O professor universitário Fábio de Queiroz preparava as malas, quando percebeu que algo estava errado: a cama do quarto de hotel em que estava sentado começou a mexer, as paredes trepidaram, o abajur e as anotações na mesa balançaram. “Foram segundos que pareceram uma hora”, relatou em entrevista ao Estadão. “Para nós que não estamos acostumados é algo impressionante”, completou.
O brasileiro, que até então nunca havia passado por um terremoto, conta que na hora ficou “atônito”, sem entender o que estava acontecendo. Só quando recebeu a mensagem de um amigo marroquino, ele descobriu que era um forte terremoto.
O abalo de magnitude 6,8 atingiu já deixou mais de 2 mil mortos e pelo menos 2.059 feridos. Destes, 1.404 estão em estado grave, segundo informações do Ministério do Interior de Marrocos, divulgadas neste sábado, 9. O número só cresce à medida em que as buscas avançam.
Fábio de Queiroz estava na capital Rabat, a cerca de 300 km do epicentro do tremor e, mesmo assim, sentiu os efeitos do abalo sísmico. Por sorte, no caso dele, não passou de um susto.
“O que me deixou mais assustado foi que há dois dias eu estava na cidade de Ben Guerir, que fica muito perto do epicentro do terremoto. Por sorte, estive lá antes”, lembrou.
Professor da Escola Superior de Defesa, em Brasília, ele tem se dedicado ao estudo das relações do Brasil com o país africano e chegou ao Marrocos na semana passada para uma pesquisa de campo em diferentes cidades do país. Depois do susto em Rabat, ele seguiu para Casablanca, o centro financeiro marroquino, onde a situação foi parecida com a que ele viveu na capital.
“Casablanca fica a cerca de uma hora de Rabat. Quando cheguei aqui conversei com algumas pessoas e elas me relataram a mesma coisa, o tremor e o susto, mas sem estragos tão grandes”, contou Fábio de Queiroz ao destacar o sentimento de consternação que ficou entre as pessoas que tentam seguir a vida.
“Agora a minha torcida é para que o país se recupere e que eu volte logo para o aconchego da minha casa no Brasil”, desejou Fábio de Queiroz que já tem a passagem de volta marcada para este fim de semana.
Em Marrakesh, o marroquino Mohamed Alibou, que se divide entre a sua terra natal e o Brasil, contou ao Estadão que o prédio onde vive “começou a balançar, todo mundo saiu”. Ele mora sozinho em um apartamento no polo moderno que se contrapõe à famosa Medina do século 12 dentro de Marrakesh, onde o estrago foi grande.
Na cidade milenar, as antigas construções em um terracota característico vieram abaixo em vielas apertadas, quase que umas sobre as outras. Monumentos históricos da arquitetura muçulmana, como a histórica mesquita Koutoubia, também não passaram ilesos e chegaram a ser atingidos, embora a extensão dos danos não esteja clara.
Já no polo moderno de Marrakesh, a madrugada foi marcada pelo medo, mesmo entre os moradores dos prédios mais modernos e, portanto, mais resistentes. “Caiu a luz da cidade, muitas famílias dormiram na rua com medo que o tremor voltasse”, lembrou Mohamed.
Quando perguntado se também permaneceu na rua, ele respondeu em um tom surpreendentemente calmo que não. Voltou para o apartamento logo depois do tremor: “achei que se fosse para morrer, morreria em casa ou na rua então voltei para o meu apartamento”.
Mas nem todos conseguem manter a mesma tranquilidade. Mohamed, um agente de viagens, conta que teve contato com alguns turistas que estavam apavorados. “Algumas pessoas chegaram ontem e já estavam procurando passagens de volta”.
O brasileiro Stener Camargo de Oliveira relatou ao Estadão que, durante o terremoto, “a sensação era de que o chão ia abrir”.
Stener, que trabalha como secretário de Cultura e Turismo do município gaúcho Caçapava do Sul, estava representando a região na 10ª Conferência Internacional de Geoparques Mundiais da UNESCO, que ocorreu no Marrocos, quando foi surpreso pela catástrofe.
“Ontem pelas 23h, eu e mais 3 colegas que estão na missão da UNESCO voltávamos do jantar e estávamos na praça principal quando de repente sentimos um tremor aos nossos pés”, disse ele. “Subiu muita poeira principalmente da mesquita e não sabíamos o que era, tentamos perguntar as pessoas e tinha muita gente correndo. Uns 5 minutos depois entendemos que havia sido um terremoto”.
Para se abrigar do terremoto, Stener se juntou a outros brasileiros em uma praça próxima ao seu hotel. Mais tarde, a comitiva brasileira da UNESCO foi convidada pela instituição e pela Embaixada do Brasil a se deslocar para um hotel localizado em uma das áreas menos atingidas na cidade. Mas no caos da cidade, os brasileiros perderam o rumo e caminharam durante três horas para chegar ao local seguro.
“A cidade antiga é composta de várias ruas que só passam pessoas a pé, não há passagens de carros. A gente ia caminhando e os caminhos estavam trancados ou sem luz. Milhares de pessoas nas ruas. Caminhamos até aproximadamente 4 da manhã até que encontramos o local onde estava o pessoal do Brasil”, disse ele.
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