Caças F-16 para a Ucrânia: treinamento de pilotagem para ucranianos enfrenta atrasos e incerteza

Cronograma reflete desconexão entre os planos de Kiev e das nações aliadas da Ucrânia na guerra

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Por Isabelle Khurshudyan, Emily Rauhala e Missy Ryan

KIEV, Ucrânia — O primeiro grupo de seis aviadores ucranianos a receber treinamento de pilotagem de caças de combate F-16 deverá concluir o programa apenas no segundo semestre do próximo ano, informaram autoridades do governo e oficiais militares da Ucrânia, após uma série de atrasos dos parceiros ocidentais na implementação de um curso de instrução para pilotar as sofisticadas aeronaves.

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O cronograma reflete uma desconexão entre os apoiadores da Ucrânia, que classificam os F-16 como uma ferramenta crucial para a defesa do país a longo prazo, e Kiev, que tem pedido desesperadamente que os jatos entrem na batalha o quanto antes, considerando-os um armamento crítico para os atuais combates contra da forças de ocupação da Rússia.

O presidente Joe Biden, depois de negar pedidos pelos caças por mais de um ano, mudou de posição em maio e afirmou que apoia a ideia de treinar aviadores ucranianos para pilotar os jatos manifestando apoio à transferência de caças de outros países. Dinamarca e Países Baixos se voluntariaram para liderar o esforço de treinamento, gerando esperanças entre as autoridades em Kiev de que os aviões estariam defendendo o espaço aéreo ucraniano a partir de setembro.

Caças F-16 da Força Aérea Portuguesa e da Força Aérea Romena estacionados na Base Aérea de Siauliai, na Lituânia. Ucrânia pressiona entrega de aeronaves para aumentar ofensiva contra Rússia Foto: Piroschka van de Wouw/Reuters - 04/07/2023

Foi um teatro familiar entre a Ucrânia e seu principal apoiador militar, os Estados Unidos, que recusavam seguidamente os pedidos ucranianos até finalmente anuir numa data posterior.

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Mas depois do início do treinamento ser adiado várias vezes, a Ucrânia agora provavelmente terá de resistir a mais um ano sem os caças de combate, que, segundo preveem as autoridades de Kiev, proveriam uma vantagem militar significativa em meio a uma contraofensiva arrastada e ajudariam a proteger melhor os cidadãos ucranianos contra os constantes ataques russos de mísseis e drones.

Ao mesmo tempo que o governo Biden promete continuar o atual apoio à iniciativa liderada pelos europeus, autoridades descrevem um esforço de treinamento que decola gradualmente. Em meados de julho, o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, afirmou que Washington forneceria o apoio “assim que os europeus estiverem preparados”.

A ansiedade das autoridades ucraniana sublinha tensões atuais entre Kiev e seus apoiadores em relação à melhor maneira de posicionar a Ucrânia para vencer uma força russa muito maior e mais bem armada. E também evidencia divisões entre esses mesmos apoiadores, conforme um pequeno número de aliados europeus pressiona para que os ucranianos contem com o máximo possível de recursos para sua defesa; e o governo Biden, que é de longe o maior doador de equipamentos militares para a Ucrânia, avalia cautelosamente seus próximos passos.

O comandante das Forças Armadas ucranianas, general Valeri Zaluzhni, tem criticado os parceiros ocidentais afirmando que eles esperam que as forças ucranianas conduzam uma contraofensiva em grande escala sem poder aéreo. Sem caças de combate como os F-16, afirmam as autoridades da Ucrânia, suas forças não têm como competir nos céus.

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Soldados ucranianos nas linhas de frente afirmam que helicópteros russos em voos rasantes têm obtido sucesso em atacar suas posições terrestres, em parte porque a Ucrânia é incapaz de enfrentá-los com força aérea.

Apenas seis pilotos, aproximadamente meio esquadrão, passarão pelo primeiro ciclo de treinamento, de acordo com duas autoridades ucranianas, que falaram sob condição de anonimato para tratar de um tema sensível. Dois outros pilotos foram identificados como candidatos reserva.

Treinamento inclui aulas de inglês

Apesar dos pilotos já serem fluentes em inglês, afirmaram as autoridades, eles devem primeiro frequentar quatro meses de aulas de língua inglesa no Reino Unido para aprender a terminologia associada aos jatos. Essa instrução ocorrerá juntamente com equipes de solo que podem ter menos proficiência em inglês porque, de acordo com autoridades ucranianas, a Dinamarca pediu que equipes inteiras sejam treinadas juntas em vez de apenas os pilotos. O Ministério da Defesa dinamarquês recusou-se a comentar.

Isso atrasa o início do treinamento de combate, que deverá levar seis meses, para janeiro, segundo as autoridades ucranianas. Um segundo grupo aproximadamente do mesmo tamanho estaria pronto seis meses depois disso, já próximo do fim de 2024.

