Brics aprova expansão sem Venezuela e ajuda Putin a reagir ao isolamento diplomático

Presidente russo, boicotado pelo Ocidente por ter invadido a Ucrânia, colhe fotos com chefes de Estado, diz que Nicolás Maduro só participará do grupo quando houver consenso e reconduz Dilma à presidência do Banco dos Brics

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Foto do author Felipe Frazão

BRASÍLIA - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, encerrou nesta quinta-feira, dia 24, a 16ª Cúpula do Brics, da qual foi anfitrião e que lhe serviu de plataforma para combater a imagem de pária internacional - ele vem sendo boicotado ativamente em fóruns globais desde fevereiro de 2022, quando invadiu a Ucrânia, e deixou de receber visitas de democracias ocidentais.

Dois anos e oito meses depois de ordenar o início da guerra que o isolou do Ocidente, Putin conseguiu atrair até Kazan delegações de 35 países, segundo o Kremlin. A maior parte delas se fez representar em alto nível, com seus chefes de Estado ou de governo. Também foram ao país em guerra chefes de seis organismos internacionais, entre eles o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

A foto de família mostra as delegações estrangeiras atraídas por Putin à Rússia em guerra Foto: Sergey Bobylev

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No último dia da cúpula, destinado à interação com países que orbitam o grupo, Putin deu voz a 28 nações, além dos dez atuais membros do Brics - Rússia, Brasil, China, Egito, Etiópia, Índia, Irã, Arábia Saudita, África do Sul e Emirados Árabes Unidos.

Estavam no salão frente a frente com Putin os representantes de: Armênia, Azerbaijão, Belarus, Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão, Usbequistão, Bahrein, Bangladesh, Bolívia, Congo, Cuba, Sérvia, Indonésia, Laos, Malásia, Mauritânia, Nicarágua, Palestina, Bósnia e Herzegovina, Sri Lanka, Tailândia, Turquia, Venezuela, Vietnã e Palestina. Todos interessados em se associar ao Brics.

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O autocrata russo acumulou 16 reuniões bilaterais e conseguiu produzir imagens que o colocaram em evidência. Em salões grandiosos, a organização russa o destacou sempre no meio e à frente, como se conduzisse um batalhão de líderes globais, ao lado de potências nucleares como a China de Xi Jinping e a Índia de Narendra Modi, além da Turquia de Recep Tayyip Erdogan - país membro da Otan -, e alguns dos principais líderes de países do Oriente Médio e da África.

Putin e o líder turco, Recep Erdogan, durante a cúpula de Kazan Foto: Anatoly Medved

Dos possíveis, houve apenas as baixas de Mohammad bin Salman, o príncipe e premiê saudita que ainda hesita em aderir completamente ao Brics, embora seja considerado membro pleno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por causa de um acidente doméstico, e o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, por causa do apagão geral na ilha comunista. Os três foram representados por seus chanceleres.

A cúpula do Brics fez avançar propostas que desafiam a liderança dos Estados Unidos e da Europa e reforçam a imagem do fórum como um contraponto ao G-7. Os países do Brics reafirmaram a demanda por reforma da governança global e das organizações financeiras e prometeram coordenar posições no G-20 - presidido pelo Brasil neste ano e com cúpula prevista para novembro, no Rio de Janeiro.

Putin cumprimenta Guterres em Kazan Foto: Sergey Bobylev

Putin discutiu com seus pares a proposta de acordo de cessar-fogo, que ele elogia e a Ucrânia critica, apresentada por Brasil e China. Ele voltou ainda a dizer que considera atingir um entendimento por meios pacíficos, mas culpou ucranianos e seus aliados europeus e americanos, responsáveis por armar Kiev, por escalar a guerra e tentar expandir a área de atuação da Otan. Putin negou ter se autoisolado, disse que jamais recusou contatos com líderes ocidentais e que tem recebido mensagens sobre possíveis encontros.

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Venezuela só entra se houver consenso

Em Kazan, o russo conseguiu aprovar uma lista que pode resultar na inclusão de mais 13 países no Brics, na recém-criada categoria de associados “parceiros”, dando continuidade ao ímpeto expansionista que interessa, sobretudo, a seu principal aliado estratégico global, a China.

Na seleção de potenciais parceiros, que serão confirmados nos próximos meses, entraram países mais uma vez reconhecidos pelas rivalidades com os Estados Unidos, como Cuba e Bolívia, e seu aliado direto na guerra russo-ucraniana, Belarus.

Putin e Xi tentaram abrir as portas para a Nicarágua e para a Venezuela, o que foi objetado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva por recentes desentendimentos com os ditadores Daniel Ortega e Nicolás Maduro, outrora amigos próximos do petista. Nem a presença de última hora do ditador Nicolás Maduro, e para a Nicarágua.

