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Cenário: ‘Je suis’ cansada, e muito, de toda essa porcaria

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Por Pamela Druckerman

Quando mudei-me para a Europa, há 12 anos, minha grande preocupação era se um dia falaria um francês decente. Praticamente todos os americanos que eu conhecia vieram me visitar - muitos deles, sonhando em viver aqui também. Não me preocupava com partidos de extrema-direita ou com a União Europeia. E nem estava inquieta com terrorismo. Parece que isso foi há muito tempo.

Um dos fatos mais perturbadores no caso dos atentados em Bruxelas foi a previsibilidade. Um dia antes o ministro do Interior belga havia alertado pelo rádio, numa emissão nacional, que o país enfrentava uma ameaça de ataque “efetiva e iminente”.

Ao desembarcarem no centro histórico de Bruxelas, os hooligans marcharam em direção à Praça da Bolsa Foto: AFP PHOTO / Belga / NICOLAS MAETERLINCK

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Na manhã seguinte, agentes do Estado Islâmico detonaram bombas no saguão do aeroporto de Bruxelas e numa das principais linhas de metrô da cidade. Os ataques deixaram pelo menos 31 mortos e mais de 300 feridos. Uma mulher de 47 anos disse ao jornal francês Libération que, ao ver a explosão, no metrô fechou os olhos e disse para si mesma “esse é o ataque sobre o qual estamos falando há meses”. Segundo um amigo belga, naquela noite, sua filha de 14 anos disse que “na escola sabíamos que Bruxelas seria o próximo alvo.”

A foto mais emblemática após os atentados mostrava os sobreviventes caminhando por um túnel escuro, pelos trilhos do metrô. A imagem representava o atual pesadelo europeu: você está fazendo compras de alimentos, numa condução para ir ao trabalho ou fazendo o check-in de um voo e, de repente, não existe mais.

É difícil nos adaptarmos a essa nova realidade. O médico de um pronto-socorro disse-me que antes dos ataques de Paris, em novembro, muitos de seus colegas raramente, talvez nunca, haviam visto um ferimento por bala. Os poucos que haviam encontrado foram suicidas que usaram rifles de caça.

 

Para os europeus, Bruxelas é considerada um lugar insípido sobre o qual você não pensa muito até ter de trocar de avião ali. Há um jogo em que você elimina as pessoas pedindo a elas para citarem os nomes de dez belgas famosos. 

“Bruxelas, cidade não fanática atacada por fanáticos”, escreveu o jornalista Laurent Joffrin no Libération de quarta-feira.

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Logo após um ataque, é fácil dizer que tudo está diferente. As pessoas estão aterrorizadas. Os pais seguram os filhos em casa, não os mandam à escola. Lemos manchetes como “Europa em guerra” nos jornais. Há uma triste e familiar busca por um slogan. Dessa vez, são as batatas fritas belgas arranjadas de uma maneira que pareça um gesto grosseiro parecendo um dedo e um cartaz onde se lê “Je suis sick of this” (Estou farto dessa...), seguido de um palavrão.

Para muitos, no entanto, a vida logo retorna ao normal. Uma série de casas de sucos acabaram de ser inauguradas no bairro onde vivo em Paris. A loja de departamentos Le Bon Marché está com uma mostra sobre a ícone da moda americana Iris Apfel. A Europa ainda tem muitas belas capitais com rios que as atravessam.

Os franceses parecem especialmente determinados a que nada mude demais. No fim do ano, alarmada com notícias de que as escolas poderiam ser alvos de futuros ataques, enviei um e-mail para o conselho de pais da escola da minha filha. Sugeri que, frente à ameaça, nos encontrássemos para discutir como melhorar a segurança.

Como praticamente ninguém respondeu, eu me perguntava se minha reação não teria sido exagerada. O pai de um aluno fez-me um sermão sobre como as escolas têm de ser locais abertos. O diretor da escola disse-me que não achava que mudanças fossem necessárias. 

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Alguns meses depois, um grupo de pais se organizou para lidar com uma crise distinta: seus filhos no segundo ano do primário não sabiam conjugar o verbo “être” (ser, estar).

Mas hoje a Europa parece um local diferente em relação ao ano passado. Não se trata apenas de ameaças de bombas. Tem a ver também com as crises que vêm atingindo o continente simultaneamente.

Os franceses estão aprendendo a viver com mais segurança. Os guardas agora vasculham nossas bolsas nas entradas dos cinemas e nas lojas de departamento. Os alunos de faculdades hoje podem fumar dentro dos limites da escola, pois é arriscado se reunir na rua, fora dos portões do prédio. E vem ocorrendo um grande estardalhaço sobre uma proposta do governo que não deve deter atentados: abolir a cidadania francesa de terroristas condenados.

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Desde os atentados em Bruxelas, os europeus vêm exigindo mais medidas práticas. Especialistas em segurança de Israel foram consultados. Fala-se de um maior compartilhamento de informações de inteligência entre os governos. Manchete do jornal Le Parisien, na quinta-feira, dizia: “O que precisa ser mudado agora”. Mas a verdade é que, para todos, muita coisa já mudou. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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