O primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, convocou, neste domingo, 23, uma eleição federal antecipada, buscando capitalizar o ímpeto que fez seus liberais ressurgirem. A campanha provavelmente se resumirá a uma pergunta: quem pode lidar melhor com o presidente Donald Trump e a ameaça que ele representa para o Canadá?
Carney solicitou que o governador geral dissolvesse o Parlamento e marcasse eleições para 28 de abril. Por lei, uma eleição deveria ser realizada até 20 de outubro, mas um primeiro-ministro pode solicitar a dissolução do Parlamento a qualquer momento.
Ex-banqueiro central e novato na política, Carney, de 60 anos, conquistou a liderança liberal neste mês e tomou posse como primeiro-ministro em 14 de março. A eleição o colocará contra o líder do Partido Conservador, Pierre Poilievre, de 45 anos, um incendiário populista que, até recentemente, detinha uma liderança dominante nas pesquisas.

A campanha ocorre após uma agitação política interna. Em janeiro, Justin Trudeau - cujos índices de aprovação vinham caindo havia muito tempo - anunciou que renunciaria ao cargo de líder liberal e primeiro-ministro, em meio a um motim da bancada iniciado pela renúncia abrupta de seu vice-primeiro-ministro do gabinete.
Isso também ocorre em um momento de grande ansiedade, pois o vínculo do Canadá com os Estados Unidos, um aliado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e seu maior parceiro comercial, está se rompendo, com profundas consequências para a economia, a sociedade e o lugar do país no mundo.
Trump impôs e ameaçou impor tarifas sobre produtos canadenses que poderiam levar a economia do Canadá a uma recessão. Ele prometeu usar a “força econômica” para anexar o Canadá e pensou várias vezes em redesenhar a fronteira entre os EUA e o Canadá.
Suas ações enfureceram os canadenses e alteraram sua política.
Antes da renúncia de Trudeau e do retorno de Trump, os liberais estavam se encaminhando para uma derrota potencialmente histórica e estavam atrás dos conservadores havia mais de um ano.
Desde então, em uma rápida mudança que, segundo os pesquisadores, tem poucos paralelos, a vantagem de mais de 20 pontos dos conservadores desapareceu e a disputa está competitiva. Algumas pesquisas mostram os liberais à frente.
“Antes de janeiro, havia uma história: havia um vilão, e esse vilão era Justin Trudeau, e o herói era Pierre Poilievre”, disse David Coletto, presidente da empresa de pesquisas Abacus Data. “Agora, o vilão na mente da maioria dos canadenses é Donald Trump, mas ainda estamos descobrindo quem será o herói.”
Carney quer se apresentar como gerente de crise
Carney, ex-banqueiro do Goldman Sachs, foi elogiado por sua liderança no Banco do Canadá durante a crise financeira global e no Banco da Inglaterra durante o Brexit. Ele está tentando se apresentar como o gerente de crise experiente e imperturbável de que o Canadá precisa em um dos momentos mais turbulentos de sua história moderna.
Desde que assumiu o cargo de primeiro-ministro, ele viajou para a Grã-Bretanha e a França para aprofundar os laços com “aliados confiáveis” e eliminou várias políticas do governo Trudeau, incluindo um imposto sobre o carbono para o consumidor.
Carney, que também é ex-presidente da Brookfield Asset Management, colocou seus investimentos em um fundo administrado por terceiros para evitar conflitos de interesse enquanto está no poder. Ele enfrentou um exame minucioso sobre o que eram esses ativos antes de serem desinvestidos. Ele se irritou com as perguntas, dizendo a um repórter que o pressionou sobre possíveis conflitos de interesse para “olhar para dentro de si mesmo”.
“Estou cumprindo todas as regras”, disse ele na semana passada.
O primeiro-ministro apoiou as tarifas retaliatórias dólar por dólar durante a campanha de liderança dos liberais e prometeu manter as taxas em vigor “até que os americanos nos respeitem”. Mas, na semana passada, ele disse que há “um limite” para tais represálias porque a economia do Canadá é menor do que a de seu vizinho.
Embora seja conhecido no mundo das finanças, Carney continua sendo uma figura indefinida para muitos canadenses e não tem experiência em política eletiva. Seus tropeços ao falar francês podem ser uma desvantagem. Ele não é considerado um orador de alto nível e nunca passou pelo desgaste de uma eleição federal, onde enfrentará adversários combativos.
