Brexit: Escassez de carnes e atraso em entregas ameaçam o Natal dos britânicos

Ministro da Fazenda, Rishi Sunak, reconheceu que haverá desabastecimento nas festas de fim de ano; governo está fazendo 'tudo o que pode', mas 'não existe solução mágica', afirmou

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Por Jenny Gross
Atualização:

BUNGAY, Inglaterra — Para entender a profunda sensação de ansiedade dos britânicos diante das falhas de abastecimento que afligem seu país — e da ameaça disso prejudicar o cardápio da ceia de Natal — basta viajar à fazenda de suínos de Simon Watchorn, cerca de duas horas ao nordeste de Londres. 

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Em 2014, Watchorn foi o suinocultor do ano na Inglaterra, prosperando nos negócios. Neste ano, afirmou ele, a perspectiva para o outono é desoladora.

Faltam funcionários nos abatedouros, que estão processando uma quantidade menor que a habitual de suínos. Faltam motoristas para levar a carne suína aos mercados e açougues. E faltam açougueiros para preparar a carne para os consumidores.

Se os problemas persistirem, Watchorn poderá ter de começar a abater por conta própria parte de seus 7,5 mil suínos no fim do próximo mês. Porcos engordam cerca de 6,8 quilos por semana e, depois de um determinado momento, ficam grandes demais para ser processados nos abatedouros.

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Watchorn lembrou que a última vez que as coisas ficaram tão ruins foi durante um surto de vaca louca, no fim dos anos 1990. “Está tudo uma zona”, afirmou ele. “Pior do que uma zona, isso é um desastre, e não sei quando vai acabar.”

Watchorn, de 66 anos, é um dos muitos produtores de alimentos e outros itens de consumo alertando para um tenebroso inverno à frente dos britânicos. A escassez continuou a atormentar a economia do Reino Unido nesta segunda-feira, 4, com postos de combustíveis de Londres e do sudeste inglês relatando problemas com insumos, e o governo começou a acionar militares para ajudar a compensar a falta de motoristas. Consórcios empresariais supermercadistas afirmam que pressões ocasionadas por custos de transporte em aumento, falta de trabalhadores e preços de commodities já estão elevando os preços aos consumidor e devem continuar na mesma toada.

O ministro da Fazenda, Rishi Sunak, reconheceu na BBC Radio nesta segunda-feira que haverá escassez no período natalino. Ele afirmou que o governo está fazendo “tudo o que pode” para mitigar os problemas na cadeia de abastecimento, mas admitiu que não existe “solução mágica”.

Simon Watchorn alimenta seus porcos em sua fazenda emBungay, Reino Unido Foto: Andrew Testa/NYT

Watchorn, que se orgulha de administrar uma fazenda em que todo o gado adulto é criado ao ar livre, está convencido que o Brexit é o responsável pela crise atual, afirmando que o êxodo de trabalhadores europeus para fora do Reino Unido levou a uma nociva escassez de mão-de-obra. Os britânicos votaram para romper os laços de seu país com a União Europeia para reduzir a imigração, acredita ele, sem se dar conta do quão prejudicial uma saída súbita do bloco seria para os negócios.

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“Eles não votaram por escassez nos supermercados”, afirmou ele no domingo, cercado por dezenas de porcos que se aglomeravam em torno dele para ser alimentados. “Eles não entenderam que esse seria um resultado possível e provável.”

Sunak e outros líderes conservadores afirmam que as falhas de abastecimento são problemas globais, em grande parte causados pela pandemia, e que não se limitam ao Reino Unido. Realmente, empresas de todo o mundo estão enfrentando aumento de preços de energia e escassez de produtos.

Mas os problemas no Reino Unido são graves, com muitas indústrias enfrentando escassez de trabalhadores — em parte por causa da pandemia, mas também, afirmam muitos empresários, por causa das leis mais rígidas de imigração que passaram a valer após a saída do Reino Unido da União Europeia, em 1.º de janeiro.

“Estamos desesperados por trabalhadores”, afirmou Jon Hare, porta-voz da Associação Britânica de Processadores Pecuários, estimando que faltam atualmente 25 mil açougueiros e trabalhadores de unidades de processamento de carne no Reino Unido. Ele pediu ao governo que emita mais vistos de curto período para trabalhadores estrangeiros, para ajudar a indústria durante a transição para fora da União Europeia. “Não dá para tirar tanta gente do sistema de produção sem as coisas começarem a parar de funcionar”, afirmou ele.