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“O nome disso é atrasar as coisas”, afirmou uma outra autoridade ucraniana. Ambas autoridades ucranianas afirmaram estar relutantes em parecer críticas demais aos seus benfeitores americanos e europeus por temer parecer ingratas.

Outros 20 pilotos ucranianos estão prontos para aprender inglês, afirmaram autoridades americanas, acrescentando que a maioria dos melhores aviadores da Ucrânia deverá permanecer no país, onde realizam missões em caças da era soviética e disparando mísseis SCALP, franceses, e Storm Shadow, britânicos.

Caça JAS 39 Gripen da Força Aérea Sueca decola de base aérea em Kallinge, sul da Suécia, em imagem de 2021. País nórdico também cogita envio de caças para auxiliar Ucrânia Foto: Patric Soderstrom/TT News Agency via AP

O brigadeiro-general Serhii Holubtsov, chefe de aviação da Força Aérea ucraniana, disse ao Washington Post que, entre as missões, os pilotos ucranianos têm frequentando aulas de inglês há um ano.

“Treinamento especializado adicional será fornecido para equipes aéreas e terrestres a respeito da terminologia necessária para o treinamento em F-16″, afirmou Holubtsov. “Não foi possível treinar pilotos e técnicos dentro da Ucrânia nessa terminologia em razão da falta de experiência com os termos.”

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Holubtsov afirmou que, em razão dos pilotos selecionados já possuírem um alto nível de inglês genérico, aprender as terminologias adicionais “não levará muito tempo”.

Holubtsov ressaltou que jatos F-16 são equipados com radares poderosos, que podem permitir à Ucrânia identificar mais alvos e combater com mais eficácia aviões, mísseis e drones inimigos do que a atual frota ucraniana de caças de combate, que inclui jatos MiG-29 e Su-27 da era soviética. A Ucrânia também seria capaz de acionar mísseis antinavio Harpoon fornecidos pelos britânicos dos jatos F-16 — uma capacidade aérea que Kiev não possui atualmente, afirmou Holubtsov — para atingir embarcações da Marinha russa, que lança mísseis regularmente do Mar Negro.

Mísseis de alta velocidade antirradar, ou HARMs, que os EUA enviaram para a Ucrânia no ano passado, também seriam lançados de caças F-16, afirmou Holubtsov. “Eles já estão familiarizados com o uso de jatos MiG-29, mas por um problema no sistema de mira sua eficácia é significativamente limitada”, afirmou ele.

Os jatos soviéticos da frota ucraniana têm ogivas teleguiadas parcialmente ativas, o que significa que seus mísseis devem voar em linha reta na direção de seu alvo até atingi-lo. Isso torna a missão muito perigosa para os pilotos, afirmou ele.

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EUA veem efeitos de caças à longo prazo

Mesmo enquanto o governo de Volodmir Zelenski clama por assistência imediata para incrementar seu poder aéreo, autoridades nos EUA têm articulado uma visão muito diferente para os F-16. Elas descrevem a aeronave como uma ferramenta que, em vez de alterar o cálculo nos campos de batalha da atual operação da Ucrânia no leste e no sul do país, desempenhará um papel proeminente na transformação de Kiev em uma potência regional bem armada e efetivamente capaz de dissuadir a Rússia.

“Os F-16 expressam nosso comprometimento a longo prazo com a Ucrânia e são uma capacidade que não será relevante na atual contraofensiva”, afirmou o brigadeiro-general Patrick Ryder, secretário de imprensa do Pentágono. Ele citou a ajuda em segurança que os EUA têm oferecido desde a invasão de fevereiro de 2022 — que atualmente ultrapassa US$ 40 bilhões em mísseis, equipamentos de neutralização de minas e defesas antiaéreas — e afirmou que Washington apoiará seus aliados na tentativa de montar o treinamento de pilotagem de F-16 o mais rapidamente possível.

“Nós reconhecemos plenamente o duro combate que a Ucrânia empreende para defender seu país e por este motivo continuamos a fornecer ativamente assistência de segurança vital para a atual situação de batalha”, afirmou Ryder.

O F-16 monomotor, que foi lançado nos anos 70 e tem sido atualizado repetidamente, é um caça de combate cobiçado por aliados dos EUA em todo o mundo. Cerca de 3 mil jatos, que são capazes de voar a mais de 2.400 km/h estão em operação globalmente, de acordo com a Lockheed Martin, a empresa fabricante da aeronave.

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Conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, fala durante coletiva de imprensa diária na Casa Branca em Washington, em 24 de abril. Autoridades veem oferta de caças à Ucrânia como plano para transformar país militarmente Foto: Jim Watson / AFP

A Ucrânia pede caças de combate aos aliados desde os primeiros dias da invasão russa, mas a iniciativa só ganhou tração na primavera (Hemisfério Norte) deste ano.

“Nós sempre demos o que eles precisaram na hora certa”, afirmou Michael Clarke, professor visitante do departamento de estudos da guerra da King’s College London. “Agora nós poderemos estar lhes dando o que eles precisam tarde demais.”

