Para o governo venezuelano, a tormenta econômica mundial parece ainda não ter chegado - e não porque o país esteja imune às turbulências globais. De olho nas eleições regionais de hoje, as autoridades preferiram evitar um tema tão indigesto para os eleitores. Mas, numa semana em que o preço do barril de petróleo venezuelano chegou a US$ 40,6, a crise já bateu à porta e só espera o fechamento das urnas para entrar. Após anos de bonança da revolução bolivariana, chegou a hora do ajuste. Acompanhe on line a eleição e confira especiais sobre a Venezuela "A crise obrigará o presidente Hugo Chávez a cortar os gastos e a contratação funcionários públicos, o que pode afetar sua popularidade", disse ao Estado o economista Maxim Ross. "Se a oposição ainda conseguir um resultado que a fortaleça nas eleições, ele terá uma margem de manobra mais reduzida daqui para frente." A exceção no silêncio sobre a crise foi um breve pronunciamento de Chávez, na terça-feira. Ele disse que "o país precisava se preparar" para enfrentar o problema, mas não mencionou nenhuma medida a ser tomada - e isso dias depois de anunciar aumento de 23% nos gastos sociais em 2009. A equação do problema é simples. O petróleo representa mais de 90% das exportações e 50% do orçamento do governo. Quando Chávez chegou ao poder, o barril estava a US$ 10. Nos dez anos de valorização até o pico de US$ 129, em julho, o presidente elevou gastos fixos com obras, programas sociais e contratação de funcionários públicos. Só neste ano foram 191.928 novos empregados. O orçamento de 2009 foi feito com base em um barril a US$ 60 - valor que parecia conservador no ano passado, mas que causa incertezas agora. "O governo criou enormes compromissos correntes com base numa renda do petróleo historicamente atípica", escreveu Teodoro Petkoff, diretor do jornal Tal Cual. "É curioso que esses socialistas nunca previram a crise cíclica do capitalismo." Se a conta não fechar, a alternativa será recorrer às reservas. O governo diz que a economia nos tempos de fartura soma US$ 80 bilhões, o que, segundo analistas, daria uma margem de manobra de 8 a 12 meses. Mas, para que a situação não saia do controle, serão necessários ajustes. "A Venezuela vai ter de reduzir sua imensa conta de importações, o que não será fácil por causa de todos esses anos de desestímulo à produção interna", diz José Rafael Zanoni, economista da Universidade dos Andes. Calcula-se que nos dez anos em que Chávez esteve no poder, passaram por suas mãos US$ 850 bilhões, o equivalente à receita dos 40 anos anteriores do país. Em vez de diversificar e estimular a produção interna, porém, o venezuelano inibiu investimentos privados, enquanto continuava a impulsionar o consumo pelo aumento dos gastos públicos. O resultado: uma inflação que este ano deve chegar a 36%, o maior índice da América Latina, e que acaba com o poder aquisitivo dos venezuelanos. "Isso quer dizer que o eleitor que estava satisfeito porque ganhava US$ 100 de uma bolsa do governo, este ano passou a ganhar 36% menos e no ano que vem ganhará 40% menos", diz Ross. O crescimento do PIB, que nos últimos anos havia sido de 10%, em 2008 deve ficar em 5% e em 2009, 3%. O novo cenário econômico, segundo analistas, pode complicar dois pilares do projeto chavista. O primeiro é exportação da revolução bolivariana comprando alianças com ajudas - empréstimos ou petróleo subsidiado - a países cujos líderes Chávez considera "irmãos ideológicos", como Equador, Cuba, Bolívia e Nicarágua. Segundo o jornal El Nacional, de Caracas, a próxima reunião entre os presidentes de Cuba e da Venezuela já inclui uma revisão do acordo energético entre os países. O segundo pilar são as nacionalizações. Ross calcula em US$ 20 bilhões o valor que o governo venezuelano ainda tem de pagar para companhias estrangeiras. O governo diz que pode cumprir seus compromissos atuais com tranqüilidade. Mas, certamente, terá de refazer as contas e pensar duas vezes na hora de anunciar outras estatizações no futuro.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.