Capacidade de apoio à Ucrânia diminui com fadiga na Europa, crise nos EUA e guerra no Oriente Médio

Movimentações recentes no mundo dão sinal de fadiga que pode complicar as políticas internas e diminuir os financiamentos de apoio à Ucrânia

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Foto do author Luiz Henrique Gomes
Atualização:

Meses após iniciar a contraofensiva contra a Rússia, o Exército ucraniano não conseguiu vitórias eficazes que mudaram o rumo da guerra contra a Rússia. Mas longe dos campos de batalha muitas peças se mexeram no cenário político e levantaram a pergunta: o apoio do Ocidente à Ucrânia chegou ao máximo?

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A pergunta foi título de uma reportagem do jornal The New York Times no dia 14, mas começou a rondar os círculos de analistas e jornais em setembro, quando primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, disse que não forneceria mais armas para a Ucrânia. A Polônia, principal financiadora da Ucrânia no Leste Europeu, vivia, então, uma campanha eleitoral que destacou divergências com Kiev.

Dias depois, o político pró-Rússia da Eslováquia, Robert Fico, venceu as eleições do país com uma campanha que prometeu acabar com a ajuda militar à Ucrânia. Fico conseguiu a maioria das vagas do Parlamento, com 22,9% dos votos, e a sua vitória aumentou as dúvidas sobre o futuro do apoio europeu aos ucranianos.

Donald Tusk celebra vitória de sua coalizão na eleição polonesa Foto: Petr David Josek/AP

Segundo analistas, os movimentos nos dois países não representam uma mudança da Europa com relação à Ucrânia que vai fazer o apoio a Kiev chegar ao fim em breve, mas indicam uma fadiga que pode complicar as políticas internas e diminuir os financiamentos. “A Ucrânia deve ter em conta na sua estratégia a realidade de que o apoio para avançar pode estar em níveis mais baixos do que durante os primeiros 19 meses de guerra”, declarou Charles Kupchan, professor de relações internacionais da Universidade de Georgetown e analista do Conselho de Relações Exteriores (CFR, na sigla em inglês).

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Kupchan concedeu entrevista ao Estadão no dia 5 de outubro. Dois dias depois, o grupo terrorista Hamas atacou Israel como nunca antes havia conseguido. A atenção do mundo se desviou para o conflito. Ciente disso, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, viajou para Bruxelas para encontrar os ministros de Defesa da Otan para ter garantia de mais financiamento e armas. Conseguiu a garantia de mais US$ 2 bilhões, mas as perguntas sobre o futuro apoio à Kiev permanece à medida que a fadiga – observada na Eslováquia e na Polônia inicialmente, mas presente em todo o Ocidente – cresce.

A fadiga no Leste Europeu para o futuro da guerra

O significado de “fadiga” numa guerra está relacionada a um fator-chave no campo de batalha: a capacidade de financiar compra de armas, munições e outros suprimentos militares. Desde o início da guerra, a Polônia e a Eslováquia, os dois países do Leste Europeu que agora falam em interromper a ajuda militar, forneceram a Kiev cerca de € 4,8 bilhões (R$ 25 bilhões, na cotação atual). Por mais que escolham continuar aliadas à Kiev, os repasses podem diminuir cada vez mais pelo esgotamento dos recursos financeiros.

Segundo a analista sênior de defesa do centro de estudos Rand Corporation, Marta Kepe, as nações do Leste Europeu provavelmente manterão seu apoio à Ucrânia, mas isso deve se refletir cada vez menos em financiar Kiev com capacidade militar. “Reconheço que a quantidade de capacidades militares que podem enviar para a Ucrânia é limitada e, a dada altura, poderão já não conseguir enviar ajuda militar adicional. Mas continuarão a apoiar a Ucrânia devido à sua afinidade contra um adversário comum”, afirmou.

O apoio pode se refletir mais em outros campos, como a continuidade de ajuda humanitária e acolhimento de refugiados ucranianos. Na Polônia, onde a eleição se dividiu entre o nacionalismo do Lei e Justiça (PiS, na sigla em polonês), do premiê Mateusz Morawiecki, e a oposição pró-União Europeia, 80% dos entrevistados para uma pesquisa da Comissão Europeia feita em setembro afirmaram ser a favor de receber os refugiados. O apoio ficou expresso no resultado eleitoral, que deu maioria do parlamento à oposição após oito anos de dominância do conservador PiS.

