Opinião | Chegou a hora de os EUA caírem na real sobre Irã e Israel

Diplomacia precisa conter projetos coloniais que retroalimentam conflito no Oriente Médio

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Por Thomas Friedman (The New York Times)

Vejamos as manchetes mais recentes: os Estados Unidos estão enviando um sistema antimísseis para Israel, juntamente com soldados americanos para operá-lo; o ministro de Relações Exteriores do Irã afirma que não haverá “nenhum limite” regendo a retaliação iraniana contra alguma retaliação israelense pela mais recente retaliação iraniana com mísseis; e relatos oriundos no Golfo Pérsico dão conta de que Teerã informou discretamente aos Estados árabes do Golfo que se o Irã for alvejado por Israel as forças iranianas poderão responder atacando campos de petróleo dos árabes. Se tudo isso não os apavora, é porque vocês não estão prestando atenção.

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Permitam-me uma sugestão?

Que tal enviar nosso experiente diretor da CIA, Bill Burns, para encontrar-se com seu homólogo iraniano no território neutro de Mascate, Omã, com uma estratégia verdadeira de diplomacia coerciva para o Irã capaz realmente de trabalhar para mudar o comportamento do regime de Teerã? Burns poderia dizer ao chefe da inteligência iraniana algo mais ou menos assim:

Manifestantes contra Israel queimam bandeiras na Praça Palestina em Teerã.  Foto: Vahid Salemi/Associated Press

“Vou lhe contar como vemos o seu país a partir da sede da CIA: vocês estão infiltrados, expostos e isolados.

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“Infiltrados? Nós soubemos que a última piada circulando por Teerã é que seu líder-supremo está escondido e que os únicos que conhecem seu paradeiro são os israelenses. A inteligência de Israel é muito boa, mas a única razão para os israelenses terem conseguido penetrar sua liderança e a do Hezbollah tão profundamente é que muitos iranianos e muitos xiitas libaneses odeiam ambos os regimes e estão dispostos a espionar para Israel. Então, hoje vocês não têm ideia quando conversam entre si ou com o Hezbollah se a pessoa com que estão falando trabalha para vocês ou para Israel.

“Expostos? Você, Irã, disparou cerca de 500 foguetes contra Israel desde abril e não destruiu nenhum alvo militar e não matou nenhum soldado israelense sequer. E vocês sabem bem que em 19 de abril um ataque israelense contra o Irã danificou um sistema de defesa antiaérea S-300 na 8.ª Base Aérea Shekari, em Isfahan. Noticiou-se que Israel acionou drones aéreos e disparou pelo menos um míssil de um avião com tecnologia furtiva — e vocês nem se deram conta do que estava por vir. Vocês estão NUS.

“E, finalmente, vocês estão isolados. Israel atingiu severamente sua milícia Hezbollah, na qual vocês investiram bilhões de dólares, portanto o grupo não lhes protege mais de um ataque israelense contra suas instalações nucleares. Nós infligimos um dano pesado em sua milícia houthi no Iêmen. O presidente da Síria, Bashar Assad, está farto de vocês e quer expulsá-los de seu país, e os Estados árabes do Golfo estão fazendo todo o possível para afastar o líder sírio do Irã. O principal partido xiita do Iraque, liderado por Muqtada al-Sadr, odeia vocês em razão da maneira que seu regime e suas milícias têm roubado tanta renda produzida pelo petróleo iraquiano e arrastado seus aliados iraquianos para sua briga com Israel. Pesquisas mostram a dimensão da impopularidade de seu regime no mundo árabe. Nem Vladimir Putin quer que vocês consigam a bomba nuclear. Um Irã com armas atômicas ao sul da Rússia? Ele não é tão doido assim.

“Então, eis a hora da verdade para o Irã. Vocês têm dois caminhos: ou mudam de comportamento ou arriscam ruir sob o peso de sua própria irresponsabilidade. Mas quando lhes digo para mudar de comportamento, desta vez eu quero dizer algo diferente do que quando negociamos o pacto nuclear durante o governo Obama.

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“Nós cometemos um erro naquele momento. Ficamos obcecados em evitar uma arma que vocês provavelmente nunca usariam — uma bomba nuclear, se é que vocês seriam capazes de fabricá-la algum dia — e ao mesmo tempo ignoramos a arma que vocês usavam todos os dias para minar nossos interesses, os interesses de nossos aliados árabes e de fato os interesses da maioria dos habitantes da região que almejam estabilidade, sem dizer os interesses de Israel. Essa arma foi a implementação de milícias armadas com foguetes cada vez mais precisos e alcance cada vez maior no Líbano, em Gaza, na Síria, no Iêmen e no Iraque. Seus aliados incapacitaram esses Estados desde dentro e ameaçaram externamente Israel e nossos aliados árabes.

“Nós não estamos mais jogando esse jogo. Se vocês continuarem a usar suas milícias regionais para atacar Israel e entrarem numa troca de mísseis ilimitada com Tel-Aviv nós vamos proteger os israelenses e vocês serão absolutamente esmagados. E se vocês levarem adiante sua ameaça de atacar campos de petróleo da Arábia Saudita ou dos Emirados Árabes Unidos para nos dissuadir, ou fecharem o Estreito de Ormuz, sua indústria petrolífera será aniquilada. E o povo iraniano não os perdoará. Não surpreende que nossa inteligência nos conta que vocês estão em pânico com a possiblidade de um ataque israelense.

“Então, vejam o que estamos propondo: o fim do imperialismo iraniano no Líbano, no Iraque, na Síria, no Iêmen e em Gaza em troca do nosso comprometimento em não derrubarmos seu regime e, em vez disso, nos envolvermos com vocês na construção de um arranjo regional de segurança coletiva. Vocês recuam, nós recuamos, Israel recua. Mas esse disparate de vocês produzirem Estados falidos no Líbano, no Iêmen, na Síria e no Iraque para que os povos desses países lutem e morram enquanto vocês comemoram em segurança em Teerã acaba agora.

