelo assassinato de sua ex-namorada, Déborah Evangelista Brandão, em abril de 2021. Depois de matá-la, Cavalcante tentou fugir, chegando até a Virgínia antes de ser preso.
Foi condenado e sentenciado em agosto e, poucos dias antes de iniciar a pena de prisão perpétua numa prisão estadual da Pensilvânia, fez sua próxima tentativa de fuga.
Depois de mais de uma semana escondido nas comunidades tranquilas ao sul da prisão, ele passou por um perímetro definido pelas autoridades e roubou uma van de entregas no fim de semana. Na noite de sábado, 9, Cavalcante foi registrado por uma câmera de residência a quilômetros de distância.
Mas nenhuma dessas tentativas foi a primeira vez que ele esteve em fuga e provou ser extremamente difícil de ser preso.
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Histórico
Ele também desapareceu deste lugar remoto no norte do Brasil, depois que Moreira foi baleado e morto em 2017, supostamente por causa de uma dívida não paga. Os promotores estaduais disseram que um mandado de prisão contra ele foi emitido em 21 de novembro de 2017.
Na primeira vez que Cavalcante escapou da Justiça, encontrou refúgio na periferia rural de Figueirópolis, cidade com cerca de 5.000 habitantes no interior do estado brasileiro do Tocantins. Depois de fugir da cena do crime, ele se escondeu numa fazenda a menos de uma hora da cidade, segundo moradores.
“Depois que você sai”, disse Kelton Meneses, padre em Figueirópolis, “são apenas fazendas e matas além daqui. Não é difícil desaparecer.”
A empoeirada e selvagem savana brasileira proporcionou a cobertura perfeita para Cavalcante. Aqui, as fazendas de gado se estendem por quilômetros, ladeadas por arbustos e florestas ressecadas. Cercas de arame farpado, algumas com caveiras de boi no topo, marcam o final de um lote e o início do seguinte. Estradas de terra serpenteiam entre rochas irregulares, formando labirintos traiçoeiros que afastam os estranhos.
Cavalcante estava à vontade no sertão brasileiro, disse Raimundo Campos dos Santos, antigo morador da região. “Quando você está acostumado com o campo, sabe se esconder. Ele passou muito tempo no mato.”
Cavalcante havia se mudado para essa região pouco mais de um ano antes do assassinato, chegando com a mãe e o irmão do estado vizinho do Maranhão, segundo quatro moradores.
Ele trabalhava numa fazenda próxima chamada Mula Preta, cuidando de gado e maquinário. Sua família comprou um terreno numa comunidade rural vizinha, onde criava gado e cavalos.
“Eram pessoas trabalhadoras”, disse Campos, morador da mesma comunidade, que se estende por 4.800 hectares. “Gente humilde.”
A fazenda da família fica num canto remoto do assentamento rural, acessível por uma estrada íngreme e rochosa. Numa visita recente, arame farpado circundava a modesta casa com telhado de telhas vermelhas. Na varanda havia selas penduradas em ganchos e uma rede balançava na sombra. Cerca de meia dúzia de galinhas e quatro pit bulls vagavam pelo poeirento jardim da frente. Urubus sobrevoavam.
Aroaldo Cavalcante, irmão do brasileiro capturado, ainda mora na fazenda, segundo vizinhos. Na tarde de domingo, 10, ele não saiu da casa e não respondeu às mensagens de texto solicitando entrevista.
“Ninguém conhecia bem essas pessoas”, disse Darci Gomes Neve, 75, um vizinho que mora na região há duas décadas. “Danilo não ficou muito tempo. Ele foi embora; ninguém mais ouviu falar dele.”
Mas quando chegou à região iniciou uma amizade rápida e improvável com Moreira, uma figura popular no local.
“Ele era um doce”, disse Feitosa sobre Moreira. “Conversava com todo mundo, gostava de dançar e brincar.” Cavalcante era mais quieto. “Ele era reservado, não falava muito”, disse Feitosa. “Ele não olhava nos seus olhos.”
Mesmo antes da morte de Moreira, Cavalcante era temido por alguns moradores da cidade.
“Ele tinha fama de ter muitas armas em casa”, disse Carlos Humberto Jacob, amigo de Moreira que conhecia Cavalcante. “As pessoas costumavam dizer que ele tinha armas pesadas na fazenda.”
A amizade entre os dois parece ter azedado quando Cavalcante emprestou um carro a Moreira, que supostamente danificou o veículo e nunca pagou pelos reparos, segundo a polícia.
Cavalcante começou então a enviar ameaças de morte a Moreira, disse Dayane, irmã de Moreira. “Ele ficava dizendo: ‘Vou te matar, vou te matar’.”
Em novembro de 2017, Cavalcante foi à praça confrontar Moreira, que havia se mudado para outra cidade, mas voltou para tirar uma nova carteira de motorista.
Após o encontro fatal, Cavalcante teria se escondido na região durante várias semanas antes de deixar o Brasil com identidade falsa. Ele é considerado foragido no Brasil desde 2017, segundo autoridades do Tocantins.
Durante as semanas que Cavalcante ficou foragido, os moradores da cidade brasileira de onde ele desapareceu há seis anos também sofreram, disse Maria Cardoso, professora aposentada que ensinou Moreira e é próxima de sua família.
“É como uma ferida que estava cicatrizando”, disse Cardoso. “Agora tudo está voltando. As pessoas estão abaladas. As pessoas estão com medo.”
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