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Uma questão central que envolveu Kiev na eleição da Polônia foi o comércio de grãos. Com a entrada dos grãos ucranianos no país para ser escoado para toda a Europa, após as rotas do Mar Negro serem afetadas por conta da guerra, o preço dos grãos no país caíram e levou grande parte do eleitorado da zona rural do país a ser a favor de um embargo à importação dos cerais da Ucrânia. Entretanto, segundo Marta Kepe, isso dificilmente levaria o país a romper o apoio completo a Kiev na guerra.

Na avaliação da analista, os dois países conseguiram construir uma aliança tendo um contexto histórico de tensões e disputas fronteiriças e dificilmente a aliança seria tão rapidamente pela questão dos grãos. “Ambos países percorreram um longo caminho na construção das suas relações bilaterais. Desse ponto de vista, a recente disputa sobre o trânsito de cereais parece ser uma questão relativamente pequena”, declarou.

Na Eslováquia, apesar do apoio aos refugiados identificado na pesquisa da Comissão Europeia ser menor, com 55% dos entrevistados afirmando ser a favor, e do candidato eleito Robert Fico ser pró-Rússia, o apoio humanitário à Ucrânia deve se manter, segundo prometeu Fico.

O papel dos EUA para acelerar ou desacelerar a fadiga

A interrupção do apoio militar da Eslováquia e da Polônia não seria problema para as estratégias atuais de Kiev se as garantias militares dos aliados mais ricos permanecessem de pé, mas essas também foram postas em dúvidas após o Congresso dos Estados Unidos deixar de fora do orçamento a garantia de financiamento e entrar em uma crise política que paralisou a Câmara após a destituição do republicano Kevin McCarthy da presidência no dia 3 deste mês.

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Com o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas, as dúvidas aumentaram ainda mais por causa da aliança de longa data dos EUA com o Estado judaico. Washington pode redirecionar sua ajuda militar para Jerusalém em um momento que a guerra na Ucrânia parece paralisada, e foi justamente esse temor que levou Zelenski à Bruxelas na semana passada.

Mesmo que isso não aconteça, outro risco para o financiamento americano à Kiev são as eleições no ano que vem. Segundo analistas, caso o ex-presidente Donald Trump volte à Casa Branca, o apoio fica sob ameaça – e pode ser essa a aposta da Rússia para o futuro da guerra.

No dia 5, alto representante de Assuntos Exteriores e Política de Segurança da União Europeia, Josep Borrell, reconheceu que a Europa não pode preencher a lacuna que os EUA deixariam se diminuíssem a ajuda para a Ucrânia. Até o momento, Washington repassou cerca de US$ 44,52 bilhões (R$ 224 bilhões) em ajuda militar para Kiev. “Certamente podemos fazer mais, mas os Estados Unidos são algo indispensável para o apoio à Ucrânia”, declarou Borrell à imprensa durante uma visita a Espanha.

Para Charles Kupchan, a fadiga deve forçar uma mudança na estratégia de Kiev na guerra. “Pode significar explorar opções diplomáticas para acabar com a guerra, embora nem a Ucrânia nem a Rússia pareçam preparadas para a diplomacia neste momento”, disse. “Pode também significar prosseguir a guerra em níveis mais baixos de intensidade para poupar os seus recursos militares.”

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Inverno do Hemisfério Norte e uma guerra à longo prazo

Enquanto as incertezas crescem no campo político, o campo de batalha na Ucrânia se prepara para o fim de mais um período de conflitos frequentes por causa da chegada do inverno do Hemisfério Norte. Relatos de soldados ouvidos pelo The New York Times falam em dificuldades de manter a moral em alta, apesar de não verem alternativa senão continuar a luta.

Oficialmente, a Ucrânia permanece disposta a seguir o objetivo de expulsar as tropas russas do seu território, incluindo da Crimeia, anexada por Moscou em 2014. Analistas e autoridades reconhecem o quanto o plano é difícil.

Em artigo publicado em 21 de setembro, a revista The Economist ressaltou a dificuldade – para a revista, a Ucrânia precisa melhorar a capacidade de defender infraestruturas se quiser se manter na guerra, à medida que a Rússia aumenta a produção de mísseis e tanques – e defendeu mudança no debate sobre a guerra que passe a falar mais sobre como se manter na luta à longo prazo e menos sobre o fim da guerra. Dias antes, em 17 de setembro, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, havia exposto uma ideia semelhante: “Devemos nos preparar para uma longa guerra na Ucrânia”.

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