Quando se reuniu com seus homólogos japonês e sul-coreano em Tóquio, no fim de semana passado, o principal diplomata chinês, Wang Yi, disse que a China percebe um “grande potencial” para comércio e estabilidade se os três vizinhos trabalharem juntos. Mencionando o que classificou como uma “sabedoria oriental” em comum, Wang citou um provérbio aparentemente aludindo para os Estados Unidos enquanto um aliado distante e não confiável: “Vizinhos próximos são melhores do que parentes distantes”.
Mas no mesmo momento que as autoridades conversavam, dois navios da Guarda Costeira chinesa iniciaram uma incursão incomum em águas próximas a ilhas disputadas no Mar da China Oriental. A Guarda Costeira japonesa, que se movimentou para interceptar as embarcações, disse que os navios chineses estavam armados e perseguiam um pequeno barco de pesca japonês.
O Japão disse que essa incursão da China, que durou quase quatro dias, nas águas do entorno das ilhas, que são reivindicadas por ambos os países, foi a mais longa até então. O ministro japonês das Relações Exteriores afirmou que expressou indignação a Wang no sábado sobre uma elevação nesse tipo de atividade ao redor das ilhas desabitadas — que o Japão chama de Senkaku e a China, de Diaoyu.

A simultaneidade nas promessas de amizade e no acionamento dos navios armados da China reflete dois lados da estratégia de Pequim para lidar com um governo Trump que recalibra rapidamente a posição dos EUA no mundo.
A China está usando uma abordagem de “recompensas e reprimendas” com seus vizinhos, para “recompensar as políticas do país em questão que beneficiem os interesses chineses e alertar contra políticas prejudiciais à China”, disse Bonnie Glaser, diretora-gerente do Programa para o Indo-Pacífico do Fundo Marshall Alemão, um centro de pesquisa sediado em Washington.
Por um lado, como Trump afasta aliados dos EUA, inclusive impondo-lhes tarifas e, no caso do Japão, questionando a justeza de um tratado de defesa, a China vê uma oportunidade para cortejar esses países.
Por outro lado, a China parece ter concluído que a política externa abrasiva de Trump lhe dá impulso para promover seus interesses num momento em que tantos aliados dos EUA se sentem vulneráveis e questionam a confiabilidade de Washington.
“A China percebe a alienação de Trump em relação aos aliados dos EUA como uma oportunidade, mas isso não significa que Pequim deixará de sinalizar sua insatisfação quando os principais interesses da China estiverem sendo ameaçados”, disse Glaser.

Parece ser este o caso da Austrália, que teve, em certos momentos, uma relação tumultuada com a China. Depois que assumiu o cargo, em 2022, o primeiro-ministro Anthony Albanese se movimentou para reparar a relação. Desde então, a China suspendeu as restrições a uma série de exportações australianas, incluindo vinho, carne vermelha e lagosta. No mês passado, autoridades de defesa chinesas e australianas entabularam conversas de alto nível em Pequim pela primeira vez em seis anos.
Poucos dias depois, uma frota naval chinesa começou a navegar em águas do do entorno da Austrália sem aviso prévio. E conduziu um exercício de tiro real na área pela primeira vez, forçando o redirecionamento de dezenas de voos civis.
Os exercícios alarmaram a Austrália e motivaram pedidos para reavaliação de suas defesas. Alguns analistas afirmaram que os exercícios foram provavelmente uma resposta às frequentes incursões da Marinha australiana ao Mar do Sul da China, uma área sobre a qual Pequim reivindica soberania. Outros disseram que a China poderia estar testando a maneira que o governo Trump reagiria a demonstrações de força tão próximas de um dos aliados mais confiáveis dos EUA.
“Pequim deve estar tentando testar até onde pode chegar”, esperando estabelecer um novo parâmetro para suas operações na região, disse o professor-associado de ciência política Ja Ian Chong, da Universidade Nacional de Cingapura. “Suponho que um cálculo plausível é: se os EUA forem ineficazes ou ficarem paralisados, os outros atores não conseguirão fazer muito por conta própria.”
