ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - No último dia de campanha presidencial na Argentina, o candidato libertário, Javier Milei, decidiu fazer seu evento de encerramento ao lado de Patricia Bullrich na cidade de Córdoba, na província de mesmo nome. Seu adversário, o peronista Sergio Massa, fez suas últimas caminhadas por escolas e universidades da capital Buenos Aires, na tentativa de alcançar os jovens.
As escolhas não foram aleatórias. Se no primeiro turno as eleições chacoalharam o país de norte a sul, as campanhas para o segundo turno foram bastante focadas nesses dois eleitorados, que serão fundamentais para decidir a eleição. Só na cidade de Buenos Aires estão 2,5 milhões de eleitores, ou 7,16% do eleitorado argentino. Já a província inteira de Córdoba, com seus 3 milhões de eleitores, tem 8,66% do eleitorado total.
Mas, para além dos números, esses dois locais concentram dois eleitorados que são imprevisíveis neste segundo turno: em Córdoba estão aqueles que votaram em Juan Schiaretti, o governador local, da coalizão Hacemos por Nuestro País; e na capital estão os apoiadores de Bullrich e onde Milei foi apenas a terceira força.
Na capital federal, a candidata do Juntos pela Mudança levou 41% dos votos, contra 32,7% de Sergio Massa e 19,8% de Javier Milei. No segundo turno, Bullrich e o o líder de sua coalizão, o ex-presidente Mauricio Macri, declararam apoio a Milei, em uma intenção de migrar a maioria dos 6 milhões de votos totais que a macrista recebeu.
Mas a Cidade Autônoma de Buenos Aires tem uma característica particular, o que faz com que essa migração não seja tão óbvia. Há 16 anos a cidade elege um dos partidos que compõe o Juntos pela Mudança e é conhecida por ser um bastião da oposição. Desde 1996, ano em que a cidade ganhou o status de autônoma, a única vez em que um peronista a comandou foi de 2005 a 2007, quando Jorge Telerman, do partido Justicialista, liderou a cidade. Mas, em 2021, Telerman migrou para o Juntos pela Mudança, em um arranjo chamado Peronismo Republicano.
A forte característica anti-peronista da capital é o que explica esse apoio tão forte ao macrismo, em contradição com as cidades vizinhas da Grande Buenos Aires. Mas ali também parece haver uma grande rejeição a Milei, já que ele terminou em terceiro, atrás do peronismo.
“A cidade de Buenos Aires votou em Macri ‘50 vezes’, mas existe uma questão meio anti-ultradireita dos setores menos urbanos da cidade, e creio que é aí que Massa pode fazer uma boa eleição, como já fez no primeiro turno”, avalia o cientista político Pablo Touzon. “Na cidade de Buenos Aires, Massa deve receber muitos votos de um setor muito mobilizado na cidade que é mais progressista.”
Apoio de Bullrich e Macri
Este respaldo de Bullrich promete também dar força à Milei, especialmente porque ele adotou parte da bandeira do partido Proposta Republicana (PRO), cabeça do Juntos pela Mudança. Juntos, Milei, Bullrich e Macri abraçaram o anti-kirchnerismo, que tem adesão na cidade.
“Milei, mesmo ficando em terceiro, com esse acordo com Patricia Bullrich e Mauricio Macri pode melhorar seus números em Buenos Aires porque ele apresenta esse acordo como parte de uma proposta de dirigentes que têm grande aceitação no eleitorado portenho e onde cai muito forte a agenda da anticorrupção, que era uma mensagem do Juntos pela Mudança”, afirma Facundo Cruz, diretor do observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires.
Jose Renik, 60, representa o forte voto anti-peronista que existe em Buenos Aires. O dono de uma banca de jornal no bairro de Recoleta tem horror a Sergio Massa e diz não enxergar um país no mundo onde a esquerda tenha trazido coisas boas. “Eu voto em qualquer um, menos no Massa”, afirma. “O peronismo morreu há 70 anos, quando surgiu”.
