Charles III é coroado e tem desafio de impedir fragmentação do Reino Unido

Primeiro ano de reinado deve ser determinante para o futuro da família real e sua relevância na sociedade moderna

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Por Renata Miranda, Especial para o Estadão
Atualização:

LONDRES - O rei Charles III foi coroado na manhã deste sábado, 6, em Londres, em uma cerimônia que não acontecia havia 70 anos. Embora a coroação seja apenas uma formalidade, visto que Charles se tornou rei automaticamente após a morte da rainha Elizabeth II em setembro, é um rito simbólico de passagem que formaliza o compromisso do monarca com a Coroa. Veja os melhores momentos da cerimônia na cobertura ao vivo do ‘Estadão’. Em seu primeiro ano de reinado, no entanto, Charles terá de enfrentar importantes desafios que podem determinar o futuro da família real e sua relevância na sociedade moderna.

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A cerimônia de coroação britânica é o único evento remanescente desse tipo na Europa. Mais de 6 mil membros das forças armadas participaram, incluindo representantes de pelo menos 35 países da Commonwealth, tornando-se a maior operação cerimonial militar no país das últimas sete décadas. A coroação é um serviço religioso anglicano e tem sido realizada, nos últimos 900 anos, na Abadia de Westminster — William, o Conquistador, foi o primeiro monarca a ser coroado lá, e Charles foi o 40º.

No entanto, ao contrário da última coroação, realizada em 1953, este foi um evento mais reduzido em resposta à crise do alto custo de vida que assola o Reino Unido. Uma cerimônia menor também faz parte dos esforços do rei de modernizar a monarquia, substituindo os dias de opulência por processos mais enxutos.

O rei Charles III cumprimenta simpatizantes do lado de fora do Palácio de Buckingham Foto: Toby Melville/AP

“Éramos um país muito diferente quando aconteceu a última coroação. Naquela época, mais de 30% da população ainda acreditava que a rainha havia sido designada por Deus”, disse ao Estadão Robert Morris, pesquisador sênior da Unidade de Constituição da University College London. Ele mesmo participou das festividades na ocasião. “Eu tinha 15 anos e desfilei carregando um fuzil em Birmingham. Choveu a maior parte do dia e eu me lembro de assistir à cerimônia depois em uma televisão preto e branco de 10 polegadas.”

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Segundo Morris, esta coroação reflete o estado atual do Reino Unido. “Hoje somos muito mais educados e talvez até mais sofisticado”, afirmou.

A coroação é paga pelo governo e não pela família real. Nem Downing Street nem o Palácio de Buckingham divulgaram o custo exato da cerimônia, mas há estimativas não oficiais que a conta fique entre £50 milhões e £100 milhões. “Estamos passando por uma recessão e o rei está ciente disso. Também é interessante notar como a cerimônia foi projetada para refletir a diversidade da sociedade britânica de hoje, com líderes de outras religiões convidados para o evento.”

Um reino dividido

Ao assumir o trono, Charles III também se tornou o chefe da Commonwealth, uma associação de 56 países independentes e 2,5 bilhões de pessoas. Para 14 desses países, além do Reino Unido, o rei é o chefe de Estado.

Durante o reinado de Elizabeth II, a rainha cultivou relações pessoais amigáveis com muitos líderes da Commonwealth para manter o grupo unido. Charles III, porém, não tem o mesmo prestígio que a mãe tinha entre os membros da comunidade e alguns países já indicaram que poderiam desmantelar o vínculo com o Reino Unido e estabelecer seus próprios presidentes como únicos chefes de Estado. Seguindo o exemplo de Barbados, que se tornou uma república em 2021, outras nações caribenhas — como Jamaica e Antígua e Barbuda — poderiam ir pelo mesmo caminho.

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“É possível que alguns dos países da Commonwealth se tornem repúblicas durante o reinado de Charles III, mas isso também aconteceu enquanto a rainha estava viva, então não espero que a situação mude drasticamente”, disse George Gross, pesquisador visitante da King’s College London.