A China adotou uma abordagem semelhante, tanto bruta quanto branda, com a Coreia do Sul e o Vietnã. Seu comércio com os vietnamitas está florescendo, e Pequim indicou que em breve poderá suspender uma proibição não oficial sobre entretenimento K-pop, sul-coreano.
Mas a China realizou exercícios de tiro real no Golfo de Tonkin no mês passado depois que o Vietnã pressionou por reivindicações territoriais nessas águas. E os chineses acionaram sua Guarda Costeira nas proximidades da Coreia do Sul na semana passada depois que um navio sul-coreano tentou inspecionar na região estruturas de aço construídas pela China. (A Coreia do Sul apresentou um protesto oficial a Pequim sobre esse incidente.)
Esse comportamento assertivo é um lembrete de que, apesar das mudanças nas correntes geopolíticas, a China continua comprometida com um de seus principais objetivos, de se tornar a potência dominante na região da Ásia-Pacífico, disse o pesquisador especializado em Leste Asiático Richard McGregor, do Instituto Lowy, um centro de análise em política externa sediado em Sydney.
“As águas próximas ao Japão, no Mar do Sul da China e ao redor da Austrália são, de certa forma, cenário de um teatro indivisível de interesses chineses”, disse ele. “Pequim vai perseguir esses objetivos sejam quais forem os humores com os EUA. Os chineses também calculam que podem fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Mordem e assopram ao mesmo tempo.”
A relação do Japão com a China incorpora as mesmas contradições.
Os laços entre os dois países descongelaram nos meses recentes. Em janeiro, o ramo diplomático do Partido Comunista Chinês conversou com o Partido Liberal Democrata do Japão pela primeira vez em anos. Ambas as nações afrouxaram regras recíprocas de visto para turistas, e a China silenciou suas objeções à liberação realizada pelo Japão de água radioativa da arruinada usina nuclear de Fukushima Daiichi.
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Mas as tensões persistem. Neste mês, o Japão disse que estava considerando instalar mísseis de longo alcance em sua Ilha de Kyushu, no sudoeste do país. Esses mísseis seriam capazes de atingir as forças da China caso Pequim tente invadir Taiwan, a ilha independente de facto reivindicada pelos chineses.
Enquanto isso, o Japão diz que a China tem enviado cada vez mais navios para águas próximas às Ilhas Senkaku, controladas pelo Japão, no que analistas japoneses qualificam como uma estratégia para aumentar gradualmente os desafios ao status quo.
A última incursão começou antes do amanhecer, na sexta-feira, quando dois navios da Guarda Costeira da China entraram em águas territoriais ao redor da ilhota de Minamikojima, aparentemente perseguindo um barco de pesca japonês muito menor. A Guarda Costeira do Japão disse que enviou navios para afastar as embarcações chinesas.
Os navios japoneses protegeram o barco de pesca ao mesmo tempo que exigiram a retirada das embarcações chinesas. Os chineses se recusaram, dando início a um impasse de 92 horas, no qual as embarcações navegaram lado a lado, com suas tripulações berrando reivindicações sobre as ilhas uma para a outra. Em um determinado momento, outros dois navios chineses se juntaram brevemente à briga.
A Guarda Costeira do Japão afirmou que, finalmente, “forçou os navios da Guarda Costeira chinesa a se retirar” na noite de segunda-feira. Segundo os japoneses, a incursão anterior mais longa da China, em 2023, durou quase 81 horas.
O ex-comandante da Guarda Costeira japonesa Atsushi Tohyama classificou a recente incursão como parte de uma estratégia de atrito iniciada em 2010, quando um barco de pesca chinês abalroou um navio da Guarda Costeira do Japão perto das Ilhas Senkaku.
“Parece que eles foram provocados pelo barco de pesca”, disse Tohyama sobre os navios chineses envolvidos no impasse mais recente. “Pelo que me disseram, o barco de pesca ficou nas águas ao redor da ilha por mais tempo do que o normal, e os chineses retaliaram da mesma forma. Numa disputa como essa, até mesmo o ato de pescar vira uma declaração de soberania”, disse Tohyama. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO