Chegou a hora de um plano de paz costurado por Biden; leia a coluna de Thomas Friedman

O plano que Biden poderia usar como um de seus pontos de partida é a proposta do ex-presidente Donald Trump para uma solução de dois Estados

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Por Thomas Friedman (The New York Times)

THE NEW YORK TIMES - Durante os nove dias que passei recentemente trabalhando em Israel e na Cisjordânia, eu não poderia imaginar que o momento mais revelador ocorreria nas horas finais da minha visita. Quando eu arrumava minhas coisas para ir embora, na noite do sábado, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu concedeu uma conferência de imprensa na qual indicou que Israel e Estados Unidos não possuem uma visão comum a respeito de como Israel deveria concluir sua guerra em Gaza nem sobre alguma maneira de converter qualquer vitória israelense sobre o Hamas numa paz duradoura com os palestinos.

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Sem uma estratégia compartilhada desse tipo, o governo Biden, o povo americano e particularmente os judeus americanos que apoiam Israel terão de tomar decisões fatídicas.

Ou nós teremos de ficar reféns da estratégia de Netanyahu — o que poderia nos fazer afundar junto com ele — ou teremos de articular nossa própria visão americana sobre a maneira que a guerra em Gaza deve terminar. Isso requereria que o governo Biden planejasse a criação de dois Estados para dois povos autóctones que vivem na região de Gaza, Cisjordânia e Israel.

O primeiro-ministro da Israel, Binyamin Netanyahu Foto: Abir Sultan/AP

Sim, eu estou falando de um plano de paz em tempo de guerra que, se Israel concordar, poderia lhe ajudar a criar o tempo, a legitimidade, os aliados e os recursos de que precisa para derrotar o Hamas — sem ter de ficar responsável por governar toda a Faixa de Gaza e a Cisjordânia eternamente sem nenhum horizonte político para os palestinos.

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E não se iludam, a única visão que Netanyahu está oferecendo neste momento é a seguinte: sete milhões de judeus tentando governar eternamente cinco milhões de palestinos — uma receita para o desastre para Israel, os EUA, judeus do mundo inteiro e os aliados árabes moderados dos EUA.

O plano que Biden — vocês estão sentados? — poderia usar como um de seus pontos de partida é a proposta do ex-presidente Donald Trump para uma solução de dois Estados, porque Netanyahu a aceitou calorosamente em 2020, quando tinha uma coalizão de governo diferente. (Netanyahu e seu embaixador em Washington na época praticamente escreveram o plano de Trump.) Voltaremos ao assunto em um segundo.

Vejam por que nós estamos em uma encruzilhada que exige ideias corajosas, começando pela noite do último sábado. Falando em hebraico, numa conferência de imprensa conjunta com o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o ministro Benny Gantz, Netanyahu rejeitou as preocupações dos EUA e do mundo sobre as milhares de vidas palestinas já perdidas para a guerra que pretende extirpar o Hamas de Gaza. Ainda mais importante, Netanyahu declarou que os militares israelenses permanecerão em Gaza “pelo tempo que for necessário” para evitar que o território volte a ser usado para lançar ataques contra civis israelenses.

Gaza “será desmilitarizada”, afirmou ele. “Não haverá nenhuma ameaça mais da Faixa de Gaza contra Israel, e para garantir isso, pelo tempo que for necessário as IDF controlarão a segurança de Gaza para evitar o terror de lá.”

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São preocupações israelenses legítimas dadas as atrocidades do Hamas, mas Netanyahu também indicou que Israel se oporia ao retorno da Autoridade Palestina — a parceira de Israel no processo de paz de Oslo, que governa os palestinos da Cisjordânia — para Gaza depois da guerra.

A AP, afirmou Netanyahu, é “uma autoridade civil que educa suas crianças para odiar Israel, matar israelenses, eliminar o Estado de Israel … uma autoridade que paga famílias de assassinos com base na quantidade de vítimas que eles assassinaram … uma autoridade cujo líder ainda não comentou o terrível massacre (de 7 de outubro) 30 dias depois”.