Putin explicitou a objeção de Lula, defendeu um tratamento objetivo entre os países e explicou que a adesão da Venezuela ao Brics depende do Brasil. “Temos uma regra de consenso para adotar novos associados ao Brics, precisamos de um acordo entre os membros. É impossível sem consenso”, disse o russo.

Ele fez questão de dizer que a Venezuela está “lutando por sua soberania” e que avisou a Lula, por telefone, que discorda da posição do petista. Maduro, por sua vez, deixou de cumprimentar em público a delegação de Brasília, durante seu discurso na plenária, e deu o recado de que seu país já faz parte da “família do Brics”.

Putin teve uma reunião bilateral com o ditador venezuelano, Nicolás Maduro Foto: Anatoly Medved

O grupo, convertido numa das principais expressões do Sul Global, somava 33 manifestações de interesse de países candidatos a ingresssar na associação. Putin afirmou que o Brics permanece “aberto” aos países que compartilham dos mesmos princípios do grupo - entre eles, alinhamento à agenda de reforma da governança global, inclusive do Conselho de Segurança da ONU, e de instituições financeiras, e a rejeição das sanções impostas sem aval do conselho.

Em coletiva de imprensa no encerramento, Putin afirmou que a cúpula do Brics serviu para ressaltar “determinação coletiva de se opor à prática de impor sanções ilegais e tentativas de erodir valores morais tradicionais”.

Do ponto de vista dos projetos financeiros, disse que os países se comprometeram a “aprimorar a comunicação interbancária e a trabalhar na criação de mecanismos para pagamentos em moedas nacionais que sejam imunes a riscos externos”. Ele se referia aos projetos para reduzir a hegemonia do dólar americano como moeda padrão das transações globais.

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Putin disse que essa é uma das principais questões da atualidade e que a Rússia já usa um sistema de compensação de pagamentos e comunicação interbancária próprio, por ter sido banida do Swift, e que vai incentivar o uso de sistemas similares de outros países do Brics. Perguntado sobre o lançamento de um sistema próprio do Brics, confirmou o interesse, mas no longo prazo. “Ainda não chegamos lá”, afirmou o russo.

Putin chegou a apresentar um protótipo de cédula da almejada moeda comum do Brics, que vem sendo chamada de R5 - referência ao real brasileiro, ao rand sul-africano, ao rebminbi chinês, ao rublo russo e à rupia indiana. A nota traz imagens alusivas a ícones dos países, como o Cristo Redentor e o Taj Mahal.

Chefe da delegação brasileira, o ministro Mauro Vieira confirmou que um dos temas da presidência brasileira no Brics, a partir de 2025, será fomentar a criação de um “sistema de pagamento internacional entre os países do Brics que leve em conta o uso das moedas nacionais e que se possa fazer o comércio entre os países de forma mais célere e menos custosa”.

A ex-presidente Dilma Rousseff foi reconduzida à presidência do Banco dos Brics Foto: Kristina Kormilitsyna

Dilma reconduzida ao banco do Brics

O presidente russo confirmou que propôs ao Brasil que ex-presidente Dilma Rousseff siga como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a instituição financeira criada pelos membros do Brics, em 2014, e sediada em Xangai, na China. Os recursos geridos pelo banco e emprestados nos países do grupo são um dos principais atrativos do Brics.

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A presidência do NDB é exercida por períodos de cinco anos, em sistema de rodízio. O mandato de Dilma se encerraria em julho de 2025, mas agora ela estenderá sua permanência.

Pelo regime de governança do banco, os países membros se revezam e indicam o presidente - os nomes precisam ser aprovados pelos representantes da cada país, chamados “governadores”. Eles também dividem indicações das vice-presidências do banco.

O primeiro país foi a comandar o NDB foi a Índia, entre 2015 e 2020. O Brasil assumiu em seguida, ainda durante o governo Jair Bolsonaro. Ao tomar posse em 2023, Lula interveio na instituição e indicou Dilma para substituir o diplomata e economista Marcos Troyjo.

Agora, seria a vez de a Rússia assumir. No entanto, as sanções impostas pelo Ocidente por causa da guerra na Ucrânia impactaram a relação do banco com a Rússia, e, para contornar problemas, Putin foi forçado a manobrar e abrir mão de indicar um executivo russo de sua confiança. Essa escolha poderia gerar embaraços ao NDB.

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“A Rússia propôs estender a presidência do Brasil e a presidência de Dilma Rousseff neste banco, uma vez que o Brasil está presidindo o G-20 este ano, e no próximo ano assumirá a presidência dos BRICS. Tendo em mente a situação ao redor da Rússia, acreditamos que esta abordagem ajudará as instituições que queremos ver se desenvolvendo ainda mais a evitar desafios que são específicos da Rússia”, disse Putin, em pronunciamento à imprensa.

Fazem parte do NDB atualmente os cinco fundadores - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - e os incorporados Bangladesh, Emiados Árabes Unidos e Egito, além do Uruguai, atualmente em processo de adesão.

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