Líderes mundiais são acusados de esconder milhões em paraísos fiscais

Vazamento de dados de 14 escritórios de advocacia menciona 14 políticos na ativa, 21 que já deixaram o cargo e estrelas como Shakira, Julio Iglesias e Guardiola

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Por Greg Miller, Debbie Cenziper e Peter Whoriskey
Atualização:

WASHINGTON - Registros financeiros privados expostos em um vazamento de 11,9 milhões de documentos de 14 escritórios de advocacia indicam o alcance do uso do sistema de “offshore” por líderes mundiais e celebridades para potencialmente esconder milhões de dólares de autoridades fiscais, credores e investigadores criminais. Os dados foram divulgados neste domingo, 3, pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ).

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As revelações incluem mais de US$ 100 milhões gastos pelo Rei Abdullah II, da Jordânia, em casas de luxo em Malibu, Califórnia, e outros locais. Há milhões de dólares em imóveis e dinheiro de propriedade secreta dos líderes da República Checa, Quênia, Equador e outros países. E uma casa à beira-mar em Mônaco adquirida por uma mulher russa que ganhou uma fortuna considerável depois de ter tido um filho com o presidente russo, Vladimir Putin. 

São citados 14 chefes de Estado ou de governo na ativa e outros 21 já fora do poder. Não é crime ter patrimônio em empresas “offshore”, mas nelas falta a transparência sobre a qual parte dos políticos expostos fez carreira.

Os arquivos também fornecem evidências substanciais de que a Dakota do Sul, nos EUA, agora rivaliza com jurisdições “especializadas” em sigilo financeiro na Europa e no Caribe. Os arquivos incluem e-mails privados, planilhas secretas, contratos clandestinos e outros registros que desbloqueiam esquemas financeiros e identificam os indivíduos por trás deles.

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O rei Abdullah II, da Jordânia, é acusado de usar empresas offshore para esconder sua riqueza Foto: Stefani Reynolds/NYT

O balanço, denominado Pandora Papers, ultrapassa as dimensões do vazamento que estava no centro da investigação do Panama Papers cinco anos atrás. Aqueles dados foram obtidos de um único escritório de advocacia. O novo material abrange registros de 14 entidades de serviços financeiros distintas que operam em países e territórios, incluindo Suíça, Cingapura, Chipre, Belize e Ilhas Virgens Britânicas.

Os arquivos detalham mais de 29 mil contas offshore, mais do que o dobro do número identificado nos Panama Papers. Entre os proprietários de contas estão mais 330 funcionários públicos em mais de 90 países e territórios, o dobro do número encontrado nos documentos do Panamá.

“O sistema financeiro offshore é um problema que deve preocupar todas as pessoas que cumprem a lei em todo o mundo”, disse Sherine Ebadi, ex-oficial do FBI que atuou como agente principal em dezenas de casos de crimes financeiros.

Ebadi destacou o papel que contas offshore e trustes de proteção de ativos desempenham no tráfico de drogas, ataques de ransomware, comércio de armas e outros crimes. “Esses sistemas não permitem apenas que a fraude fiscal evite o pagamento de sua parte justa. Eles minam a estrutura de uma boa sociedade”, disse Ebadi, agora diretor-gerente associado da Kroll, uma empresa de investigações e consultoria corporativa.

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O pacote inclui relatórios da BBC e do Guardian que revelam novos detalhes sobre doadores estrangeiros que contribuem com milhões para o Partido Conservador britânico, do primeiro-ministro britânico Boris Johnson. 

A grande maioria dos documentos está marcada com datas entre 1996 e 2020, embora alguns datem da década de 1970. Os registros incluem dezenas de memorandos e mensagens discutindo maneiras de derrotar as novas leis de transparência, erguer abrigos mais rígidos para ativos e, por mais irônico que pareça neste contexto, evitar ser exposto por outro vazamento.

Bilionários

Andrej Babis, o primeiro-ministro checo, que se candidata à reeleição esta semana, é um político bilionário que se apresenta como um adversário populista da elite europeia. Mas os documentos mostram que em 2009 ele comprou um castelo de US$ 22 milhões perto de Cannes, na França, com um cinema e duas piscinas, usando empresas de fachada que esconderam a identidade de seu novo proprietário. Babis não respondeu aos pedidos de comentários.

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No Quênia, o presidente Uhuru Kenyatta cultivou a personalidade de um inimigo determinado da corrupção, dizendo em 2018 que “os bens de todos os funcionários públicos devem ser declarados publicamente”. Os documentos mostram que ele e vários parentes próximos estabeleceram pelo menos sete entidades offshore que detêm dinheiro e bens imóveis no valor de mais de US$ 30 milhões. Kenyatta não respondeu aos pedidos de comentário.

Outros líderes mundiais vinculados a contas offshore encontradas no tesouro de Pandora incluem o presidente Milo Djukanovic, de Montenegro, o presidente Sebastián Piñera, do Chile, e o presidente Luis Abinader, da República Dominicana. Há revelações sobre as participações offshore do casal poderoso do Sri Lanka, Thirukumar Nadesan e Nirupama Rajapaksa; e do governante de Dubai, Mohammed bin Rashid al-Maktoum. 

Os citados são de atividades tão variadas quanto o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, a pop star colombiana Shakira, o técnico Guardiola e o cantor Julio Iglesias, bem como membros da elite chinesa e figuras da família real da Arábia Saudita.

No Brasil, foram citados o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Guedes respondeu que sua participação em uma offshore foi declarada antes de entrar no governo e que ele se desvinculou de qualquer atuação privada. Campos Neto afirmou que “não participa da gestão ou faz qualquer investimento com recursos dessas empresas”. / THE WASHINGTON POST

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