“É importante deixar claro que mesmo que alguns deles possam se tornar repúblicas, isso não significa que eles deixarão a Commonwealth — eles apenas não terão o rei como chefe de Estado. A Grã-Bretanha não é um império, então cabe aos povos desses países escolher quem eles gostariam de ter como chefe de Estado e não há nada que a família real possa fazer a respeito.”

Outro ponto de incerteza para o novo rei será como lidar com a situação na Escócia. Uma pesquisa do centro de estudos British Future, publicada em maio do ano passado, revelou que apenas 45% dos escoceses gostariam de manter a monarquia, com 36% dizendo que o fim do reinado da rainha Elizabeth II seria o momento certo para uma transição à república.

“Tentar impedir que o Reino Unido se fragmente ainda mais e unificar um Reino Unido fragmentado é um dos desafios de Charles III”, disse Pauline Maclaran, especialista na família real e professora de Marketing e Pesquisa do Consumidor na Royal Holloway University.

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Morris completou: “A saída da Escócia seria um duro golpe, mas não há nada que o rei possa fazer a respeito, exceto mostrar alguma atenção especial ao país”, disse. “Algumas pessoas até dizem que a rainha morreu na Escócia de propósito para manter relações estreitas com o país.”

Relações estremecidas

Manter a unidade da própria família real será outra tarefa do novo rei, que viu as relações familiares se estremecerem após o filho mais novo, príncipe Harry, deixar seu cargo de membro sênior da realeza em 2020.

Harry se distanciou do pai e do irmão, príncipe William, e a relação entre eles é supostamente tensa, principalmente após uma entrevista que Harry e sua mulher, Meghan Markle, deram à apresentadora de TV americana Oprah Winfrey em 2021. Durante o especial de televisão, ambos fizeram alegações de racismo dentro da família real.

O príncipe esteve presente na coroação, mas sozinho — Meghan não compareceu. Essa será a primeira vez que Harry foi visto em público com a família real desde que seu controverso livro de memórias foi publicado em janeiro.

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Embora a relação com Harry não esteja em seu melhor momento, o rei é bem próximo de William e especialistas acreditam que ele deve desempenhar um papel de destaque no novo reinado. “William e sua mulher, Catherine, são muito populares e têm um apelo maior ao público geral, então o rei deve colocar bastante ênfase nessa parte da família”, disse Pauline.

Segundo Craig Prescott, especialista em Direito Constitucional e Política do Reino Unido, com foco na monarquia, da Bangor University, William e Catherine terão um papel importantíssimo em ajudar a monarquia a se conectar com a geração mais nova de britânicos.

“Se você é um monarca na casa dos 70 anos, é realmente complicado engajar com o público de maneira mais relaxada, principalmente ao usar as mídias sociais. William e Catherine ficarão mais confortáveis do que o rei e a rainha consorte fazendo isso.”

Outra grande complicação do novo rei é lidar com seu irmão mais novo, príncipe Andrew, que também compareceu à cerimônia de coroação. Andrew renunciou aos seus deveres reais em 2019 após uma desastrosa entrevista na TV onde tentou, sem sucesso, se distanciar de seu amigo, o traficante sexual Jeffrey Epstein.

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Em janeiro do ano passado, Andrew perdeu seus vínculos militares e patrocínios reais e abandonou seu título de Alteza Real. Um mês depois, ele fez um acordo extrajudicial com Virginia Giuffre, uma americana vítima de Epstein, que acusou Andrew de abusar sexualmente dela quando era adolescente. Andrew negou qualquer irregularidade e não foi acusado criminalmente.

“Andrew caiu em desgraça, então não é provável que ele seja trazido de volta ao seu papel real”, disse Pauline. “A relação entre o rei e seu irmão não é particularmente boa, mas o rei ainda terá de administrar isso de uma forma que não pareça indigna porque, no final das contas, Andrew ainda é seu irmão.”

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