Bibi — que nunca dá crédito à Autoridade Palestina pela maneira que o organismo trabalha diariamente com autoridades de segurança israelenses para combater a violência na Cisjordânia — não expressou nenhuma sugestão sobre como ou de onde poderá emergir alguma alternativa, uma autoridade governamental legítima, palestina e pronta para trabalhar com Israel.

O presidente dos EUA, Joe Biden Foto: Tom Brenner/Reuters

A fala de Netanyahu foi uma crítica desafiadora à posição do governo Biden articulada pelo secretário de Estado Antony Blinken na última quarta-feira. Conforme noticiou o Times, Blinken declarou numa reunião com ministros de relações exteriores em Tóquio que Gaza deveria unificar-se politicamente com a Cisjordânia sob a Autoridade Palestina quando a guerra acabar. Para manter os aliados árabes e ocidentais dos EUA, Blinken afirmou que neste momento — hoje — nós temos de articular “elementos afirmativos para alcançar uma paz duradoura” que “devem incluir vozes do povo palestino e suas aspirações no centro da governança pós-crise em Gaza”, afirmou ele, “e devem incluir um governo liderado pelos palestinos e a unificação de Gaza com a Cisjordânia sob a Autoridade Palestina”.

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Minha tradução sucinta da proposta de Blinken para Israel: “Ajudem-nos a ajudar vocês”.

Blinken, porém, também não deu detalhes sobre como isso poderia ocorrer. A equipe de Biden precisa elaborar mais.

Por que Netanyahu tenta destruir a Autoridade Palestina como opção de governo para Gaza pós-guerra? Porque ele já está em campanha para se manter no poder depois que a guerra em Gaza acabar e sabe que haverá um enorme aumento no número de israelenses exigindo que ele deixe o poder em razão da maneira que ele e seus asseclas de extrema direita distraíram e dividiram Israel e suas Forças Armadas ao perseguir um golpe no Judiciário que, segundo fontes de inteligência informaram Netanyahu, encorajou e instigou inimigos como o Hamas e o Hezbollah.

Dezenas de milhares de manifestantes se reuniram em 14 de novembro no National Mall em Washington em solidariedade a Israel Foto: Leigh Vogel/NYT

A única maneira que Netanyahu tem de permanecer no poder é seus aliados de extrema direita não o abandonarem — principalmente o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir. Portanto, para manter o apoio dos supremacistas judeus em seu gabinete — alguns dos quais querem que Israel erga assentamentos coloniais em Gaza o quanto antes — Netanyahu tem de declarar agora que os palestinos não terão nenhuma representação legítima e independente em Gaza nem na Cisjordânia.

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Sim, eu sei que é difícil acreditar, mas Netanyahu está fazendo campanha política em meio a esta guerra.

É hora do presidente Joe Biden criar um momento da verdade para todos — para Netanyahu, os palestinos e seus apoiadores, Israel e seus apoiadores e para o Aipac, o lobby judaico. Biden precisa deixar claro que Washington não será o idiota útil de Netanyahu. Nós vamos determinar os princípios de um plano de paz justo para o dia seguinte a esta guerra — que reflita nossos interesses e que também nos possibilitará apoiar Israel e os palestinos moderados e conquistar o apoio dos árabes moderados para a reconstrução de Gaza depois da guerra. Eu não consigo ver nenhum grande apoio econômico vindo da Europa nem de países como Emirados Árabes Unidos ou Arábia Saudita a não ser que Israel e algum tipo de autoridade legítima palestina se comprometam com princípios de um ordenamento de paz para a criação de dois Estados para dois povos.

Biden precisa dizer: “Israel, nós estamos cobrindo seu flanco militarmente com dois dos nossos porta-aviões, financeiramente com US$ 14 bilhões em ajuda e diplomaticamente na ONU. O preço por isso é você aceitar um ordenamento de paz com base em dois Estados para dois povos autóctones em Gaza, Cisjordânia e Israel pré-1967. Este plano tem como base as Resoluções 242 e 338 da ONU, que também foram o pilar para as negociações no plano de paz proposto pelo ex-presidente Trump em 2020.

