Durante a Guerra Fria, um espirro dado no Kremlin se transformava em um terremoto em Washington – e vice-versa. A lógica da contenção obrigava as nações envolvidas no conflito e seus aliados a responderem na mesma medida às ações dos adversários.
Esse tipo de comportamento está de volta nas relações entre EUA e China. Os testes de mísseis hipersônicos, uma tecnologia inovadora e ainda experimental, a troca de farpas por Taiwan e a parceria trilateral entre EUA, Reino Unido e Austrália, a aliança Aukus, são os mais recentes temperos no caldeirão da tensão entre chineses e americanos.
O Aukus prevê uma ampla gama de colaboração diplomática e tecnológica, da segurança cibernética à inteligência artificial, mas em seu núcleo está um acordo para iniciar consultas para ajudar a Austrália a adquirir uma frota de submarinos com propulsão nuclear (embora não com armas nucleares).
Submarinos nucleares são mais rápidos, mais difíceis de detectar e mais letais do que os movidos a diesel. Atualmente, apenas seis países operam submarinos movidos a energia nuclear, e os EUA haviam compartilhado a tecnologia apenas com o Reino Unido.
A chegada dos submarinos australianos altera o equilíbrio do poder naval no Pacífico. “Passar de uma frota a diesel para uma nuclear é uma mudança de estratégia, não apenas de modos de propulsão”, afirma Toshi Yoshihara, professor da Universidade Tufts e autor do livro Red Star Over the Pacific, sobre a ascensão da China. “É uma maneira de projetar força nas rotas de navegação que alimentam o Estreito de Malaca até Taiwan, com capacidade de lançar mísseis de alcance mais longo. E aí reside a maior ameaça que irritou os chineses”, afirma.
Para muitos analistas, os EUA não estão apenas compartilhando as joias da coroa da sua tecnologia militar, mas sinalizandoseu compromisso de longo prazo com o que chama de um “Indo-Pacífico livre e aberto”.
“O maior significado disso é que os Estados Unidos estão dando poder a seus aliados, e seus aliados vão se dobrar em relação aos Estados Unidos”, disse a Economist diz Michael Fullilove, do Lowy Institute, um centro de estudos em Sydney. “Muitos países da região que compartilham o sentimento de ameaça da China, gostaram disso.”
Um relatório publicado pelo centro de estudos Council on Foreign Relations sobre as rivalidades na Ásia sugere que as potências maiores tentarão proteger seus interesses – considerando sua interdependência econômica – enquanto gerenciam sua rivalidade.
Os países menores tentarão exercer algum poder e aproveitar as vantagens dessa rivalidade, ao mesmo tempo em que tentam se proteger de qualquer precipitação. “Juntas, essas duas dinâmicas moldarão a geopolítica da região”, afirma o estudo.
“A necessidade é cimentar outro importante arranjo de defesa como parte de um esforço para equilibrar uma China cada vez mais poderosa e assertiva”, disse ao Estadão Andrew Latham, professor de relações internacionais da Macalester College, dos EUA.
Um estudo divulgado em março pelo Stockholm International Peace Research Institute (Sipri), sobre transferências internacionais de armas, mostrou que as regiões da Ásia e da Oceania são as maiores importadoras, recebendo 42% das transferências globais, entre 2016 e 2020. Índia, Austrália, China, Coreia do Sul e Paquistão são os principais compradores.
Embora as importações de Taiwan tenham diminuído, seu governo fez várias compras de grande porte dos EUA em 2019, incluindo aeronaves de combate. “Para muitos Estados da Ásia e da Oceania, uma percepção crescente da China como uma ameaça é o principal motivador para as importações de armas”, disse Siemon Wezeman, pesquisador do Sipri. “Importações maiores estão planejadas, e vários países da região também pretendem produzir suas próprias armas.”
Pequim, diante da reação dos vizinhos, segundo Latham, está vendo sua janela de oportunidade se fechando. “Como a Alemanha em 1914, a China pode tentar um ataque enquanto a ‘chapa ainda está quente’, invadindo Taiwan. Se o fizer agora, pode ter sucesso. Se esperar, a derrota é quase certa.”
Na semana passada, os EUA realizaram exercícios militares no Estreito de Taiwan, em conjunto com o Canadá. Dias depois, o Financial Times revelou que os chineses testaram, em agosto, um míssil hipersônico com capacidade nuclear. Pequim negou e fontes em Washington disseram que a inteligência americana foi pega de surpresa com o teste.
Como na Guerra Fria, há uma tendência natural de equilíbrio em que nenhum dos lados quer iniciar uma grande guerra. Mas, às vezes, essas dinâmicas falham.
Pequim, diante da reação dos vizinhos, segundo Latham, está vendo sua janela de oportunidade se fechando. “Como a Alemanha em 1914, a China pode tentar um ataque enquanto a ‘chapa ainda está quente’, invadindo Taiwan. Se o fizer agora, pode ter sucesso. Se esperar, a derrota é quase certa.” Com Pequim e o presidente Xi Jinping motivados a incorporar Taiwan à China, a chance de um deslize inesperado aumenta.
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