John F. Kennedy é um dos poucos personagens cuja vida merece ser contada do fim. Assim, sua história começa no dia 22 de novembro 1963, em Dallas. Ele desfila com sua mulher, Jacqueline, em um Lincoln Continental conversível preto. Ao entrar na Praça Dealey, acena para a multidão. Em poucos segundos, dois disparos deixam o país em choque.
O caso é cercado de suspense. Lee Harvey Oswald, ex-fuzileiro que puxou o gatilho, morreu dois dias depois com um tiro na barriga disparado por Jack Ruby, gerente de casas de prostituição ligadas à máfia. Por que Oswald matou Kennedy e Ruby matou Oswald?
A falta de respostas deu asas a teorias conspiratórias. Uns culparam o FBI e a CIA. Outros, Fidel Castro. A comoção nacional, porém, transformou o defunto em mártir. Morria o presidente mais jovem da história dos EUA, o primeiro nascido no século 20. O mais charmoso. O frasista de discursos curtos, sempre direto ao ponto. Até hoje, o único católico a ocupar a Casa Branca. Sua família ganhou status de clã, a monarquia que os americanos nunca tiveram.
Na trajetória de Kennedy, há outro mistério menos complicado de decifrar: a dissonância entre fatos e paixão popular. Os intelectuais o consideram um presidente sem brilho. O escritor Gore Vidal dizia que ele foi “um dos piores da história dos EUA”. Outros criticavam seu comportamento. “Ele não transformou suas conquistas em nada significante”, escreveu Nigel Hamilton na biografia JFK: Reckless Youth. Para o jornalista Izzy Stone, Kennedy era uma “ilusão de ótica”. “Acho que não haverá muito espaço para John Kennedy na história”, condenou o cientista político Richard Neustadt.
Mas, na contramão, a patuleia coloca John Kennedy no panteão dos semideuses americanos. O Depósito de Livros do Texas, de onde partiram as balas do rifle italiano de Oswald, virou um museu visitado por 350 mil pessoas todo ano. No livro de visitas, mensagens laudatórias comparando JFK a Jesus Cristo e americanos que se lembram do que comiam no almoço quando as TVs anunciaram o assassinato. Como explicar o descompasso?
De fato, o primeiro ano de Kennedy na Casa Branca foi um desastre. Em 1961, nenhum projeto importante avançou no Congresso. Para piorar, ele autorizou a invasão de Cuba. Em abril, milicianos treinados pela CIA desembarcaram na Baía dos Porcos. Foi um vexame. JFK assumiu a responsabilidade pelo fiasco. “A vitória tem mil pais, mas a derrota é órfã”, disse.
Seis semanas depois, outra humilhação. Na cúpula de Viena, ele foi fulminado por Nikita Kruchev, que lhe passou um sermão sobre vários temas internacionais. JFK se surpreendeu com a agressividade do líder soviético. “Nunca vi um sujeito assim”, disse Kennedy ao jornalista Hugh Sidey, da revista Time. “Eu disse que um ataque nuclear poderia matar 70 milhões de pessoas em 10 minutos. Ele olhou para mim como se dissesse: ‘E daí’?” Mais tarde, ele reconheceu que foi despreparado ao encontro. “Foi o pior dia da minha vida”, confessou a James Reston, colunista do New York Times.
Seu comportamento levou Kruchev a concluir que os americanos haviam colocado um covarde na Casa Branca. Em Berlim, um muro começou a subir. Em Cuba, os silos se abriam para os mísseis soviéticos. Os comunistas avançavam no Laos. Precisando recuperar a credibilidade, Kennedy toma outra decisão miserável: enviar tropas para o lodaçal vietnamita.
Ironicamente, sua sorte virou no momento mais tenso. Em outubro de 1962, o mundo esteve à beira da destruição nuclear depois que um voo de reconhecimento americano descobriu 40 silos soviéticos sendo preparados em Cuba. Durante 16 dias, o presidente sofreu pressão de assessores para atacar. Com sangue frio, saiu-se bem com a imposição de um bloqueio naval à ilha. No fim, a Crise dos Mísseis causou a distensão com Moscou – cuja marca foi a instalação do “telefone vermelho”, uma linha direta entre ele e Kruchev.
No entanto, mais determinante foi seu último ano de vida. Em 1963, em discurso transmitido do Salão Oval, ele atacou a segregação racial, propondo pela primeira vez o que seria a Lei dos Direitos Civis. “Os EUA têm de examinar sua consciência”, disse. Antes de morrer, Kennedy teve tempo de esboçar um plano nacional de sufrágio universal (base da Lei do Direito de Voto, de 1965) e um programa federal de seguro de saúde para idosos (que seria o Medicaid).
Nada disso avançou enquanto ele esteve na Casa Branca. Mas, depois do assassinato, seus projetos vingaram graças à habilidade de Lyndon Johnson, o vice que virou presidente, e à quase necessidade de estabelecer um legado para o líder martirizado nas ruas de Dallas.
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