“Bibi, você se lembra do que disse sobre o plano de Trump que deu aos palestinos cerca de 70% da Cisjordânia para a formação de um Estado, uma Faixa de Gaza expandida e uma capital na região de Jerusalém?”, Biden poderia acrescentar. “Veja aqui esta reportagem da Associated Press, de 28 de janeiro de 2020, para se recordar: ‘Netanyahu classificou (a proposta de Trump) como um “avanço histórico” similar em significado à declaração de independência de Israel, em 1948′.”

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Fumaça sobe de uma explosão na Faixa de Gaza vista do sul de Israel, em 14 de novembro de 2023 Foto: Victor R. Caivano/AP

De forma insensata, a Autoridade Palestina rejeitou diretamente o plano de Trump, pedindo em vez disso para usá-lo como ponto de partida para a negociação. Eis a chance de retificar aquele erro — ou ser desmascarado pela ausência de seriedade.

Em seu valioso novo livro sobre a história do processo de paz, “(In) Sights: Peacemaking in the Oslo Process Thirty Years and Counting”, Gidi Grinstein, membro do time de negociação de Ehud Barak em Camp David, argumenta que o plano de Trump provê um fundamento natural para a retomada do processo de paz no sentido da solução de dois Estados. E isso não ocorre apenas porque Netanyahu já concordou com seus termos, disse-me Grinstein em entrevista, mesmo que os colonos linha-dura em seu gabinete não tenham concordado nem jamais concordem. O plano de Trump também é viável porque teve como base a precondição de que a paz só seria possível uma vez que o Hamas fosse removido do poder e a Autoridade Palestina pudesse assumir o controle também da Faixa de Gaza, que, argumentava o plano de Trump, seria expandida com terras do deserto israelense do Negev.

O presidente Biden poderia propor que, com a ajuda dos nossos aliados árabes moderados, como EAU, Arábia Saudita, Egito, Jordânia e Bahrein, nós elaborássemos um plano para reformar a Autoridade Palestina, expurgar de seu sistema educacional materiais anti-Israel, melhorar suas forças policiais que trabalham diariamente com equipes de segurança israelenses na Cisjordânia e pôr fim gradualmente à ajuda financeira para prisioneiros palestinos que mataram israelenses.

A Autoridade Palestina é capaz de um acordo nesses termos? Os progressistas que apoiam os palestinos no Ocidente e entoam o mantra eliminacionista “do rio até o mar, a Palestina será livre” estariam dispostos a isso? E a maioria silenciosa em Israel, após o Hamas ser derrotado? Vejamos o que todos defendem realmente — ou se alguém tem uma resposta melhor — porque ninguém vai desaparecer. O presidente Biden precisa testá-los.

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Eu sei que muitos líderes da comunidade judaica nos EUA afirmam privadamente que adorariam ver Biden costurar um plano nesses termos, mas até aqui apenas um deles, Ronald Lauder, republicano de longa data e presidente do Congresso Judaico Mundial, teve coragem de defender essa posição — num jornal saudita, em um ensaio intitulado: “Um momento para a paz e uma solução de dois Estados”. Conforme ele explicou: “Somente uma solução de dois Estados garantiria a israelenses e palestinos viver com dignidade, em segurança e com uma perspectiva melhor sobre a situação econômica, o que ocasionaria um futuro sustentável”.

Um plano nesses termos protegeria os interesses dos EUA — e deixaria claro que nós nos importamos com o que é melhor para os israelenses, os palestinos e os nossos aliados na região, não com o que é melhor para o futuro político de Netanyahu — que, segundo me disseram vários analistas israelenses, é fazer esta guerra se arrastar, para que ele não possa ser deposto por manifestações massivas; ou nos arrastar para um conflito com o Irã na esperança dessa guerra maior ofuscar todos os seus erros.

Um plano para uma solução de dois Estados ser aceito por Israel, mesmo com reservas, reforçaria para o mundo que Israel considera sua guerra em Gaza um ato necessário de autodefesa e um prelúdio para uma paz duradoura. E um plano nesses termos ser aceito pela Autoridade Palestina, mesmo com reservas, reforçaria que a AP tem intenção de se tornar uma alternativa ao Hamas na formulação de um futuro independente para os palestinos juntamente com Israel — e não ficará indiferente diante da loucura do Hamas nem será sua vítima./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO