Centenas de alunas do Irã foram hospitalizadas nos últimos três meses com suspeita de envenenamento, em uma série de casos que são investigados pelas autoridades do país. A suspeita é de que os ataques são para forçar o fechamento de escolas femininas – em uma radicalização semelhante a do Taleban, no Afeganistão, e do Boko Haram, na África Ocidental.
Os envenenamentos foram registrados inicialmente cidade de Qom, mas se espalharam por outras seis cidades, incluindo Pardis, localizada na província de Teerã, onde dezenas de alunas foram internadas nesta terça-feira, 28, com suspeitas de envenenamento. Um levantamento feito pela BBC indica que ao menos 650 estudantes foram envenenadas em mais de 30 escolas diferentes.
O vice-ministro da Saúde do Irã, Younes Panahi, afirmou no domingo, 26, que as investigações descobriram que o envenenamento em Qom foi motivado pela tentativa de fechar as escolas. “Após o envenenamento de vários estudantes na [cidade de] Qom, descobriu-se que algumas pessoas queriam que todas as escolas, especialmente as escolas para meninas, fossem fechadas”, declarou.
Os primeiros relatos de envenenamento entre estudantes mulheres começaram em novembro do ano passado, em meio aos protestos pela morte de Mahsa Amini, presa pela polícia moral iraniana por não usar o hijab de maneira correta. As manifestações causaram uma das maiores mobilizações sociais do Irã na última década e teve participação fundamental das mulheres, que queimaram os véus em oposição à obrigatoriedade da veste.
O jornal britânico The Guardian aponta que os ataques também podem ser “vingança” pelo papel exercido pelas mulheres nos protestos que eclodiram após a morte de Mahsa.
Segundo Panahi, as investigações apontam que o envenenamento é feito com compostos químicos comuns, que podem ser comprados no mercado normal, e não são de uso militar. Relatos nas redes sociais indicam que as estudantes sentem náuseas e palpitações cardíacas, além de um cheiro de tangerina ou peixe podre. “As alunas envenenadas não precisam de tratamento agressivo e uma grande porcentagem dos agentes químicos utilizados são tratáveis”, declarou o Panahi.
Autoridades do Irã inicialmente descartaram os incidentes, mas passaram a descrevê-los como ataques intencionais. As autoridades não identificaram suspeitos, mas os ataques levantam temores de que outras meninas sejam envenenadas apenas pelo direito de estudar. Essa ameaça é inédita no país porque, ao contrário do Afeganistão, onde o direito à educação das mulheres foi retirado nas duas vezes que o Taleban ocupou o poder, o Irã nunca adotou essa prática em mais de 40 anos desde a Revolução Islâmica de 1979.
Muitos pais retiraram as filhas das escolas após os casos de envenenamento, o que levou ao fechamento de algumas escolas na cidade de Qom nas últimas semanas, segundo uma reportagem do Shargh, um site de notícias reformista com sede em Teerã. Ativistas temem que essa possa ser uma nova tendência no país, ameaçando ainda mais direitos antes garantidos. “Este é um pensamento muito fundamentalista que surge na sociedade”, disse Hadi Ghaemi, diretor executivo do Centro de Direitos Humanos do Irã, com sede em Nova York.
Apesar de não haver suspeitos identificados pelas autoridades, jornalistas e organizações independentes alertam que os ataques podem ser feitos por grupos de oposição ao governo ou “extremistas domésticos” que querem transformar o Irã em um califado. “Não temos ideia de quão difundido esse grupo é, mas o fato de eles terem sido capazes de realizá-lo com tanta impunidade é tão preocupante”, continuou Ghaemi. /Com AFP e AP
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