A mudança de posição de Biden, em maio, após meses em que as autoridades americanas insistiram que os jatos não eram necessários naquele estágio da guerra, ocorreu em meio a uma intensificação na pressão de legisladores americanos e autoridades ucranianas e europeias.

Na cúpula da Otan, em julho, autoridades dinamarquesas e holandesas anunciaram que outros nove países — Reino Unido, Bélgica, Canadá, Luxemburgo, Noruega, Polônia, Portugal, Romênia e Suécia — ajudariam e que o treinamento começaria em agosto.

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Mas, com agosto quase na metade, é evidente que os planos ainda estão em formulação. Dinamarca e Países Baixos hesitam em informar objetivos específicos, escalas ou cronogramas do esforço.

O Ministério da Defesa dinamarquês recusou-se a responder quanto o programa deverá durar e outras perguntas relacionadas a possíveis atrasos. O governo holandês trabalha com autoridades romenas no estabelecimento de um centro de treinamento da Romênia, mas autoridades americanas afirmaram que isso levará tempo.

Um porta-voz do Ministério da Defesa holandês, o tenente-coronel Mark van de Beek, disse que detalhes ainda estão sendo acertados.

Um desafio crítico, afirmou Van de Beek, é a falta de treinadores de pilotagem de F-16 na Europa. Os Países Baixos, por exemplo, estão no processo de transição para os mais avançados F-35, o que afastou o foco de seus treinamentos dos F-16.

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“Para treinar pilotos de caça são necessários pilotos de caça”, afirmou Van de Beek. “Isso é caro e uma capacidade que países mais pequenos não possuem mais.” Ele enfatizou que treinar um aviador para pilotar um F-16 em combate é uma tarefa complexa, que deve ser cumprida passo a passo. Ele comparou o processo a aprender a dirigir um carro: “Primeiro você tem de saber usar os piscas”, afirmou ele, “depois você aprende a fazer baliza”.

Mas da mesma forma que estacionar um carro não ensina ninguém a dirigir, fazer um F-16 decolar em um treinamento não capacita ninguém para a batalha, afirmou ele. O treinamento de combate é o passo final.

Autoridades da Ucrânia têm perguntado por que os EUA, com uma equipe muito maior de treinadores, não treinam os ucranianos na Base da Força Aérea de Luke, no Arizona, onde mais de 400 aviadores americanos são treinados anualmente para pilotar caças. O programa dura sete meses.

Ucranianos foram treinados para operar os sistemas de defesa antiaérea Patriot de fabricação americana em uma base do Exército dos EUA em Oklahoma este ano. O baixo número de ucranianos sendo treinados em cada ciclo se deve à falta de treinadores para atender grupos maiores, afirmou uma autoridade ucraniana.

Autoridades americanas, enquanto isso, afirmam que a Ucrânia apresentou somente oito pilotos para o treinamento até aqui. Uma autoridade americana que falou sob condição de anonimato para oferecer um relato sincero a respeito do esforço de treinamento afirmou que o governo Biden recebeu recentemente a lista com os nomes dos pilotos.

“A Ucrânia tem poucos pilotos prontos para iniciar o treinamento e cerca de duas dúzias mais de pilotos que Kiev disse precisar de mais treinamento em língua inglesa antes poder progredir”, afirmou a autoridade.

Esses baixos números levantaram dúvidas em Washington a respeito de quão preparados os ucranianos estão para lançar um programa tão ambicioso em meio a uma luta existencial.

Ainda que o governo dos EUA tenha afirmado que se movimentarão rapidamente para aprovar as transferências de jatos dos países aliados para a Ucrânia uma vez que esses pactos forem acertados, conforme exigido pela legislação americana, Washington não sinalizou se pretende conduzir treinamentos de pilotagem de F-16 para os ucranianos em solo americano no futuro.

A autoridade americana sublinhou que as nações europeias — ao contrário do que ocorre em muitas das outras iniciativas em torno do apoio ocidental à Ucrânia — estão liderando o esforço de treinamento de pilotagem de F-16. “Nós deixamos claro que estamos dispostos a considerar uma série de opções de assistência”, afirmou a autoridade.

O Reino Unido, que não opera caças F-16, planeja fornecer treinamento em terra e treinamento fundamental de voo de combate para os pilotos ucranianos, transmitindo conhecimentos que servirão de base para treinamentos mais especializados dos holandeses e dinamarqueses. Uma autoridade do Reino Unido afirmou que o governo de seu país ofereceu treinar pilotos ucranianos em caças Typhoon, os jatos bimotor usados pela Força Aérea britânica, mas Kiev preferiu optar pelos F-16.

Como os EUA, o governo britânico considera os F-16 parte de um esforço a longo prazo para desenvolver o poderio militar da Ucrânia.

Apesar do treinamento de combate dos pilotos ucranianos mais experientes dever durar seis meses, os aliados ocidentais propuseram uma outra via, para o treinamento de pilotos novatos, que duraria mais de dois anos, incluindo aulas de inglês. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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