Briga política ameaça forçar EUA a dar primeiro calote na dívida em sua história

O governo americano atingiu o limite estabelecido por lei para tomada de empréstimos e Biden se reúne com líderes do Congresso para tentar evitar um calote com repercussões mundiais

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Por Redação

WASHINGTON - O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, vai se reunir com o presidente da Câmara, o republicano Kevin McCarthy, e outros líderes do Congresso nesta terça-feira, 9, tentando colocar fim ao impasse político que impede a elevação do teto da dívida pública americana e ameaça o primeiro calote do governo federal na história.

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Os republicanos da Câmara exigiram profundos cortes de gastos em troca do aumento do teto da dívida e criticaram Biden por não ter iniciado as negociações antes. Biden e os democratas no Congresso sustentam que o limite de empréstimos federais deveria ser aumentado sem pré-condições e chamaram a postura do Partido Republicano de irresponsável. Nenhum dos lados apresentou um caminho a seguir que pudesse obter apoio suficiente para ser aprovado nas duas câmaras do Congresso.

As expectativas para a reunião são baixas. Biden e os líderes do Congresso estão planejando reiterar suas posições já endurecidas, de acordo com assessores. A Casa Branca relutou em rotular a reunião de negociação e já agendou um discurso de Biden ainda esta semana, no qual ele criticará os republicanos pelo drama do teto da dívida. “Eu não chamaria isso de negociação do teto da dívida. Eu diria que é uma conversa entre os quatro líderes e o presidente”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, a repórteres na segunda-feira.

O presidente Joe Biden conversa com o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, nos degraus do Congresso em 17 de março Foto: Alex Brandon/AP

O governo dos Estados Unidos atingiu o limite estabelecido por lei para tomada de empréstimos. O Departamento do Tesouro está tomando medidas para evitar um calote que poderia ser devastador para a economia do país com repercussões para o resto do mundo.

Atingir o teto da dívida significa que o governo não tem mais permissão para tomar dinheiro emprestado — a menos que o Congresso concorde em suspender ou alterar o limite da dívida, que atualmente é de quase US$ 31,4 trilhões. Normalmente é isso que acontece. Desde 1960, os políticos aumentaram, estenderam ou revisaram a definição do limite da dívida em 78 ocasiões — incluindo três apenas nos últimos seis meses.

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Mas desde que os republicanos assumiram o controle da Câmara dos Deputados, pedindo cortes de gastos, novas tensões surgiram no Congresso. Alguns acreditam que os parlamentares atrasarão qualquer definição sobre a dívida desta vez, levando os EUA a um calote intencional pela primeira vez em sua história.

Os congressistas têm menos de um mês para aprovar uma legislação para aumentar ou suspender o teto da dívida, que limita a quantidade de dinheiro que o governo pode tomar emprestado. Os Estados Unidos atingiram seu limite constitucional de dívida de US$ 31,4 trilhões em 19 de janeiro, e o Departamento do Tesouro estima que as manobras contábeis que vem empregando para sustentar suas reservas de caixa podem se esgotar em 1º de junho.

Se o teto da dívida não for aumentado antes que o governo fique sem dinheiro - o que é conhecido como data X -, ele poderá não conseguir pagar todas as suas contas em dia, incluindo salários militares, pagamentos a detentores de títulos da dívida pública e a Previdência Social. Exceto por uma solução rápida, milhões de americanos podem parar de receber benefícios do governo, as bolsas de valores podem despencar e uma crise constitucional pode ocorrer.

O Bipartisan Policy Center, um think tank que rastreia as reservas de caixa do país, alertou na terça-feira que a data X provavelmente será entre o início de junho e o início de agosto. O levantamento diz que os riscos econômicos começariam a aumentar antes que o dinheiro acabasse e que cumprir as obrigações financeiras do país logo se tornaria cada vez mais difícil.

