A onda de choque varreu a cidade a 1.500 km por hora, destruindo prédios, retorcendo os trilhos da ferrovia e, com a temperatura de 4.200ºC, transformando pessoas em sombras. O ruído inicial da detonação é estranho, lembra o de um vidro estilhaçado – a base do Comando Estratégico Aeroespacial da Força Aérea dos EUA em Nevada, guarda registros sonoros de testes nucleares.
Em seguida, é o ronco; surdo, intenso, indicando a evolução da explosão. Dura segundos, que parecem a eternidade. Em Hiroshima, esse tempo foi o intervalo da morte para mais de 120 mil civis. No mundo, fixou o limite de uma nova fase da civilização – depois das 8h15 daquele 6 de agosto, há 70 anos, nada mais foi igual.
O único ataque atômico real, realizado contra as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, dois dias mais tarde, tinha objetivos bem definidos: abreviar os combates convencionais e, ainda, testar a efetividade do sistema de armas. As agência militares americanas de inteligência, tinham informações seguras da disposição da URSS – aliada na campanha contra as forças nazistas – de investir no domínio do ciclo atômico.
Pouco se sabia, na prática, do poder de fogo da bomba. O programa secreto para o desenvolvimento das três unidades iniciais – uma de teste, mais duas de emprego real – foi abrigado sob o selo do Projeto Manhattan. Exigiu três anos de trabalho de 2 mil cientistas e técnicos, vários deles europeus, a um custo estimado entre US$ 2 bilhões e US$ 4 bilhões. Implicou na construção de uma pequena e completa cidade no Novo México. Ninguém entrava sem autorizações que chegavam até a Casa Branca. E, mais que tudo, ninguém saía.
O primeiro ensaio, às 5h59 do dia 16 de julho, foi acompanhado por toda a equipe principal, a contar do chefe, Robert Oppenheimer. Chocado, ele escreveria em suas anotações, uma frase do livro sagrado hindu, Bhagavad Gita, “...eis que me tornei a Morte, a destruidora de mundos”. No local do deserto onde a explosão de 19 quilotons foi realizada, brilha até hoje uma lente de vidro de 330 metros de raio e 3 metros de espessura, formada pela areia derretida na fornalha de 1,4 milhão de graus centígrados.
O então presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, resistiu, no começo, a autorizar o bombardeio. Acalentou a possibilidade de expor aos japoneses a dimensão da ameaça, oferecendo uma oportunidade para a rendição. Acabou sendo convencido da inutilidade da medida diante do caráter determinado dos governantes do Japão.
A corrida iniciada em 1945 não parou. A URSS precisou de apenas cinco anos para chegar até seu próprio dispositivo – explodiu uma bomba no dia 29 de agosto de 1949 na vila de Semipalatinski.
Ao longo do tempo, países investiram pesadamente na obtenção da tecnologia sensível. O andamento tem produzido diferentes resultados. África do Sul e Suécia, por exemplo, decidiram interromper a investigação quando já se preparavam para entrar na fase de provas.
Na América do Sul, a Argentina manteve um consistente empreendimento, com objetivos militares, até meados dos anos 80. A derrota na guerra com a Inglaterra pela soberania das Falklands/Malvinas e a queda da ditadura levaram ao fim dos trabalhos e ao desmantelamento das instalações físicas. No Brasil, a Marinha sustenta há pelo menos 35 anos um programa que deu ao País o conhecimento do raro procedimento completo do enriquecimento do urânio que será usado no combustível de reatores para submarinos. É uma questão de escala e de decisão estratégica – beneficiado a 3,5% o material serve a esse propósito e, a 90%, torna-se adequado à produção de armas.
Os arsenais nucleares oficiais distribuídos por EUA, Rússia, China, França, Grã-Bretanha, Índia, Paquistão, Israel (não assumido) e, em estágio inicial, Coreia do Norte, somam cerca de 14 mil ogivas. De acordo com o Instituto de Estudos para a Paz de Estocolmo, é o suficiente para acabar com a presença do homem na Terra – 16 vezes.
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