Câmara da Argentina aprova pacote de reformas de Javier Milei

Governo celebra aprovação e diz que espera contar com a mesma ‘grandeza’ na semana que vem, quando os deputados vão debater cada um dos mais de 380 artigos individualmente

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Foto do author Jéssica Petrovna
Atualização:

A Câmara da Argentina aprovou a chamada “Lei Ônibus”, o pacote de reformas políticas e econômicas de Javier Milei após uma maratona de 30 horas de debates e discussões acaloradas que se arrastava desde que a quarta-feira, 31. Os deputados ainda devem discutir cada um dos mais de 380 artigos individualmente a partir da próxima terça-feira.

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Apesar de A Liberdade Avança, o partido de Milei, ter apenas 38 dos 257 deputados, o governo conseguiu ultrapassar com folga a marca dos 129 votos necessários para passar a “Lei Ônibus” com apoio da oposição dialoguista. Foram 144 votos a favor do projeto e 109 contrários. Para isso, a Casa Rosada teve que abrir mão de quase metade dos 664 artigos que eram previstos originalmente, quando o texto foi enviado ao Congresso.

“A história se lembrará com honra de todos aqueles que compreenderam o contexto histórico e decidiram acabar com os privilégios da casta e da república corporativa em favor do povo, que foi empobrecido e levado a fome durante anos pela classe política”, celebrou o gabinete de Javier Milei nas redes sociais acrescentando que espera contar com a “mesma grandeza” na votação individual dos artigos para que a redação final siga para o Senado.

O sociólogo e analista político argentino Carlos de Angelis afirma que para além da aprovação dessa versão desidratada da “Lei Ônibus”, Javier Milei conseguiu mostrar uma capacidade de governabilidade, que era dúvida desde o início do mandato. “Desde que Milei foi eleito, havia o debate se ele poderia superar os obstáculos sem um bloco (legislativo) importante e sem acordos formais porque incorporar Patrícia Bullrich no governo não é um acordo formal de governabilidade”.

De Angelis pondera, no entanto, que o capítulo fiscal, necessário para garantir a meta de déficit zero, foi sacrificado nesse processo. “O que poderia gerar receita no curto prazo foi suspenso. E havia problemas técnicos na redação”, afirma.

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“A questão é se pode ser incorporado na votação artigo por artigo, se o governo terá algum novo acordo para reintroduzir alguns pontos do capítulo fiscal que é fundamental, especialmente porque o acordo está em discussões com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a grande aposta do governo é atingir o déficit zero ainda em 2024. Ninguém entende, ninguém vê com clareza como isso seria alcançado sem essas ferramentas”, acrescenta.

Câmara dos Deputados da Argentina no terceiro dia da "maratona" de votação da "Lei Ônibus". Foto: REUTERS / Agustin Marcarian

Depois de abandonar o capítulo fiscal, o governo chegou a dizer que não faria novas concessões, mas voltou a ceder em alguns dos pontos considerados mais sensíveis do projeto. A Casa Rosada reduziu o número de empresas estatais que serão privatizadas e os poderes extraordinários que o Executivo busca para passar reformas futuras sem o Congresso.

Ainda assim, o terceiro dia de sessão foi marcado por intensas negociações acerca do imposto Para uma Argentina Inclusiva e Solidária (PAIS), que incide sobre transações em moeda estrangeira. As províncias pressionaram por uma fatia do imposto e deputados de Córdoba ameaçaram reduzir o apoio às declarações de emergência que ampliam os poderes de Javier Milei.

O governo, por outro lado, pediu que a discussão fosse deixada para depois da “Lei Ônibus”. No fim da tarde, o ministro do Interior Guillermo Francos foi à Câmara e se reuniu com um grupo de deputados da oposição dialoguista para destravar a negociação.

“Agora vem a parte mais importante, que será a discussão ponto a ponto, porque vários dos artigos podem cair por não terem maioria”, alerta o cientista político argentino Carlos Fara entrevista ao Estadão. “Foram cometidos erros políticos e de negociação pelo caminho, mas o governo tem um incentivo para enfrentar as próximas sessões de maneira diferente”, acrescentou.

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Depois da tensa maratona de votações na Câmara, o texto ainda precisará passar pelo Senado, onde o governo tem apenas sete dos 72 senadores. Mesmo sendo minoria, a Casa Rosada espera contar com as mesmas alianças que garantiram a aprovação entre os deputados.

Para Carlos Fara, o governo poderá ver a lei ser ainda mais desidratada pelos senadores. “Milei também pode encontrar uma dor de cabeça no Senado, que pode querer fazer modificações, o que significa que a lei teria que voltar para a Câmara dos Deputados, resultando em perda de tempo para o governo e, ao perder tempo, ele obviamente perde poder”, concluiu.

Pressão pela votação

Mais cedo, na reta final dos debates, Javier Milei pressionou pela votação e disse que os deputados têm a oportunidade de mostrar em que lado da história querem ficar.

“O governo escutou as posições das diferentes forças políticas e exige responsabilidade e celeridade na votação”, afirma a nota do gabinete compartilhada por Milei no X (antigo Twitter). “O tempo para o debate acabou. É hora de os representantes do povo decidirem se estão do lado da liberdade dos argentinos ou do lado dos privilégios da casta e da república corporativa”, segue.

“O governo anterior deixou um país devastado. Um em cada quatro argentinos é pobre. Seis em cada dez crianças não comem todos os dias. É evidente que o sistema anterior fracassou e o poder Executivo requisita com urgência as ferramentas para reformar a economia”, acrescenta.

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Debate marcado por protestos

Os debates foram cercados por protestos de grupos de esquerda, sindicatos e movimentos sociais contrários a reforma no entorno do Congresso. As forças de segurança foram acionadas para aplicar o protocolo que proíbe o bloqueio de vias e houve confronto entre os manifestantes e a polícia na quarta e na quinta-feira.

O bloco peronista fez duras críticas ao que chamou de “excessos” das tropas e tentou suspender a sessão de ontem. Com o pedido rejeitado, os deputados do União Pela Pátria e da Frente de Esquerda abandonaram o plenário para se juntar aos manifestantes reunidos em frente ao Congresso. O presidente da Câmara, Martín Menem, deu continuidade aos debates depois que eles saíram.

Manifestantes contrários ao pacote de reformas de Javier Milei entram em confronto com a polícia, Buenos Aires, 1 de fevereiro de 2024.  Foto: AP / Rodrigo Abd

A “Lei Ônibus” se soma ao Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), que concentra mais 366 medidas para desregulamentar praticamente todos os aspectos da economia argentina. O chamado “megadecreto” ainda precisa passar por uma comissão do Congresso - que tem o poder de mantê-lo ou derrubá-lo - e enfrenta uma série de contestações legais.

Esta semana, a Justiça declarou nulo o capítulo de reforma trabalhista do DNU, considerado inconstitucional. No parecer, os juízes argumentaram que a questão deveria ter sido debatida pelo Congresso e enfatizaram que o instrumento do decreto está previsto para casos de urgência. A decisão acatou o pedido da maior central sindical da Argentina, a Confederação Geral do Trabalho (CGT).

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