Em outubro do ano passado, o venezuelano Pablo Hernández Borges, 38, dirigiu durante seis horas até Dallas, no Texas, para votar em María Corina Machado nas eleições primárias da Venezuela. Nas presidenciais de julho, porém, ele não poderá votar, nem nenhum outro venezuelano nos Estados Unidos, porque não há mais embaixadas no país. Ir para o México ou Canadá não é uma opção, por causa dos entraves para votar no exterior impostos pelo regime chavista. Dentro da Venezuela a situação não é muito diferente.
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A ditadura de Nicolás Maduro vem dificultando o registro de eleitores tanto dentro da Venezuela quanto com os 7,7 milhões de refugiados que fugiram do país nos últimos anos. Em meio a uma aprovação em queda, o governo reduziu os postos e o prazo de registro de novos eleitores, enquanto no exterior exige passaporte vigente e residência permanente em um contexto em que a maioria dos emigrados são refugiados ou solicitantes de asilo. No país, o voto não é obrigatório.
“Eu tive que gastar do meu dinheiro, aluguei um carro, paguei um hotel, paguei a gasolina e fui um fim de semana votar [nas primárias], porque isso é algo muito incutido em nós, os venezuelanos, de participar e votar”, afirma Borges, que é cientista político e professor no Texas. “Sempre votamos na minha casa, isso sempre foi uma atividade familiar para nós, meus avós, meus pais, de ir e votar”.
Entraves
O caso dos EUA, onde vivem mais de 500 mil venezuelanos - sem contar os milhares que chegaram irregularmente nos últimos dois anos - é o mais dramático. O país não tem relações diplomáticas com a Venezuela desde 2019 depois da reeleição contestada de Maduro. Portanto, a embaixada venezuelana e os consulados no país não estão disponíveis para votação. Mas está longe de ser o último caso.
O governo passou a exigir passaporte venezuelano vigente e residência permanente no país para fazer o registro de eleitores, uma regra que não tem respaldo na Constituição nem na lei eleitoral, que sugere apenas status migratório legal e cédula de identidade.
A lei venezuelana permite que os cidadãos votem nas embaixadas e consulados. Os eleitores interessados devem estar devidamente registrados com o seu endereço no estrangeiro e não podem viver ilegalmente no país de acolhimento ou estar em solicitação de refúgio ou asilo, o que por si só já reduz significativamente o número de pessoas que podem registrar-se.
“Desde 2012, houve uma modificação na lei eleitoral venezuelana e passou a ser exigido o caráter migratório regular ou permanente. Naquela época, a crise migratória venezuelana estava apenas começando, mas só foi solicitado a cédula de identidade, não importando se estava válida ou não, e o status migratório regular”, explica Wanda Cedeño, advogada e coordenadora da organização Voto Joven, que busca atrair jovens eleitores na Venezuela.
“Nossa lei eleitoral, em muitos aspectos, possui ambiguidades, mas além disso, existem lacunas legais. E o Conselho Nacional Eleitoral aproveita isso para resolver com decisões próprias”, completa.
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Atrasos e filas
Durante o período de registro deste ano, mesmo aqueles que possuem residência temporária nos países de acolhida foram recusados pelos funcionários consulares porque os postos diplomáticos exigem prova de residência permanente.
“Minha esposa está fazendo um doutorado nos EUA. Ela não tem residência permanente, tem residência estudantil. Ela quer votar, mas não pode porque não tem residência permanente”, exemplifica o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano Carlos Medina, que denuncia o cerco cada vez maior da ditadura chavista ao direito ao voto.
“Não é só o direito a ser votado que foi restringido, também se tem restringido o direito a votar”, afirma em referência ao caso de María Corina que teve sua candidatura impedida por inabilitação jurídica. Também foi bloqueada, sem justificativa, a candidatura de sua substituta, Corina Yoris, o que jogou a oposição em um limbo. No fim, foi definido o nome de Edmundo González Urrutia como candidato opositor.
Em outras embaixadas, venezuelanos denunciaram atrasos no início do processo de registro e longas filas para atendimento. Foi o caso da embaixada venezuelana em Buenos Aires, onde o período de registro só começou em 3 de abril, quando deveria ter começado em 18 de março.
“Isso nos deixou apenas 10 dias para conseguirmos fazer o registro, porque em 16 de abril este operativo especial foi finalizado e não aceitaram o pedido que fizemos para prorrogar o processo”, conta Charbel Najm, vice-presidente da organização Alianza por Venezuela, que auxilia migrantes venezuelanos na Argentina.
