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Cenário: O que esperar da guerra entre Ucrânia e Rússia em 2023?

Ucrânia começa o ano com vitórias no front de batalha, mas Rússia se prepara em linhas de defesa; guerra não deve terminar em breve

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Por Liz Sly

Com armas modernas a caminho, o apoio ocidental se mantendo firme e o exército ucraniano continuando a manobrar e enganar os militares da Rússia, o prometido “ano da vitória” da Ucrânia começa bem.

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Se 2023 continuar como começou, há uma boa chance da Ucrânia ser capaz de cumprir a promessa de Ano Novo do presidente Volodmir Zelenski de retomar todo o território até o final do ano - ou pelo menos território suficiente para acabar definitivamente com a ameaça da Rússia, segundo autoridades e analistas ocidentais.

Mas, enquanto Zelenski reuniu ucranianos para uma expectativa de vitória, o presidente russo, Vladimir Putin, discursou no Ano Novo na intenção de preparar os russos para uma luta prolongada. As tropas russas se estabelecem em posições defensivas fortificadas, reforçadas por pelo menos 100 mil soldados recém-mobilizados. Embora pareça improvável que a Rússia conquiste mais território em breve, especialistas militares afirmam que também será mais difícil para a Ucrânia fazer mais avanços em 2023 do que no ano passado, apesar do ímpeto das vitórias recentes.

Membro do exército ucraniano em posição militar na cidade de Liman. Com o apoio ocidental, Ucrânia tem conseguido vitórias na guerra contra a Rússia Foto: Evgeniy Maloletka / AP - 08/01/2023

Se Kiev não conseguir avanços significativos contra a força russa entrincheirada e crescente, a guerra corre o risco de se tornar um conflito prolongado a favor de Putin, segundo Elizabeth Shackelford, do Conselho de Chicago para Assuntos Globais. Um pacote de ajuda de US$ 45 bilhões aprovado pelo Congresso americano vai garantir financiamento para a Ucrânia durante o ano, acrescentou, mas com as eleições presidenciais dos EUA em 2024, a perspectiva de longo prazo é mais difícil de prever.

“Se não terminar em 2023, Putin terá uma vantagem muito grande. Do jeito que está, Zelenski ainda tem uma chance, porque ele ainda tem um apoio muito forte”, declarou. “Depois disso, todas as apostas estão válidas.”

Ben Hodges, ex-comandante do Exército dos EUA na Europa, avalia que os acontecimento na primeira semana de 2023 sugerem que as perspectivas para a Ucrânia são promissoras. Ele destacou vantagens que os ucranianos serão capazes de explorar, desde a alta moral entre um exército que defende o próprio país até a liderança superior, a coesão e apoio ocidental, aparentemente inabalável.

O pedido de Putin por um cessar-fogo temporário durante o feriado de Natal da Igreja Ortodoxa, no fim de semana, recebeu uma rejeição geral nos Estados Unidos e na Europa e serviu como um lembrete claro de que a Ucrânia ainda não está sob pressão para negociações com Moscou. Na avaliação das autoridades ocidentais, negociar agora daria a Moscou a oportunidade de rearmar e reagrupar os militares para novos ataques, ao mesmo tempo que apertaria o controle sobre territórios ocupados.

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Sinais da superioridade ucraniana

O ataque ucraniano no Ano Novo a um quartel russo na cidade ocupada de Makiivka, no leste da Ucrânia, que matou pelo menos 89 soldados russos, demonstrou não apenas as capacidades superiores de armamento, inteligência e vigilância da Ucrânia, mas também os erros táticos da Rússia. Moscou culpou os recrutas recém-chegados por usarem celulares que entregaram a localização aos ucranianos, mas autoridades dos EUA dizem que a proporção dos estragos pode ter sido maior por causa de uma suposta munição armazenada no local.

No mesmo dia deste ataque, a Ucrânia afirmou ter derrubado 45 drones de fabricação iraniana lançados pela Rússia para um ataque de Ano Novo e demonstrou que as defesas aéreas do país estão mais hábeis para frustrar ataques russos contra a infraestrutura do país.

Em paralelo, os anúncios da França, dos Estados Unidos e da Alemanha de fornecimento de tanques à Ucrânia pela primeira vez na guerra significaram um impulso significativo para as capacidades ofensivas da Ucrânia. No anúncio francês, o presidente Emmanuel Macron, acusado pelos ucranianos de “apaziguar Putin”, prometeu ajuda o país de Zelenski “até a vitória”, na declaração de apoio mais firme até o momento.

Até mesmo o clima tem sido gentil com a Ucrânia, com temperaturas quentes de inverno recordes na Europa que derrubam os preços da energia e poupam os cidadãos da crise financeira que analistas previam atrapalhar o apoio europeu à Ucrânia.

Retomada de territórios

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Na avaliação de Ben Hodges, enquanto o apoio ocidental à Ucrânia permanecer forte, os militares têm condições de retomar todo ou a maior parte do território ocupado pela Rússia no país – incluindo a Crimeia, anexada em 2014. Para ele, as rotas de abastecimento da Crimeia são potencialmente vulneráveis a ataques ucranianos com as armas de precisão Himars (High Mobility Artillery Rocket System), fornecidas pelos EUA, e a Ucrânia pode forçar a Rússia a se retirar da península antes mesmo de ter condições de retomar a região do Donbas, onde a maioria dos combates acontecem.

