ENVIADO ESPECIAL A ERIE, PENSILVÂNIA - Tom Ardillo está quase pronto para sair, mas tem uma dúvida sobre o que lhe veste melhor.
“Qual boné eu devo usar?”, o auxiliar de manutenção de 66 anos pergunta à mulher, Michelle, que trabalha como recepcionista em Erie, no interior da Pensilvânia.
“Vai com o branco”, ela responde. “Logo mais você vai ganhar outro.”
Estadão nos EUA
Eles estão se preparando para o primeiro comício de Donald Trump na cidade na campanha de 2024. Erie é conhecido como o distrito mais disputado do Estado mais disputado nas eleições americanas, e, há uma chance razoável de quem ganhar aqui se tornar o próximo presidente dos Estados Unidos. A reportagem do Estadão acompanhou o casal até o comício.
O ânimo dos dois está em alta. Eles estiveram num comício de Trump na eleição de 2016, mas não em 2020, por causa da pandemia. Tom e Michelle fazem parte da base fiel de apoio ao ex-presidente, conhecida nos EUA como ‘movimento MAGA’.
A sigla é uma referência ao slogan Make America Great Again, que o republicano copiou de Ronald Reagan, presidente entre 1981 e 1989 e símbolo maior do conservadorismo americano.
Fãs de Trump até a medula
Hoje, Tom é um conservador. Tem porte de arma e horror a qualquer menção de que serviços como saúde e educação devem ser públicos. Michelle é mais contida, e diz que não simpatiza muito com a pessoa de Trump, mas confia em suas políticas.
Erie é uma cidade ampla. As distâncias são muito grandes entre um ponto e outro, e o serviço de transporte público da cidade deixa a desejar. O casal oferece então uma carona à reportagem. No caminho, uma conversa amena sobre a vida revela que Tom é fã de carros, sobretudo vermelhos. Os anos duros na linha de montagem de uma fábrica de trens em Erie o deixaram com problemas ortopédicos que o impedem de correr, sua atividade física preferida. Restou a ele o golfe.
“Ainda preciso de duas cirurgias nas costas. Mas uma delas é no pescoço e não vou deixar ninguém tocar nessa região da minha coluna”, diz ele.
Michelle é apaixonada pela cachorrinha da família, um yorkshire que eles adotaram há cerca de oito anos. Ela conta revoltada como uma estadia com uma pet sitter quase matou o bichinho, que foi alimentado com comida mexicana. “Foi revoltante, eu não pude acreditar quando a levamos no veterinário e a comida tinha afetado os rins dela”, diz.
Michelle começou a fumar de tão nervosa com a situação e nunca mais largou o vício.
Doações em série
O assunto então enveredou pelo comício. Nem Tom nem Michelle acreditam que Joe Biden venceu as eleições de 2020 — uma mentira frequente contada por Trump e encampada por seus seguidores há quatro anos, ainda que não haja nenhuma evidência disso.
Questionada se os ingressos para o comício são cobrados, Michelle explica que, não. As entradas são gratuitas, mas o site de Trump pede doações de campanha aos seus partidários. O casal não vive uma vida de luxo em Erie. Tom e Michelle trabalham em um hotel e juntam as economias para que, junto com as reservas de uma vida e a aposentadoria, possam viver a velhice na Flórida.
“Eu não achava justo que ficássemos com as entradas sem pagar nada por elas. Então fiz uma doação. Na sequência, o site me levou a outro pedido de doação, que dizia, ‘se você é patriota, doe mais alguns dólares’. E depois disso, mais outra doação”, conta. “Acabei também comprando um boné novo para Tom por US$ 47 (R$ 263).”
O comício de Trump foi organizado em um centro de convenções fechado em Erie, depois que o candidato foi alvo de um atentado em julho em Butler, a 160 km dali.
Segurança reforçada e merchan made in USA
A segurança estava reforçada. Policiais locais, estaduais e serviço secreto, além de seguranças pessoais do candidato, cercaram o perímetro em torno do centro de convenções, às margens do Lago Erie.
No longo caminho até a arena, ambulantes vendem produtos relacionados a Trump. Em sua maioria negros e latinos, eles fazem questão de dizer que tudo é ‘made in USA’, para convencer os eleitores. Há um ceticismo, no entanto, da parte dos trumpistas, em sua maioria brancos, com os vendedores.
“Você vai votar mesmo em Trump?”, pergunta uma eleitora a um ambulante latino que não vestia roupas com a foto do presidente.
“Claro que vou”, diz o ambulante, para depois cair na risada.
Enquanto isso, Tom e Michelle falam dos prognósticos para a eleição. “Não gosto quando Hollywood se mete em política”, diz Michelle. “Eles praticamente convenceram Biden a desisitir e colocar aquela lá”, diz.
Kamala Harris também é alvo do merchandising trumpista. " A piranha é pior que Joe”, diz uma das camisetas.
Conforme a fila vai chegando, o casal vai se animando. Trump tem o status de superstar para eles. “Espero que seja melhor que a última vez”, diz Tom.
“É, mas daquela vez conseguimos vê-lo de pertinho”, pondera Michelle.
Desconfiança com a imprensa
Um dos trumpistas da fila questiona a reportagem do Estadão sobre suas inclinações políticas.
“Ele é jornalista do Brasil e está trabalhando”, defende Michelle.
“É, mas a gente sabe de quem ele realmente gosta”, diz a trumpista, que depois foi informada pela reportagem que cidadãos brasileiros não votam nas eleições americanas.
Conforme a vez do casal chega, o otimismo se esvai. Os seguranças dizem que o local está lotado e não poderá receber todos que estão na fila.
Tom e Michelle se espremem pela grade e conseguem entrar. São um dos últimos. A reportagem ficou de fora.
Ambos insistem em uma carona na volta do comício. “Foi realmente uma pena que você não pode presenciar o que vamos aqui hoje”, disse Michelle. “Esperamos realmente que ele ganhe dessa vez.”
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