No entanto, o fato de Milei ter ficado em terceiro lugar na cidade não pode ser desprezado e, frente ao enorme aparato peronista, não é absurdo considerar que parte dos votos de Bullrich vá para Massa - como aconteceu no primeiro turno, em que votos da oposição migraram para o peronismo. Ou então se torne um voto em branco ou ausente.
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Maria Chavez, 70, votou em Patricia Bullrich nas eleições primárias e no primeiro turno, mas em um segundo turno entre Massa e Milei disse que definitivamente não vai votar. “Pela idade, não sou mais obrigada”, afirma. Sua maior preocupação é pela agenda de segurança que trazia a então candidata, que foi ministra de Segurança de Macri. “Claro que me preocupo com a economia, mas o tema das drogas está terrível”.
“É estranho o caso Milei na cidade de Buenos Aires, porque ele surge na cidade em 2021, foi candidato aí. Porém, apesar de ser de origem portenha, a fórmula de Milei se torna muito mais do interior dois anos depois. Ou seja, ele nasce em Buenos Aires, mas dois anos depois ele sai em terceiro, enquanto no interior saiu primeiro em muitos lugares. É curioso”, afirma Touzon.
O que é consenso é que a decisão final será da capital em conjunto com suas vizinhas da Grande Buenos Aires. “Toda a área metropolitana de Buenos Aires, juntando Grande Buenos Aires e a capital, tem sido o epicentro da disputa política da última década e meia”, observa Facundo Cruz. “Não só porque muitos dos dirigentes nacionais saíram desta região, mas porque os temas que se discutem na esfera nacional saem desta área. O tema de subsídios ao transporte, energia, ao gás, etc.”
Não à toa, o foco da campanha de Sergio Massa tem sido a cidade, bem como as cidades do entorno, onde está o histórico eleitorado peronista. Quem caminha por Buenos Aires vê uma intensa campanha que tenta alertar o “custo” de eleger Milei, com comparações nos preços dos transportes e energia caso seja eleito um ou outro candidato.
“De alguma forma, a concentração do eleitorado nesta região do país também faz com que seja uma agenda de debate público quando há eleições”, completa Cruz.
A peronista anti-kirchnerista Córdoba
Outro campo de batalha decisivo será Córdoba, onde Milei encerrou sua campanha na última quinta-feira, 16. Ali, Juan Schiaretti levou 29% dos votos, atrás apenas de Milei. Ao todo, o governador da província obteve 1,7 milhão de votos, se tornando um candidato com votos cobiçados.
Schiaretti é peronista. Com isso, pode parecer óbvio que seus votos migrem para Massa. Mas ele é um peronista anti-kirchnerista, tornando seu eleitorado um caso à parte. “Códoba é muito importante e é como a Catalunha argentina, uma espécie de região muito autônoma, com um peronismo que sempre foi muito refratário ao kirchnerismo”, afirma Pablo Touzon.
“E aí está Schiaretti, que teve uma candidatura presidencial muito boa, onde tirou 7 pontos neste contexto tão difícil. E Córdoba sempre foi um caso particular, que votava nas eleições nacionais em Macri, mas nas locais votava no peronismo. Então, o que (os candidatos) têm de fazer é somar os votos de Schiaretti, que é um voto peronista, mas que acabou se enfrentando com eles”, completa.
Esta foi a primeira vez que o Hacemos por Nuestro País, braço nacional de Hacemos Unidos por Córdoba, competiu nas eleições presidenciais e seu resultado foi considerado muito bom para uma primeira tentativa. Schiaretti foi apontado como um destaque positivo dos dois debates do primeiro turno, tornando-se uma candidatura viável para o futuro.
O governador optou por se manter neutro neste segundo turno. Em alguns momentos, disparou contra o que chamou de “governo kirchnerista de Sergio Massa”, mas também negou quando a coalizão A Liberdade Avança disse que ele havia dado respaldo a Milei.
Massa também viajou a Córdoba no início do mês, mas os números não lhe são favoráveis. Nas eleições primárias, não chegou a receber nem 7% dos votos na província. No primeiro turno conseguiu crescer um pouco, para 13%, mas ficou em quarto lugar, à frente apenas de Myriam Bregman, da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores.
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