Entretanto, segundo o ex-fuzileiro e agora membro do Instituto de Pesquisa de Política Externa dos EUA, Rob Lee, a Ucrânia passa agora a ter a difícil tarefa de permanecer na ofensiva – algo mais difícil do que defender o terreno. “É mais fácil defender do que atacar, e os russos já estabeleceram longas posições defensivas”, declarou.

O ex-militar acrescentou que em certa medida a Ucrânia saiu vitoriosa da guerra por ter resistido ao ataque inicial da Rússia e retomado quase metade do território arrebatado pela Rússia nas primeiras semanas da guerra. “Após as duas primeiras semanas da guerra, ficou claro que a Rússia não conseguiu atingir seus objetivos”, disse ele. “Os objetivos da Rússia eram tão ambiciosos que a Ucrânia venceu apenas por permanecer um país soberano. Mas a questão agora é: a Ucrânia pode conseguir o que quer, que é retornar pelo menos às fronteiras de 24 de fevereiro?”

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Veículos militares queimam após serem atingidos por mísseis ucranianos em Makiivka. Geolocalização de celulares indicou posição russa às forças ucranianas Foto: Associated Press - 04/05/2022

Muito pode se resumir a qual lado fica sem munição primeiro. Autoridades ocidentais prevê há meses que a Rússia corre o risco de ficar sem munição e, embora isso ainda não tenha acontecido, há evidências contínuas de que os estoques russos estão baixos.

Autoridades ucranianas disseram no final do ano passado que o volume da artilharia russa ao longo da frente leste é agora apenas um terço do que era durante a metade de 2022, quando estavam na ofensiva. Uma autoridade ocidental, que falou sob a condição de anonimato, afirma que, embora a Rússia tenha ordenado o aumento na fabricação de munição, a produção não será capaz de suprir a demanda.

A corrida pela munição

De acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra, o esgotamento dos estoques de munição russos, especialmente de artilharia, torna temporariamente improvável que a Rússia seja capaz de montar qualquer tipo de operação de ataque bem-sucedida, apesar das previsões dos militares ucranianos de que Moscou prepara uma grande ofensiva. Entretanto, não está claro quanto tempo o Ocidente será capaz de suprir as necessidades ucranianas de munição.

Eu não acho que este será o ano do fim da guerra, infelizmente

Dmitri Alperovitch, diretor do Silverado Policy Accelerator

Com a Ucrânia em posições ofensivas, as operações passam a exigir uma maior quantidade de munição, avaliou Dmitri Alperovitch, diretor do Silverado Policy Accelerator, um think tank com sede em Washington. Segundo as previsões dele, a Ucrânia será capaz de território este ano, mas não o suficiente para garantir uma vitória definitiva.

Em contrapartida, acrescentou, Putin parece dobrar a determinação de subjugar a Ucrânia e, embora a Rússia atualmente não tenha a capacidade de lançar ofensivas bem-sucedidas, o contingente adicional de militares fortalece a capacidade de conter os avanços ucranianos. “Eu não acho que este será o ano do fim da guerra, infelizmente”, disse Alperovitch.

Futuro da guerra

Se as linhas de frente não mudarem significativamente ao longo do ano, o futuro à frente se tornará mais obscuro.

As economias da Rússia e da Ucrânia serão duramente pressionadas a sustentar uma guerra prolongada. E não está claro se cada país pode gerar mão de obra suficiente para uma luta dessa proporção. A Ucrânia tem a vantagem por enquanto, com uma reserva de milhões de homens em idade militar, apesar de ser um país menor, enquanto a Rússia retira pessoas das prisões para sustentar a presença nas linhas de frente, disse Ben Hodges.

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O ex-militar americano acrescentou que ninguém espera que a Ucrânia desista ou perca para a Rússia. Os ucranianos continuam comprometidos com a luta e as tropas permanecem muito mais motivadas do que seus relutantes adversários russos. Entretanto, uma guerra longa adiaria indefinidamente a recuperação, a reconstrução e o retorno de refugiados. O governo teria que manter centenas de milhares de soldados em um front estimado em 965 quilômetros, enquanto a economia continua a entrar em colapso. De alguma forma, isso ajuda Putin a cumprir seu objetivo de negar a Ucrânia como um país independente.

Rob Lee acrescenta que as capacidades ofensivas da Ucrânia ficarão desgastadas com o tempo e a Rússia teria a chance de reconstruir a economia, as linhas de munição e capacidades de combate para futuros ataques, como fez depois que as linhas de frente estacionaram após a guerra separatista no Donbas em 2014 a 2015.

Enquanto isso, o futuro da Ucrânia se tornará cada vez mais dependente de fatores que eles não podem controlar, como a determinação ocidental para apoiá-los e a disponibilidade de munição – e eventos na Rússia. “O que não sabemos é o que acontecerá em Moscou até o final do ano. Há algumas sérias lutas de poder”, disse Hodges.

Embora não haja evidências imediatas de qualquer desafio ao poder de Putin, o surgimento de dissidência significativa em Moscou ou um motim entre as tropas russas descontentes pode ser decisivo, afirmou Alperovitch.

Para Shackelford, os eventos nos Estados Unidos podem ser igualmente significativos. Embora o apoio da Europa seja politicamente importante, as contribuições militares são ofuscadas pelas vastas quantidades de armas fornecidas por Washington, cujo compromisso futuro pode estar em questão se os republicanos ganharem a Casa Branca em 2024.

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