Fora da agenda oficial, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, se reuniu nos Estados Unidos com o ex-estrategista de Donald Trump e agitador de uma onda nacionalista de direita, Steve Bannon.
O encontro aconteceu na noite de quarta-feira, 11, na residência da embaixada brasileira em Washington, onde o chanceler está hospedado em viagem oficial de trabalho.
Bannon foi convidado para um jantar, no qual também estava presente o atual encarregado de Negócios da Embaixada do Brasil em Washington, o diplomata Nestor Forster.
A reunião não constou na previsão de agenda de Araújo disponibilizada previamente pelo Itamaraty. Questionada pela reportagem do Estado, a assessoria do ministro informou que Araújo tivera um “jantar privado”.
Uma das pautas da conversa dos diplomatas brasileiros com o americano foi o discurso do presidente Jair Bolsonaro no próximo dia 24, em Nova York, na abertura da Assembleia-Geral da ONU.
A estreia de Bolsonaro na reunião dos 193 países-membros que integram a organização acontecerá em meio aos questionamentos internacionais sobre a política ambiental brasileira e da repercussão no exterior do aumento das queimadas na Amazônia neste ano.
O Palácio do Planalto teme protestos no momento do discurso de Bolsonaro e assessores têm orientado o presidente a moderar suas falas para evitar novos problemas diplomáticos.
Até agora, a previsão é que o foco principal do discurso seja a questão ambiental – com defesa da soberania brasileira sobre a Amazônia.
A proximidade de integrantes do governo Bolsonaro com Bannon começou desde a campanha eleitoral, quando o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, se reuniu com o controverso ex-estrategista de Trump. Bannon foi demitido da Casa Branca em 2017 e escanteado pela equipe do presidente americano. Desde então, tenta fomentar pelo mundo uma onda nacionalista e populista de direita.
Colunista do 'Washington Post' critica Ernesto Araújo
Após criticar o que chamou de “climatismo” e defender que há um “alarmismo climático” utilizado pela imprensa durante um discurso feito na quarta-feira, 11, na Heritage Foundation - um dos principais think tanks conservadores dos Estados Unidos -, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi duramente criticado por Ishaan Tharoor, colunista do jornal americano The Washington Post.
Depois de ouvir o discurso do chanceler - o qual, segundo Tharoor, “acredita que a mudança climática é uma conspiração marxista”, o jornalista disse em sua conta no Twitter que aquilo se tratava de uma “‘lengalenga’ sem fim de vitimização de alguém que está no poder”.
“Araújo diz que (o presidente Jair) Bolsonaro está criando ‘uma amálgama liberal-conservadora’ com base em ‘nação, família, laços tradicionais’ e oposta ao ‘globalismo’”, afirmou Tharoor. “Isso é fascinantemente ideológico para um chanceler no exterior.”
O colunista ressaltou que nunca havia ouvido Araújo antes e que ficou impressionado em ver o quão as observações dele são incoerentes.
Proximidade de Bannon e Ernesto começou em janeiro
Em fevereiro, em outra visita de trabalho a Washington, Ernesto esteve com Bannon na casa onde ele mora e trabalha – e que o americano autointitulou como Embaixada Breitbart, em referência ao nome do principal site de notícias da chamada alt-right americana, o qual presidiu.
Os dois se reencontraram em março, quando Bolsonaro foi a Washington para o encontro com Trump e reuniu, também em jantar na embaixada, com representantes da direita americana.
Bannon esteve por trás da eleição de Trump e do site Breibart, de plataforma de extrema direta, anti-imigração e de supremacia branca. Também foi conselheiro da Cambridge Analytica, consultoria acusada de fornecer dados de milhões de usuários do Facebook para prejudicar Hillary Clinton em 2016.
Risco de intervenção militar na Venezuela
Ainda ontem, em Washington, Ernesto Araújo relativizou a probabilidade de uma ação militar na Venezuela. Segundo ele, a ativação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) não significa uma ação militar contra o regime de Nicolás Maduro, na Venezuela.
Na quarta-feira, 11, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou, com apoio do Brasil, a convocação de uma reunião dos signatários do pacto para ativar o tratado, que prevê defesa mútua entre os países da região.
“Não significa ação militar, de forma nenhuma, não é isso que nós queremos, o Tiar não é simplesmente um acordo de ação militar, é um acordo para ação coletiva diante de ameaças à segurança, como claramente é. O chanceler da Colômbia, se não me engano, fez uma apresentação muito clara nesse sentido, com o fato de o regime Maduro estar abrigando terroristas”, afirmou Araújo em Washington, fazendo referência às Farc, cuja dissidência voltou à luta armada há duas semanas.
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