BRASÍLIA - Onze presidentes sul-americanos se reuniram em Brasília na terça-feira, dia 30, a convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para discutir a retomada do diálogo de alto nível político no continente. Da alta gastronomia ao desconforto com a presença da delegação do ditador Nicolás Maduro, leia abaixo bastidores do “retiro” de chefes de Estado e saiba figuras que se destacaram na reunião no Palácio do Itamaraty.
Menu latino e brasileiro com vinhos caros
Os chefs dos palácios do Itamaraty e da Alvorada mesclaram pratos típicos dos países sul-americanos com toques regionais para o almoço e o jantar dos presidentes. No primeiro, havia ceviche com palmito de pupunha, ravióli de tapioca com queijo da Serra da Canastra (MG) e arroz de pato no tucupi. As sobremesas eram à base de coco, como cocada, e um creme com shot de jabuticaba. Tudo acompanhado de vinhos nacionais, da Serra Gaúcha.
Já na residência oficial, o tinto era o clássico argentino Angélica Zapata, de Mendoza, da uva cabernet sauvignon, em vez da icônica malbec. De prato forte, cuscuz nordestino com quiabo, filé de robalo na crosta de castanha do pará, carne de sol de mignon e moqueca de cajú com farofa e arroz de coco, acompanhamento muito popular da região caribenha da Colômbia. E sobremesas com cumaru, cupuaçu e chocolate.
O menu foi assinado pelo chef João Diamante, conhecido por apresentar o programa Minha Mãe Cozinha Melhor que a Sua, ao lado de Paola Carosella, na TV Globo.
‘La garantia soy yo’
Maduro tentou convencer empresários brasileiros a colocar dinheiro, cerca de U$ 4 ou R$ 5 milhões, segundo suas contas, em obras na Venezuela. Enquanto tenta negociar os termos de cobrança de calote bilionário no Brasil, o venezuelano disse que daria “todas as garantias” a quem quiser investir na revitalização da linha de transmissão de energia que poderá reconectar hidrelétrica de Guri ao Estado de Roraima. Ninguém sabe o tamanho da conta ainda. “Mesmo que sejam U$ 10 milhões, não é nada”, disse ao Estadão ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Aplausos para o ditador
Chamou a atenção o comportamento da delegação venezuelana no Palácio do Planalto. Quando Maduro pôs os pés no Salão Leste para dar declarações ao lado de Lula, todos na comitiva imediatamente se levantaram das cadeiras. Ao fim de cada intervenção do chavista, puxavam aplausos efusivos. Do lado brasileiro, ninguém acompanhou os gestos.
Se a moda pega...
A socióloga Janja da Silva, que não gosta do título de primeira-dama e prefere ser chamada apenas pelo apelido, interagiu com Cilia Flores, advogada e mulher de Maduro, chamada na Venezuela de “primeira-combatente”. O Brasil foi chamado na imprensa oficial venezuelana como “gigante sul-americano”; Lula, de “amigo e companheiro de luta revolucionária do comandante-supremo e eterno Hugo Chávez”.
Filho de Maduro a tira-colo
O ditador venezuelano Nicolás Maduro exibiu o filhotismo na passagem por Brasília. Ele levou a tiracolo Nicolás Maduro Guerra, de 32 anos. “Nico”, como o pai o chama, sentou-se à mesa de diálogo com Lula e ministros, teve acesso à reunião reservada aos chefes de Estado, posou para fotos e assistiu de perto ao presidente brasileiro acolher e trabalhar pela reabilitação do pai. Conhecido por extravagâncias do passado, Nicolasito entrou na política em 2013, como chefe do Corpo de Inspetores da Presidência. Em outro gesto de nepotismo, foi nomeado diretor da Escola Nacional de Cinema. É um dos jovens líderes do chavismo. Circula sempre ao lado do pai. E também sofreu sanções dos Estados Unidos.
Muy amigos
Os 11 chefes de Estado produziram uma declaração final enxuta, de somente nove pontos. Havia muita discordância política, e não foram acolhidas propostas concretas apresentadas individualmente pelos governantes, como a ideia de Gustavo Petro, da Colômbia, de trocar a dívida pública por investimentos que previnam a mudança do clima, ou o pedido de Gabriel Boric, do Chile, pela instalação de um centro internacional de prevenção e reação a catástrofes naturais. Tampouco constou do texto a sugestão de Lula de lançar uma moeda comum na região para transações comerciais.
Partiu de Lula o pedido aos presidentes para que não tomassem nenhuma decisão imediata sobre a recriação da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) ou de um novo órgão supranacional. Lula percebeu a divergência e sugeriu que o tema fosse decidido depois. Chegou até a falar num prazo de 120 dias. Mas parte dos presidentes é contra a criação de qualquer nova organização regional e quer fazer funcionar as que já existem, como a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos). “Chega de instituições”, disse o uruguaio Lacalle Pou.
Presidentes sul-americanos desconfiaram se havia sido planejado de propósito o palanque oferecido por Lula a Maduro, em encontro bilateral um dia antes da cúpula. Uma reunião era esperada, mas virou “visita oficial”, com ampla delegação. O ato no Palácio do Planalto capturou atenções e virou pauta no “retiro” por causa das declarações de Lula atribuindo atos do regime chavista contra a democracia a “narrativas”.
Separados pela foto
A foto oficial do encontro, conhecida no jargão diplomático como “foto de família”, expôs a divisão ideológica regional na América do Sul. Os três presidentes de direita, Luís Lacalle Pou, do Uruguai, Mario Abdo Benítez, do Paraguai, e Guilhermo Lasso, do Equador, foram posicionados pelo cerimonial longe de Maduro, que estava na extremidade oposta.
Vazamento na cozinha do Itamaraty
Os presidentes sul-americanos não viram um ícone do Palácio do Itamaraty, o jardim interno que representa a vegetação brasileira, com espécies nativas e espelho d’água, assinado por Roberto Burle Marx. Ficaram ocultas obras de arte de Omar Franco, Zélia Salgado e Darlan Rosa. Além do paisagismo com flora amazônica, eles também não puderam apreciar na plenitude a vista ampla do terraço. Os dois espaços estavam escondidos com tapumes e tecido, por causa de um vazamento de água na tubulação da cozinha, que não foi reparado a tempo da cúpula.
PRF na segurança
Com 11 chefes de Estado em Brasília, a Polícia Rodoviária Federal foi chamada com o corpo de motociclistas para servirem de batedores, abrindo caminho à passagem dos presidentes. Normalmente, o serviço é feito por militares do Exército.
A segurança estava mais do que reforçada. O Gabinete de Segurança Institucional usou pórticos e detector de metais, revista visual de bolsas e mochilas e um scanner portátil, com sensor de temperatura, para uma checagem mais profunda de algum equipamento suspeito, similar aos aparelhos de raio-X.
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