“As próximas duas semanas são críticas para avaliar a força dos fluxos de caixa do governo”, disse Shai Akabas, diretor de política econômica do Bipartisan Policy Center. “Se uma solução não for alcançada antes do fim de maio, os formuladores de políticas podem jogar roleta russa diariamente com toda a fé e crédito dos Estados Unidos, arriscando um desastre financeiro para seus constituintes e para o país”.

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McCarthy, o líder da minoria na Câmara Hakeem Jefferies, o líder da maioria no Senado Chuck Schumer e o líder da minoria no Senado Mitch McConnell se reunirão com Biden na Casa Branca esta tarde para uma discussão sobre o prazo iminente do teto da dívida  Foto: Shawn Thew/EPA/EFE

Uma inadimplência pode ocorrer mais cedo do que o esperado porque as receitas fiscais estão chegando aos cofres do governo apenas no próximo mês. O ritmo lento se deve em parte a uma decisão do Internal Revenue Service, a Receita Federal americana, de dar aos contribuintes em Estados que foram afetados pelo clima severo mais tempo para declarar seus impostos de 2022.

O limite da dívida foi introduzido pela primeira vez em 1917, como forma de dar flexibilidade ao governo para arrecadar dinheiro durante a Primeira Guerra Mundial. Em teoria, isso dá ao Congresso uma maneira de manter certo controle sobre os gastos do Executivo.

Mas as brigas por causa do teto da dívida tornaram-se cada vez mais tumultuadas, com maior polarização política. A dívida dos EUA disparou, praticamente dobrando em uma década. O teto da dívida sempre foi uma moeda de barganha política. A briga de 2011 sobre o limite da dívida foi resolvida quando o então presidente Barack Obama concordou com cortes de gastos exigidos pelos republicanos no valor de mais de US$ 900 bilhões — e o limite da dívida foi aumentado em um valor semelhante.

Alguns republicanos estão pressionando por cortes de gastos novamente agora — mas desta vez os democratas rejeitam a ideia.

A decisão renovou as questões sobre como o governo federal pode tentar priorizar certos pagamentos se ficar sem dinheiro, se Biden poderia ignorar totalmente o limite da dívida e ordenar que o Departamento do Tesouro continue a contrair empréstimos e se ideias heterodoxas como a cunhagem de uma moeda de US$ 1 trilhão poderia de fato ser viável.

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A secretária do Tesouro, Janet Yellen, disse na segunda-feira que, se o limite da dívida não for aumentado, Biden terá que decidir como proceder. “Eu diria que se o Congresso não aumentar o teto da dívida, o presidente terá que tomar algumas decisões sobre o que fazer com os recursos que temos”, disse Yellen à CNBC. “E há uma variedade de opções diferentes, mas não há boas opções.”

Ela acrescentou que deixar de aumentar ou suspender o limite da dívida seria uma “catástrofe econômica” e atacou os republicanos por manterem a economia como refém. “É uma arma apontada para a cabeça do povo americano e da economia americana”, disse Yellen.

Biden e McCarthy terão a companhia do senador Chuck Schumer, de Nova York, líder da maioria democrata no Senado, e do senador Mitch McConnell, de Kentucky, líder da minoria republicana. Yellen está viajando para o Japão para uma reunião de ministros do Grupo dos 7 países e não participará da reunião na Casa Branca.

O governo Biden e os legisladores estão sob pressão crescente de grupos empresariais para encontrar uma maneira de evitar um calote. “Um calote representaria um duro golpe para a economia, levando a perdas generalizadas de empregos, dizimando aposentadorias e maiores custos de empréstimos para famílias, empresas e governo”, disse Joshua Bolten, diretor-executivo da Business Roundtable. “Não aumentar o limite da dívida também ameaçaria o papel central do dólar americano no sistema financeiro global em benefício da China.”

Ele acrescentou: “Garantir um caminho bipartidário para aumentar o teto da dívida não poderia ser mais urgente”./NYT, W.POST e AP

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