“Conseguimos documentar na embaixada diariamente mais de 100 pessoas na fila esperando. Mas a embaixada impôs um procedimento extremamente lento, demorava 20 minutos para atender uma pessoa e colocavam listas de atendimento de no máximo 40 ou 50 pessoas por dia”, relata. Representações diplomáticas no Peru e na Espanha também reportaram atrasos e filas.
A maioria das pessoas que deixou a Venezuela na última década se estabeleceu em outros países da América Latina e do Caribe. A Colômbia abriga o maior contingente deles, com mais de 2,8 milhões vivendo em todo o país, e foi o palco de um dos entraves mais controvertidos.
Ali os venezuelanos reportaram a recusa dos funcionários consulares em aceitar a sua Autorização de Proteção Temporária – um documento emitido pelo governo colombiano que lhes dá acesso ao sistema de saúde, à educação e ao emprego – como prova de status legal. O documento comprova regularidade, mas não servia por não ser moradia permanente.
Menos locais de registro
A barreiras também foram observadas dentro da Venezuela, com eleitores jovens lutando para fazer o seu primeiro registro eleitoral - que seria semelhante ao processo para tirar o título de eleitor no Brasil.
Segundo dados do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) levantados pelo Observatório Eleitoral Venezuelano, ONG de observação com sede em Caracas, em 2012, nas eleições que declararam Hugo Chávez presidente pela quarta vez consecutiva, havia mais de 1300 pontos de registros de eleitores, e o período para inscrição foi de oito meses.
Já na eleição seguinte, que foi vencida por Nicolás Maduro em um contexto de baixa participação eleitoral e boicote por parte da oposição, os pontos de registros caíram em mais da metade: foram 531 com um período apertado de 25 dias. Esse ano, foram 315 os centros de registros habilitados com um prazo de inscrição de 30 dias, que se encerrou no último dia 16 de abril.
“O Conselho Nacional Eleitoral não fez os esforços necessários para criar uma infraestrutura para atender às pessoas que precisam se registrar pela primeira vez ou que precisam se mudar de uma cidade para outra para poder votar nas eleições de julho”, observa Carlos Medina.
De acordo com as leis eleitorais, toda pessoa com mais de 18 anos pode se registrar no CNE como eleitor. Mas caso mude de residência e precise votar em outra cidade, este cadastro precisa ser atualizado.
“O problema é que houve uma grande movimentação tanto de venezuelanos que estavam na Venezuela e saíram quanto de venezuelanos que viviam no interior do país e foram para as capitais, especialmente para Caracas. E isso exige que você vá a um escritório do CNE para atualizar os seus dados”, explica.
Com o baixo número de escritórios de registro de eleitores, bem como denúncias de atraso no início do processo de inscrição e enormes filas nos postos, partidos da oposição pediram o adiamento do prazo para registro, o que não foi atendido.
Jovens ficam de fora
Com 335 municípios na Venezuela, o observatório denunciou que alguns haviam ficado sem postos de registro, o que prejudicava tanto migrantes internos quanto jovens que pretendiam votar pela primeira vez.
“Notamos que havia pontos itinerantes sem a localização exata, não foram fornecidas informações suficientes para os cidadãos. Nós que somos observadores tivemos dificuldades em localizar os pontos de atualização nas nossas próprias cidades”, afirma Medina.
Na quarta-feira, 17, o CNE informou que quase 605 mil venezuelanos se inscreveram para votar e outros 848 mil mudaram sua residência de voto, sem especificar se esses números são apenas de dentro da Venezuela, do exterior ou de ambos.
“É preciso destacar que atualmente na Venezuela há uma enorme lacuna de jovens que não estão inscritos no registro eleitoral, de cerca de 3,5 milhões de pessoas”, observa Wanda Cedeño. “Com esses dados do CNE, esta lacuna se reduziria um pouco para 2,9 milhões de jovens que não estão inscritos, mas continua sendo igualmente um número bastante significativo de jovens que ficaram de fora e que não vão ter voz para poder participar deste processo”, afirma a advogada.
“Mas ainda é um número importante porque se analisarmos a quantidade de novos eleitores inscritos em processos anteriores, que tinham maior extensão temporal e geográfica, nos damos conta de que esses números eram mais baixos. Mais de 600 mil jovens inscritos em 30 dias com uma jornada com grandes insuficiências, é um número bastante grande e sobretudo fala da necessidade que demonstram os jovens venezuelanos de se inscrever e participar das eleições”, completa.
Entre as denúncias de irregularidades recebidas pela Voto Joven, Cedeño lista: falta de informações sobre pontos móveis de registro, pouca ou nenhum campanha comunicacional, negativas para receber o comprovante de inscrição - única prova que o eleitor teria de que foi inscrito a tempo para esta jornada eleitoral -,informações conflitantes no documento, até falta de luz nos locais de registro o que impedia o uso das máquinas.
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