“Nós não queremos humilhá-los. Vocês podem classificar esse movimento como uma vitória para o regime, já que o Grande Satã reconhecerá o Irã como parte essencial de qualquer sistema regional de segurança coletiva. Mas armar o Hezbollah, os houthis e as milícias xiitas no Iraque, isso acabou. Parem com isso que nós faremos os israelenses se retirarem do sul do Líbano e de Gaza. O Exército libanês e uma força internacional crível e letal substituirá o Hezbollah, e uma força de paz árabe substituirá o Hamas. Nós também aconselharemos Israel a limitar qualquer ataque retaliatório contra vocês.

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“Caso contrário, vocês estarão por conta própria.”

O que quero dizer é que, se desejamos um Oriente Médio pacífico e melhor, nós precisamos afinar as opções para a liderança clerical do Irã: reiniciar negociações nucleares, pôr fim ao fornecimento de milhares de foguetes aos seus aliados e ser capaz de permanecer no poder — senão nós daremos a Israel todas as armas convencionais de que dispomos, incluindo as bombas antibunker de 13,6 toneladas desenvolvidas para destruir suas instalações nucleares enterradas profundamente e os bombardeiros B-2 para lançá-las.

Conforme o especialista em Irã Karim Sadjadpour, do fundo Carnegie para a Paz Internacional, me disse: o líder-supremo Ali Khamenei “acredita há muito que a inimizade contínua com EUA e Israel é mais vital para a sobrevivência de seu regime do que reconciliação ou reforma. Para possibilitar a mudança nessa dinâmica, Khamenei terá de se ver diante de uma sensação profunda de angústia existencial, que o convença de que a atual trajetória arrisca a própria queda do regime”.

O general Kenneth McKenzie Jr, ex-chefe do Comando Central dos EUA, que coordenou em 2020 o assassinato de Qassim Suleimani, líder da Força Quds, o regimento de elite do Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica, concorda: “O Irã pode parecer imprevisível em certos momentos”, disse ele à revista The Atlantic, “mas respeita a força dos EUA e responde a dissuasão. Quando nos retiramos, o Irã avança. Quando afirmamos nossa posição — tendo avaliado os riscos e nos preparado para todas as possibilidades — o Irã recua”.

É por isso que nós precisamos confrontar o Irã com uma ameaça crível de força arrasadora vinculada a um caminho diplomático de sobrevivência, mas que desta vez trate tanto da ameaça nuclear do Irã quanto de seu comportamento regional. Nossa missão é mudar o comportamento do Irã; mudar o regime cabe ao povo iraniano. Acredito que a melhor maneira de o regime perder o controle sobre o país é privá-lo do oxigênio fornecido pelo conflito permanente com Israel e EUA — e de todas as desculpas que os clérigos tiranos usam para justificar o isolamento e o empobrecimento de seu povo.

Joe Biden recebe Binyamin Netanyahu na Casa Branca.  Foto: Susan Walsh/Associated Press

Mas não paro por aqui. Nós também precisamos afinar as opções do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu: nós não podemos colaborar para tornar Israel um lugar seguro para um governo messiânico e radical ser capaz de anexar a Cisjordânia. Se nós formos continuar a reabastecer Israel de mísseis e até enviar-lhe sistemas antimísseis controlados por americanos, Bibi precisa expulsar os colonos lunáticos de seu gabinete, forjar uma coalizão de unidade nacional e concordar em abrir negociações com uma Autoridade Palestina reformada — com um gabinete tecnocrata chefiado por líderes críveis, como o ex-primeiro-ministro Salam Fayyad — sobre uma solução de dois Estados.

Isso pavimentaria o caminho para os EAU e outros Estados árabes enviarem tropas para Gaza e para a Arábia Saudita normalizar relações com Israel e forjar um acordo de segurança com Washington.

Permitam-me colocar a coisa o mais claramente que consigo: esta crise no Oriente Médio não acabará enquanto Israel não definir claramente sua fronteira oriental e declarar que todo território além dessa linha está reservado para um Estado palestino na Cisjordânia, assim que os palestinos atenderem aos legítimos requisitos de segurança que Israel precisa para aceitar uma solução de dois Estados. Israel precisa desistir dos assentamentos coloniais judaicos — agora. A gradual e insidiosa anexação israelense da Cisjordânia está destruindo a legitimidade de Israel enquanto democracia num momento em que sua autodefesa requer ajuda de todos os amigos que o país conseguir na região e além.

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Ainda mais importante, porém, esta crise no Oriente Médio não terminará enquanto o Irã não definir de fato sua fronteira ocidental e declarar que o destino de todo território a oeste cabe aos libaneses, sírios, iemenitas, iraquianos, israelenses e palestinos decidir. O Irã precisa pôr fim ao imperialismo islâmico.

Em suma, nós precisamos realmente de uma diplomacia americana criativa e coerciva neste momento para finalmente acabar com os projetos coloniais de Israel e Irã — que se retroalimentam. Esta é a condição necessária, ainda que não suficiente, para desarmar as maluquices nessa região. Israel não aguenta uma guerra de mísseis prolongada, em grande escala, com o Irã. Israel é pequeno demais, o Irã é grande demais, e os EUA estão ficando sem interceptadores para proteger os israelenses — caso os iranianos e seus aliados disparem ao mesmo tempo. E o Irã não aguenta uma guerra de mísseis em grande escala com Israel porque a paciência dos EUA e de seus aliados com esse aventureirismo que desestabiliza toda a região se esgotou. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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