“Para usar uma analogia esportiva, a corrida pela liderança foi basicamente o aquecimento, e as eleições gerais são os playoffs”, disse Coletto. “Não houve temporada regular para Mark Carney.”
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Poilievre é um candidato com forte contraste
Em termos de currículo e estilo, Poilievre apresenta um forte contraste.
Poilievre é um político de longa data. Ele foi eleito pela primeira vez para o Parlamento há 20 anos e ganhou destaque como um cão de ataque presunçoso nas sabatinas de desempenho do governo (quando os parlamentares questionam as políticas públicas).
Ele se tornou líder do partido em 2022 defendendo os protestos de caminhoneiros contra o governo feitos com bloqueios em estradas.
Ele ganhou apoio ao se concentrar na inflação pós-pandemia, nos preços dos alimentos, que estão forçando as famílias de classe média a recorrer aos bancos de alimentos, e nos altos custos de moradia que deixaram muitos millennials frustrados - colocando a culpa, de forma justa ou não, em Trudeau.
Ele usa slogans cativantes: “Acabe com o imposto [sobre o carbono], construa casas, conserte o Orçamento, acabe com o crime”. E sempre atacou os repórteres, anunciando na semana passada que os impedirá de viajar no avião e no ônibus de sua campanha.
Os analistas dizem que Poilievre não se adaptou bem às mudanças provocadas pelo retorno de Trump, pela renúncia de Trudeau e pela ascensão de Carney.
À medida que os ataques de Trump animam um momento de manifestação em torno da bandeira, a mensagem de Poilievre - de que “o Canadá está quebrado” - não ressoa mais, e seus esforços para criticar Carney como “igual a Justin” não estão surtindo efeito.
“Eles precisam se movimentar bastante porque a questão não é mais Trudeau”, disse Lori Turnbull, presidente do departamento de assuntos públicos e internacionais da Universidade Dalhousie.
Poilievre também apoia as tarifas retaliatórias. Em um comício “Canada First” no mês passado, ele prometeu “suportar qualquer fardo e pagar qualquer preço para proteger nossa soberania e independência”.
Os liberais classificaram o partido de Poilievre como “aspirantes a conservadores MAGA, sabor xarope de bordo”. MAGA é o movimento trumpista Make America Great Again. O xarope de bordo (maple syrup) é um produto típico canadense.
Os liberais publicaram anúncios que fazem comparações entre Trump e Poilievre usando linguagem idêntica. Várias pessoas próximas a Trump e figuras de extrema direita nos Estados Unidos, incluindo Elon Musk e Alex Jones, apoiaram Poilievre.
Um desafio para o líder conservador, segundo os analistas, é que, embora os principais eleitores canadenses não apoiem o presidente, há uma parte dos eleitores conservadores que o fazem, e falar duro com Trump poderia causar perda de seus votos.
Trump ainda não fez nenhuma declaração sobre Carney
Rompendo com a tradição dos presidentes dos EUA de parabenizar os novos primeiros-ministros canadenses, Trump não emitiu uma declaração sobre Carney. Mas ele já se manifestou várias vezes sobre a política interna do Canadá, oferecendo mensagens contraditórias.
Em janeiro, ele disse no programa “The Hugh Hewitt Show” que seria “muito bom” se Poilievre ganhasse porque suas opiniões são “mais alinhadas”. Pressionado na semana passada sobre como suas ameaças contra o Canadá estão ressuscitando os liberais, ele disse à Fox News que Poilievre não é “estupidamente meu amigo”.
“Acho que é mais fácil lidar, na verdade, com um liberal”, disse Trump, “e talvez eles vençam, mas eu realmente não me importo.”
Os canadenses não votam diretamente para primeiro-ministro. Em vez disso, os eleitores de cada um dos 343 distritos eleitorais, conhecidos como ridings, votam em um membro do Parlamento.
Se um partido conquistar a maioria das cadeiras, ele forma o governo e seu líder é o primeiro-ministro. Em um governo de minoria, os partidos precisam contar com o apoio da oposição para permanecer no poder.
Coletto disse que os canadenses estão procurando um líder que traga “estabilidade” em uma tempestade alimentada por Trump.
“Isso significa que esta eleição será menos sobre políticas públicas e mais sobre caráter”, disse ele.
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