Negociador hábil, tenaz, pragmático, forjado nos bastidores do poder e temperamental, António Costa terá mais uma vez a responsabilidade de governar sem desmontar o "milagre português".
António Luís Santos da Costa, nascido em Lisboa em 1961, já fez de tudo, ou quase tudo, em sua longa carreira política no Partido Socialista (PS), organização em que ganhou espaço com apoio de dois renomados dirigentes do PS: Jorge Sampaio e António Guterres - atual secretário-geral das Nações Unidas.
Sua primeira vitória em uma eleição geral, no domingo, 6, confirma que tinha um projeto de longo prazo quando, em 2015, assumiu o comando do país e mudou o mapa político português: aproveitou-se da fraqueza da direita para fechar um acordo de esquerda - a popular "geringonça" - que o tornaria primeiro-ministro apesar de ter sido derrotado nas eleições.
Diferenças aparentemente irreconciliáveis separavam os socialistas do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, mas os três grupo se alinharam para tirar a direita do poder em um país duramente afetado pela crise econômica e pela austeridade impostas pelos credores internacionais.
Quatro anos depois, Costa tornou-se um modelo invejado pela social-democracia europeia, além de ser visto como o grande arquiteto da história do "milagre português" - ele terá que trabalhar duro, no entanto, para manter essa imagem.
Mas sua capacidade política contrasta com seu caráter temperamental, sua resistência às críticas e sua falta de empatia com os cidadãos.
Por trás de sua aparência calma, se esconde uma personalidade forte que pode traí-lo mesmo em público, como aconteceu na sexta-feira, em uma cerimônia de encerramento de campanha.
Guterres também pode dar um bom relato sobre a teimosia de Costa: quando era primeiro-ministro, teve que recorrer ao seu motorista para que Costa - então Ministro de Justiça - atendesse o telefone no meio de uma crise interna.
"É perspicaz e prático", observa o jornalista Diogo Torres, autor do livro Marcelo e Costa.
Um pragmatismo que lhe permitiu lidar com a "geringonça", fazer frente ao movimento sindical - ele não hesitou mobilizar o Exército contra uma greve - e conciliar as diferenças com seus parceiros e com o presidente de Portugal, o conservador Marcelo Rebelo de Sousa.
Ele não poderia ter feito isso sem sua bagagem política. Filho de um escritor e militante comunista originário da ex-colônia portuguesa de Goa (na Índia) que preso várias vezes na ditadura e de uma jornalista/sindicalista ativa, aos dez anos de idade, com o pseudônimo "Babuch" ("criança" no dialeto goense Concani), escreveu críticas televisivas para uma revista.
Na adolescência plena, ingressou na Juventude Socialista em uma Portugal convulsionada pela Revolução dos Cravos que encerrou o regime de Salazar e, emulando Perry Mason, tornou-se advogado.
Seus adversários o acusam de ser um "homem de Lisboa", focado na burocracia do poder e desconectado da realidade de Portugal. De fato, sua popularidade disparou depois de ganhar o cargo de prefeito de Lisboa, em 2007.
Foi também sua primeira experiência de pacto com a esquerda. Duas maiorias absolutas na capital (2009 e 2013) o catapultaram à liderança do PS.
Empenhado em deixar sua marca na cidade, transferiu escritórios públicos para uma das áreas mais deterioradas, Arroios, que hoje vive um boom imobiliário e é considerada pela consultoria Time Out o bairro mais descolado do mundo.
Em 2014, assumiu a liderança do PS e, apenas um ano depois, chegou ao governo. Sem vencer as eleições. A chave para sua ascensão? Talvez a resposta esteja oculta em uma de suas últimas mensagens eleitorais: "Vocês podem ficar calmos, não somos santos milagres, somos um governo responsável".
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