THE WASHINGTON POST - De maneira geral, o último momento em que você gostaria de falar sobre disputar a presidência seria logo após sofrer uma derrota incapacitante. Mas lá estava a deputada federal Liz Cheney (republicana do Wyoming), horas depois de perder por 37 pontos a primária do Partido Republicano em seu Estado, no Today Show, da NBC, aventando a possibilidade de uma disputa nacional em 2024.
“Estou pensando sobre isso. E tomarei uma decisão nos próximos meses”, afirmou Cheney, enfatizando que fará “tudo o que puder para manter Donald Trump fora do Salão Oval”.
Cheney já levantou essa possibilidade anteriormente, mas nesta quarta-feira, 17, ela sugeriu que não se considera particularmente castigada pela rejeição histórica de seu partido. E rapidamente converteu sua pré-campanha para o Congresso em um comitê político destinado a deter Trump em 2024.
A ideia de que Cheney teria virtualmente qualquer chance de vencer uma primária do Partido Republicano depois de tamanha derrota em seu próprio Estado é, de cara, risível. E Cheney é perspicaz o suficiente para perceber isso.
Mesmo na melhor das circunstâncias para Cheney, em um cronograma em que ela jogasse astutamente com o tempo investindo na derrota definitiva de Trump a pré-campanha de 2024 estaria próxima demais. Conforme notou Cheney, as primeiras pré-candidaturas devem começar a ser lançadas nos próximos meses.
E também há poucos sinais de qualquer inclinação anti-Trump maior dentro do partido, apesar dos vários problemas jurídicos envolvendo o ex-presidente e sinais de que os eleitores podem optar por outros nomes — como o do governador da Flórida, Ron DeSantis (republicano) — para sua próxima indicação de candidatura à presidência. Também é possível que Cheney esteja meramente usando essa especulação, como fazem muitos políticos, para permanecer relevante politicamente.
Mas Cheney também mostrou que está disposta a encarar uma derrota exacerbada para provar que está certa. E uma pré-candidatura para concorrer à presidência em 2024 apresenta, no mínimo, uma oportunidade para ela provar seu ponto.
Pesquisas confirmam que Cheney não teria virtualmente nenhuma chance nas primárias de 2024. Na primária de seu Estado, na terça-feira, ela obteve cerca de 3 a cada 10 votos e aparentemente é ainda menos popular em nível nacional. Uma pesquisa YouGov publicada na semana passada constatou que apenas 14% dos republicanos consideram Cheney favoravelmente, contra dois terços que têm visão negativa sobre ela.
Entre os democratas, os números de Cheney demonstram ímpeto — 6 a cada 10 democratas consideram Cheney favoravelmente. Trata-se de um número estarrecedor para uma pessoa cujo sobrenome é “Cheney”, mas esses eleitores não foram suficientes para torná-la nem remotamente competitiva na primária aberta do Wyoming. Cheney também é bastante impopular entre os independentes (26% a consideram favoravelmente, contra 40% com visão negativa sobre ela), sugerindo que nem mesmo os conservadores céticos em relação a Trump podem ser suficientes para torná-la candidata à presidência.
Temos poucas combinações de pesquisas para 2024 com o nome de Cheney listado, mas uma sondagem realizada no mês passado a colocou com 3% das intenções.
Essa pesquisa mostra Cheney emparelhada nas colocações de um só dígito com vários azarões — incluindo os ex-governadores Nikki Haley e Chris Christie — ao mesmo tempo que a coloca em quarto lugar, em razão da magnitude com que esse campo se concentra. Trump e DeSantis ocupam as primeiras colocações, com o ex-vice-presidente Mike Pence em terceiro lugar. No mais, nada está definido. E a julgar pelo que ocorreu em anos recentes, figurar entre os últimos colocados pode ser suficiente para permitir que Cheney entre na arena de debate.
(Os republicanos de relevância nacional poderiam se movimentar para excluí-la de alguma maneira — e já indicaram intenção de exercer controle sobre os debates. Mas se ela figurar nas pesquisas empatando com outros candidatos ou concentrando mais intenções, com uma reivindicação crível para participar do debate, não será fácil apartá-la.)
Imagine Cheney pressionando Trump não apenas por meio das audiências da comissão do 6 de Janeiro, mas fazendo isso cara a cara. É improvável que esse movimento realmente a torne candidata à presidência, mas certas vezes pré-candidatos concorrem para moldar a disputa de outras maneiras.
E dada a escassez de contraprogramação a respeito de Trump atingindo os eleitores das primárias do Partido Republicano — tanto graças aos nossos aguerridos meios de comunicação conservadores quanto pela falta de disposição de DeSantis, Pence e tantos outros de se contrapor realmente a Trump — Cheney poderia considerar esse caminho válido se pretende realmente impedir Trump.
Também há a questão sobre o que Cheney sabe a respeito do que está por vir. A vice-presidente da comissão do 6 de Janeiro está a par de todo tipo de potenciais revelações capazes de influenciar significativamente o futuro político de Trump. É possível pensar que Cheney teria pressionado para fazer essas revelações quando isso ainda poderia tê-la salvado em sua primária, mas a coleta de evidências está em andamento, assim como as investigações policiais envolvendo Trump.
Colocado de maneira simples, seguramente não há ninguém mais versado para formular acusações contra Trump do que Cheney, e ela poderá decidir que esta será sua missão em 2024: ventilar isso tudo o mais publicamente possível na maior arena política possível. Mesmo que isso não impeça Trump de conquistar a indicação do Partido Republicano em 2024, poderia ser determinante na eleição geral.
Relevância
Também existe a possibilidade de Cheney concorrer por um terceiro partido — tentando impedir Trump dividindo o eleitorado conservador. Mas os números de Cheney sugerem que ela tem mais apelo entre eleitores de inclinação democrata do que entre os republicanos.
O inconveniente, evidentemente, é que isso poderia resultar num golpe mortal na carreira política de Cheney, se é que ainda lhe resta algo de vida. Se há alguma perspectiva de desempenhar verdadeiramente algum papel no futuro do Partido Republicano depois de 2024, o melhor caminho é geralmente deixar o tempo passar e esperar pelo tipo de transformação capaz de impulsionar as chances de recuperar relevância.
E Cheney é tão odiada no Partido Republicano que poderia se provar uma adversária que beneficia Trump — um bicho-papão que exemplifica o tipo de republicano covarde que ousaria se aliar aos democratas.
Mas Cheney é também uma pessoa para quem o jogo fácil e conveniente da política ficou claro, e ela caminhou na direção oposta. Cheney chegou a ser a republicana número 3 na Câmara, ascendendo rapidamente, e poderia ter se tornado presidente da Casa algum dia se simplesmente tivesse ficado calada ou optado por evitar o caso, como tantos outros republicanos preferiram fazer. Sempre devemos ser cautelosos em relação a assumir que movimentações de um político tratam realmente de princípios, em vez de ambições. Mas se alguém já demonstrou alguma capacidade para o autossacrifício, foi Cheney.
Portanto, é fácil — e muito provavelmente correto — descartar de antemão a possibilidade de Cheney vencer. Mas ao contrário da frequentemente reciclada citação do esporte, certas vezes vencer não é a única coisa que importa. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO