O rei Charles III dá início nesta sexta-feira, 9, à transição do reinado mais longevo da história britânica com uma reunião com a primeira-ministra Liz Truss, no cargo há apenas 72 horas, e um discurso à nação, enlutada pela morte de Elizabeth II.
Se o desafio de sua mãe foi conduzir o Reino Unido em meio ao ocaso do Império Britânico, o novo rei terá pela frente o desafio de, com ideias próprias, encontrar um lugar para a Casa de Windsor no século 21, em meio à pior crise econômica no Reino Unido em 40 anos e anseios separatistas na Escócia e na Irlanda do Norte.
Aos 73 anos, Charles III terá ainda de ajudar o país a superar perda de uma monarca que marcou a vida de praticamente todos os britânicos. Apenas idosos mais velhos que o próprio rei se lembram do Reino Unido sob George VI, morto em 1952, quando o então príncipe de Gales tinha apenas 4 anos.
Para isso, Charles III, que há décadas se prepara para o posto, tem como um de seus principais objetivos simplificar a monarquia, em parte para reduzir seu consumo no erário público. Como rei, ele será capaz de colocar esse plano totalmente em ação.
O fim da segunda era elisabetana promete ser uma transição importante, não apenas por causa da morte de uma rainha amada, mas também porque Charles trará suas próprias ideias para um trabalho para o qual passou a vida inteira se preparando.
“O estilo será muito diferente”, disse Vernon Bogdanor, professor de governo do King’s College London que escreveu sobre o papel da monarquia no sistema constitucional britânico. “Ele será um rei ativo e provavelmente levará suas prerrogativas ao limite, mas não irá além delas.”
Charles também não hesitou em mergulhar em questões políticas complicadas. Ele se pronunciou regularmente pela tolerância religiosa e contra a islamofobia, que alguns creditam por ajudar a silenciar uma possível reação contra os muçulmanos após uma série de ataques terroristas mortais realizados por extremistas islâmicos em Londres em 2005. “Ele poderia ter passado o tempo em boates ou não fazer nada, mas encontrou um papel”, disse o professor Bogdanor.
A morte de Elizabeth II
Dos tabloides à maturidade
Envelhecido após décadas à espera de sua vez para ascender ao trono, Charles não tem o mesmo carisma da mãe. Suas fraquezas e frustrações foram impiedosamente dissecadas pela mídia; seus hobbies de estimação, da crítica de arquitetura à agricultura orgânica, eram frequentemente ridicularizados; seu casamento com Diana, princesa de Gales, que desmoronou em meio a manchetes de tabloides e acusações mútuas de infidelidade, permanece para muitos o evento que define sua vida pública.
No ponto mais baixo da vida pública de Charles, em meados dos anos 1990, alguns críticos chegaram a dizer que o herdeiro escandalizado havia perdido o direito de ser rei e que a coroa deveria pular uma geração, indo para o filho mais velho, Príncipe William, que não foi manchado por máculas públicas.
Nada, claro, comparado ao seu casamento com Diana. De 1991 a 1996, a porcentagem de pessoas que disseram acreditar que Charles seria um bom rei caiu de 82% para 41%, segundo a empresa de pesquisas Mori. Mas a morte de Diana provou ser um ponto de virada: Charles trabalhou com Tony Blair, o primeiro-ministro na época, para incentivar sua mãe a honrar a memória de Diana, em meio a uma onda nacional de luto, e depois começou a reabilitar sua própria imagem.
Ele tem conseguido. Poucos britânicos agora recuam diante da perspectiva do rei, mesmo que às vezes ele pareça mais um idoso simpático do que um patriarca nacional.
Casado desde 2005 com Camilla, com quem se envolveu romanticamente antes e durante o casamento com Diana, Charles encontrou estabilidade em sua vida pessoal. Com a morte de seu pai, o príncipe Philip, aos 99 anos, no ano passado, tornou-se paterfamilias da Casa de Windsor. Camilla, 74 anos, que levará o título de rainha consorte, é uma presença robusta e respeitável ao seu lado.
Mas Charles assume o comando de uma família real que foi abalada por uma série de reviravoltas: um amargo desentendimento com seu filho mais novo, o príncipe Harry, e sua esposa atriz americana, Meghan, e os laços desagradáveis de seu irmão, o príncipe Andrew. com o financista Jeffrey Epstein, que resultou em uma ação civil contra Andrew acusando-o de abuso sexual de um adolescente. Charles tem lutado para manter os membros rebeldes da família na linha.
Luto em Londres
Nos arredores do Palácio de Buckigham, a madrugada, no entanto, foi de luto e tristeza. A cientista biomédica, Isabelle Tesfaye, chegou em frente ao Palácio com flores para prestar homenagem. " É um dia muito triste para todos nós, mas estou feliz de poder estar aqui neste momento tão especial para o povo britânico”, contou.
A gestora de patrimônio, Natasha Percy-Baxter, chorava ao lado do namorado em frente ao Palácio e descreve o momento como um choque ou uma onda forte que passou por ela. " É um momento muito triste para todos nós, estou tentando ainda processar tudo”, lamentou.
Para Percy-Baxter, o que mais marcou os anos de reinado da monarca foi a constância no poder. " Ela era uma estabilidade para o Reino Unido e nós tivemos muitas reviravoltas nos últimos anos. Ela era um porto seguro. Foi muito bom ter alguém como ela em nossas vidas. Ela era uma mulher incrível e quando você olha para tudo que ela conquistou ao logo da sua carreia, trabalhando até o seu último dia é muito inspirador”, falou.
A brasileira e supervisora de limpeza Patrícia Andrade, que vive em Londres há seis meses, afirma que, mesmo morando no país há pouco tempo também sente tristeza com a morte da monarca. “Vai marcar muito a morte dela. Uma mulher que trabalhou até o último dia de vida representando o país e espero que o legado dela permaneça ao longo dos anos”, falou. / COM NYT. COLABOROU VERIDIANA JORDÃO, ESPECIAL PARA O ESTADÃO EM LONDRES
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