China é acusada de fechar, demolir e converter mesquitas em campanha ampliada de repressão religiosa

Relatório feito pela organização internacional Human Rights Watch mostra que ataques a centros religiosos do Islã expandiram para regiões fora de Xinjiang; China nega e cita ‘preconceito ideológico’

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Por Simina Mistreanu

As autoridades da China desmantelaram, fecharam, demoliram ou converteram mesquitas para uso secular em regiões fora de Xinjiang, como parte de uma campanha que visa reprimir a expressão religiosa, segundo um relatório da Human Rights Watch divulgado nesta quarta-feira, 22. O Ministro de Relações Exteriores da China disse que as organizações internacionais deveriam “abandonar seu preconceito ideológico contra a China” e citou “manipulação política e manchar a a imagem da China” (veja a resposta mais abaixo).

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Segundo o documento, o país expandiu sua campanha para fechar mesquitas para outras regiões além de Xinjiang, onde durante anos o país foi culpado de perseguir minorias muçulmanas. Autoridades fecharam mesquitas na região norte de Ningxia, bem como na província de Gansu, onde vivem uma grande população de muçulmanos Hui, como parte de um processo conhecido oficialmente como “consolidação”, de acordo com o relatório, que é amparado por documentos públicos, imagens de satélites e depoimentos de testemunhas.

Autoridades locais também têm removido características arquitetônicas das mesquitas para torná-las mais “chinesas”, parte de uma campanha comandada pelo Partido Comunista para apertar o controle sobre a religião e reduzir o risco de possíveis desafios ao seu domínio.

Um relatório da ONU no ano passado constatou que a China pode ter cometido “crimes contra a humanidade” em Xinjiang, incluindo por meio da construção de uma rede de campos de internação extrajudiciais, acredita-se terem detido pelo menos 1 milhão de Uigures, Huis, Cazaques e Quirguizes.

Muçulmano Hui chinês olha para uma maquete de Meca instalada em uma mesquita na cidade de Yichuan, em 2006.  Foto: AP/Elizabeth Dalziel, Arquivo

Em resposta a um pedido de comentário feito pela Associated Press, o Ministro de Relações Exteriores da China disse que Pequim atribui grande importância à proteção e ao reparo de mesquitas e garante as necessidades comuns dos fiéis. “As organizações relevantes deveriam abandonar seu preconceito ideológico contra a China e parar de usar questões religiosas para engajar uma manipulação política e manchar a a imagem da China”, disse o ministro em comunicado.

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“Documentos de Xinjiang”

Uma das primeiras referências que se tem conhecimento à “consolidação de mesquitas” aparece em um documento interno do partido de abril de 2018, que foi divulgado à mídia dos Estados Unidos como parte de um conjunto de documentos conhecidos como “Documentos de Xinjiang”. O dossiê instruía as agências estatais em todo o país a “fortalecer a gestão padronizada da construção, renovação e expansão de locais religiosos islâmicos” e sublinhava que “não deveria haver locais islâmicos recentemente construídos” a fim de “comprimir o número total (de mesquitas).”

“O governo chinês não está ‘consolidando’ mesquitas como afirma, mas fechando várias delas em violação à liberdade religiosa”, disse Maya Wang, diretora interina para a China da Human Rights Watch. “O encerramento, destruição e reaproveitamento de mesquitas pelo governo chinês faz parte de um esforço sistemático para conter a prática do Islã na China.”

Nas comunidades de Liaoqiao e Chuankou, em Ningxia, autoridades desmantelaram cúpulas e minaretes (torre de uma mesquita) de todas as sete mesquitas e destruíram os edifícios principais de três delas entre 2019 e 2021, de acordo com vídeos e fotos publicados online, corroborados com imagens de satélite pelos pesquisadores do grupo.

Além disso, a parede de ablução de uma mesquita foi danificada em seu interior, de acordo com vídeos obtidos pelo grupo. A Associated Press não conseguiu checar de forma independente as mudanças descritas no relatório.

A política de “consolidação de mesquitas” também foi referenciada em um documento de março de 2018 emitido pelo governo de Yinchuan, capital de Ningxia. Segundo o documento, o governo queria “controlar estritamente o número e a escala dos locais religiosos” e pediu às mesquitas para adotarem “estilos de arquitetura chinesa”. O material ainda sugeriu que a “integração e combinação de mesquitas” poderia “resolver o problema de muitos locais religiosos”.

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Na província de Gansu, diversos governos locais detalharam esforços para “consolidar” mesquitas.

No condado de Guanghe, onde a maioria da população é Hui, as autoridades em 2020 “cancelaram o registo de 12 mesquitas, encerraram cinco mesquitas e melhoraram e consolidaram outras cinco”, de acordo com o anuário anual do governo, referenciado no relatório da Human Rights Watch.

As notícias também sugerem que o governo chinês fechou ou alterou mesquitas em outros lugares do país, enfrentando ocasionalmente reações públicas. Em maio, manifestantes na cidade de Nagu, no sul da província de Yunnan, entraram em confronto com a polícia devido à planejada demolição da cúpula de uma mesquita./Associated Press.

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