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A gama das perturbações durante o período de fim de ano repercute de maneira particularmente ampla no Reino Unido, onde o Natal não é o Natal sem as comidas tradicionais. E ainda assim os pecuaristas britânicos afirmam que algumas especialidades da época estarão ausentes das ceias natalinas que as pessoas estão acostumadas. Isso significa que estarão em falta enroladinhos de salsicha (embrulhados com bacon, diferentes da versão americana), presuntos assados e Yorkshire puddings, que, afirmou Hare, precisam de trabalho adicional para serem fabricados.

Os consumidores já estão se antecipando à escassez. Uma avicultora de Leeds afirmou que, no mês passado, clientes já tinham reservado todos os 3,5 mil perus que ela estava criando para o Natal — o que jamais havia ocorrido.

Em falta

A falta de motoristas de caminhão também tem causado escassez esporádica de produtos como ovos, leite e alimentos processados. Uma a cada seis pessoas no Reino Unido afirmou que, nas semanas recentes, não conseguiu comprar certos alimentos básicos porque não os encontrou nas prateleiras dos mercados, de acordo com relatório do Escritório de Estatísticas Nacionais, que pesquisou 3,5 mil lares.

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Alguns consumidores entrevistados nos dias recentes afirmaram que não tiveram nenhum problema em encontrar os alimentos que queriam nos mercados. Mas Meriem Mahdhi, de22 anos, que se mudou mês passado da Itália para Colchester, no sudeste do Reino Unido, para frequentar a faculdade, afirmou que teve dificuldade para encontrar itens essenciaisperto de casa, em uma loja do Tesco, uma das maiores redes de supermercados do Reino Unido. “Todos os alimentos secos, como macarrão, e as frutas enlatadas esgotam todos os dias”, afirmou ela. O Tesco não respondeu a um pedido de comentário.

Em busca de uma solução rápida, 200 militares fardados chegaram na segunda-feira a refinarias de petróleo para ajudar a entregar combustível aos postos de abastecimento. Cerca de metade deles se encarregou de dirigir veículos civis, e os outros deram apoio logístico. “Como precaução-extra, acionamos os motoristas-extra”, afirmou Sunak.

No fim de semana, o governo afirmou que prolongou a validade de milhares de vistos temporários de trabalho para estrangeiros poderem trabalhar no Reino Unido até os primeiros meses do próximo ano. Mas economistas afirmaram que os vistos temporários dificilmente serão suficientes para mudar a situação, já que que todos os elos da cadeia de abastecimento apresentam escassez.

“Falta gente entrando no país, e os britânicos não estão dispostos a fazer o trabalho”, afirmou Robert Elliott, professor da Universidade de Birmingham. Ele afirmou que é difícil dizer quais problemas na cadeia de abastecimento decorrem do Brexit ou da pandemia, mas que, independentemente disso, o governo escolheu políticas que não melhoraram a situação. O governo investiu pouco no treinamento de motoristas de caminhão, afirmou ele, e poucos jovens estão considerando essa profissão para substituir quem se aposenta.

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Pecuária

Mesmo antes do Brexit, a indústria pecuária tinha dificuldade em atrair trabalhadores, em razão do trabalho pesado, dos baixos salários e das localizações remotas das unidades de processamento. Os empresários aumentaram os salários dos açougueiros em 10%, em média, este ano, afirmou a Associação Britânica de Processadores Pecuários, mas a escassez ainda é tão grave que membros do Conselho Britânico de Avicultura informaram ter diminuído a produção semanal de aves de 5% a 10%.

James MacGregor, diretor geral da Riverford, uma produtora de alimentos orgânicos deDevon, Inglaterra, afirmou que faltam cerca de 40 trabalhadores em sua empresa — ou 16% da folha. Açougueiros têm sido particularmente difíceis de encontrar, afirmou ele. Para lidar com a escassez, a Riverford provavelmente oferecerá menos produtos na época do Natal.

“Parece que temos uma arma apontada para a cabeça neste momento”, afirmouMacGregor. “É altamente provável que, se não vermos mais movimento de combustível e mais trabalhadores, acabaremos passando parte desse custo para o consumidor.”

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Kathy Martyn, dona da Fazenda Oakfield, em East Sussex, que possui cerca de 100 porcos, disse ter ficado aliviada ao encontrar combustível na sexta-feira, justo a tempo de atender a um buffet de casamento no fim de semana. Ela afirmou que a escassez de combustível dificulta seu planejamento, e ela poderá ter de abater cerca de 20 porcos este ano.

“Arregaçaremos as mangas e respiraremos bem fundo”, afirmou Martyn.

Watchorn, o suinocultor, afirmou que sua fazenda perderá dinheiro este ano. Abater porcos tem seu custo: se ele tiver de fazer isso, terá de encontrar alguém para matar os animais e depois transportar as carcaças. Um auxílio financeiro do governo ajudaria, mas ele afirmou que não conta com isso. “Não virá nem que o porco tussa!”, brincou.

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